Livro inverte viagem no tempo e traz o passado ao presente – 13/06/2025 – Ilustrada

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As narrativas sobre viagens no tempo, que nos últimos anos têm dominado livrarias e serviços de streaming com seus labirintos temporais e paradoxos sobre o passado, parecem ter alcançado um ponto de saturação.

No entanto, o romance “O Ministério do Tempo”, da autora britânica Kaliane Bradley, sugere uma reviravolta promissora. E se, em vez de personagens do presente viajando para outros tempos, figuras do passado fossem trazidas para viver entre nós, adaptando-se à vida contemporânea?

O romance acompanha os chamados “expatriados”, pessoas que viveram em diferentes momentos históricos e foram resgatadas para o presente da narrativa —alguns anos em nosso futuro— quando estavam prestes a morrer em decorrência de guerras, epidemias ou catástrofes naturais.

Esse experimento é conduzido por um órgão da burocracia estatal, o Ministério do Tempo, cujos propósitos nebulosos só se tornam claros conforme a narrativa avança.

Bradley demonstra habilidade ao explorar em detalhes como esses expatriados temporais lidam com o contexto do nosso futuro próximo —desde o processo de adaptação até o estranhamento e o deslumbramento diante desse novo mundo.

Entre um grupo diversificado de personagens vindos de diferentes épocas, o foco recai especialmente sobre Graham Gore, um oficial da Marinha britânica que participou da trágica expedição ao Ártico nos navios Erebus e Terror no século 19 —um mistério que já foi tema até de uma série de televisão. Gore conta com o apoio de uma “ponte”, funcionária pública encarregada de supervisionar e facilitar a adaptação dos expatriados.

Apesar de apresentar a promessa de uma exploração original do anacronismo e uma renovação do gênero da viagem no tempo, a autora logo abandona as potencialidades de investigação histórica para fazer um longo desvio pelo previsível e enfadonho caso de amor que inevitavelmente ocorre entre Gore e sua ponte.

A autora se apaixona por seu personagem ao mesmo tempo em que a protagonista se torna fascinada pelos modos brutos, porém honrados, do marinheiro britânico.

Mesmo que haja indícios de uma reflexão mais profunda sobre a política e a história, Bradley prefere usar sua prosa veloz e bem construída para criar uma sátira do contemporâneo a partir de tiradas espertas de um ponto de vista do exótico, enquanto tece uma competente, porém já explorada à exaustão, comédia romântica do tipo “incompatíveis se atraem”.

Enquanto a ficção científica tem exemplos magistrais de como lidar com personagens perdidos em um tempo que não é o seu —sendo “Kindred”, de Octavia Butler, seu mais bem acabado exemplo—, o romance de Bradley soa como uma oportunidade perdida.

O que poderia ser um livro potente e inovador sobre a disputa do passado no presente, devido à engenhosidade de sua proposta e seu evidente talento literário, se perde em alusões e pequenas referências.

Em vez de enfrentar com seriedade as questões que emergem, a autora parece ficar satisfeita em apenas sugerir sua existência: o paralelismo óbvio, mas frutífero, entre os refugiados temporais e a crise contemporânea dos imigrantes; as formas de vigilância e tutela de todos aqueles que não são considerados plenamente cidadãos; a persistência formal da política imperial britânica nos dias de hoje.

Só nos capítulos finais do romance vemos um engajamento mais profundo com essas questões, de forma corrida e um pouco atabalhoada. A guinada de comédia romântica para história de espionagem de governo é abrupta, e a introdução mais evidente dos temas políticos do livro se perde em meio a divagações acerca de paradoxos temporais e futuros perdidos.

Se parecia que poderíamos estar diante de um “Kindred” às avessas, estamos muito mais próximos de uma versão século 21 de “Outlander”, o que é uma perda significativa em todos os sentidos.



Fonte ==> Folha SP

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