Desde quando tudo precisa ser feito com ‘intenção’? – 01/11/2025 – Equilíbrio

Desde quando tudo precisa ser feito com 'intenção'? - 01/11/2025 - Equilíbrio

Namorar, caminhar, malhar, assistir a um filme em casa, assistir a um filme no cinema, fazer compras em brechós, fazer compras no supermercado, preparar refeições, jogar jogos de perguntas e respostas, fazer café, beber café, consumir álcool, fazer amigos, fazer planos com amigos, tocar violão, escrever em um diário, discutir, ler, pensar, rolar a tela, respirar.

Você pode simplesmente fazer todas essas coisas. Ou pode fazê-las com intenção, como prega ultimamente um coro crescente de gurus de estilo de vida, influenciadores e talvez pessoas que você conhece pessoalmente e que passaram por terapia em excesso.

Considere um par de vídeos no TikTok, ambos afirmando mostrar um estilo de vida com intenção. Em um deles, uma jovem leva os espectadores a acompanhar seu domingo —escolhe cuidadosamente um disco de Carole King para ouvir na vitrola, rega as plantas e acende lâmpadas de baixa potência em sua casa. No outro, uma mãe trabalhadora mostra como ela gasta as quatro horas entre o momento em que chega em casa e quando vai para a cama —cozinhando, limpando a cozinha e ajudando seus filhos com a lição de casa em um borrão acelerado de um minuto.

Parente linguístico da atenção plena, viver com intenção sugere estar presente e autoconsciente. Suas palavras e ações estão em alinhamento quase perfeito. Possivelmente você meditou recentemente. Fiel à sua definição literal, agir com intenção também implica uma série de escolhas deliberadas.

Essas escolhas podem parecer difíceis de encontrar hoje em dia, quando até decisões mundanas e cotidianas parecem mais moldadas por grandes forças políticas e algoritmos sem rosto do que por qualquer tipo de vontade individual.

“Pense em como é natural pegar seu telefone quando está entediado”, diz Jackie Garbe, 28, instrutora de ioga e meditação. “Neste mundo, tendemos a estar em nossas cabeças e no piloto automático, o que é normal, é natural, mas a intenção nos tira disso e nos coloca no momento presente.”

“Existem quatro coisas que tento fazer todos os dias que, entre aspas, ‘enchem meu copo'”, diz Robert Capelluto, 35, que trabalha como designer de produtos em uma grande empresa de tecnologia. “Saúde, expressão, relacionamentos e propósito. Todas essas quatro coisas são fundamentais para a base e felicidade ou bem-estar geral do Rob.”

Para esse fim, Capelluto explicou, por telefone, que costuma programar quase todas as horas do seu dia para garantir que está “crescendo e evoluindo como pessoa”.

Quando questionado sobre o que aconteceria se a ligação ultrapassasse o tempo previsto, ele respondeu que também está “tentando permitir mais espontaneidade e flexibilidade para escolher quando certas coisas parecem certas”.

Para alguns, evitar o desperdício de tempo é parte do objetivo de agir com intenção, o que pode explicar por que a palavra ganhou espaço nos relacionamentos amorosos. Já fatigados e desconfiados dos aplicativos de namoro, muitas pessoas têm se voltado para o “namoro com intenção”, buscando assumir o controle de seu destino romântico.

Talia Koren, 33, que apresenta o podcast “Dating Intentionally”, descreve isso como uma questão de “agir de uma maneira que se alinhe com o que você quer”.

Após um término com um parceiro de longo prazo, isso significava manter o foco em seu objetivo de conhecer alguém que estivesse interessado em casamento.

“Eu não persegui o cara bonito que diz que não sabia o que estava procurando porque eu sabia”, conta. E então ela conheceu seu marido. E diz que não sentiu uma “faísca” imediata —foi algo que levou algumas semanas. “Tudo se resume à regulação emocional e a assumir o que você quer”, afirma.

Nos últimos anos surgiu uma cultura de “pequenos mimos” —pense em martinis, fumar cigarros. Mas isso foi superado por uma tendência mais forte em direção ao controle, e a rotina de bem-estar do momento é a da “5 às 9”, que se refere ao período das 5h às 9h da manhã, no qual a pessoa ingere vários suplementos; se exercita; faz imersão em água gelada; e mais. O influenciador fitness médio garante que entrar em forma não é uma questão de desejo ou mesmo motivação, mas de disciplina.

À medida que a cultura fitness e de bem-estar se intensificou, as pessoas começaram a beber menos —ou a fazê-lo de forma mais “consciente” e com intenção— e a sair com menos frequência. É fácil argumentar que essa mudança de estilo de vida é mais saudável. Mas é mais prazerosa?

“Acho que todos precisamos começar a nos divertir”, escreveu Cristina Vanko, autora do livro “Adult-ish”, em uma postagem de julho no X. Vanko, 36, diz que notou uma ênfase na intenção não apenas em namoros e relacionamentos, mas também em outros elementos da vida social.

“As pessoas parecem adorar um evento temático hoje em dia: ‘estamos aqui, temos uma agenda, vamos segui-la'”, diz ela sobre reuniões em Nova York, que tendem a ser centradas em uma atividade (como corrida) ou um objetivo (como fazer amigos aos 30 anos). “É uma diversão mais organizada versus a diversão que acontece por conta própria.”

A expressão sem dúvida tem o tom da linguagem terapêutica, embora os próprios terapeutas não tenham certeza de onde veio —sugerindo uma espécie de efeito em que os pacientes pegam termos das mídias sociais e os levam para os consultórios de seus terapeutas.

A psicóloga Yuxin Sun diz que ela e seus pacientes falam sobre agir com intenção, mas não conseguiu se lembrar de nenhum artigo de pesquisa ou teoria sobre o assunto. “Acho que pode ter vindo de um público que está cansado do que está acontecendo e cansado de ser empurrado por forças externas”, diz Sun.

Quase nada está imune à lógica da intencão, mesmo fazer compras em uma loja de luxo ou passar uma hora no Instagram. Para fazer este último com intenção —e evitar o inverso—, basta estabelecer um limite de tempo e um propósito.

“Eu entendo por que as pessoas querem essa sensação de segurança e controle”, diz Sun. “Também diria que, como seres humanos, não temos a capacidade de estabelecer intenções tão boas, de tomar decisões tão boas que sejamos imunes a desilusão, dor, doença e todas as dificuldades da vida.”



Fonte ==> Folha SP

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