Por agora, genocídio deixou de ser útil a Netanyahu – 14/01/2025 – Rui Tavares

Por agora, genocídio deixou de ser útil a Netanyahu - 14/01/2025 - Rui Tavares

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O jornal israelense Haaretz perguntava: “O acordo de cessar-fogo em Gaza não mudou em nove meses. Por que Netanyahu o aceita agora?

Bem, acho que todos sabemos o porquê. O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, nunca definiu exatamente o que seria uma vitória para poder manter a sua guerra e, assim, agarrar-se ao poder.

Mas ao não ter definido o que constituiria estrategicamente uma vitória, poderia também terminar a campanha militar quando lhe fosse politicamente conveniente. E esse dia chegou, lá longe, em Washington, ou chegará, no próximo dia 20, quando Donald Trump tomar posse como presidente dos Estados Unidos.

Por isso, Netanyahu abdica de grande parte dos objetivos com os quais bloqueou ao longo de todos esses meses qualquer hipótese de acordo. Não há indicações de que o Hamas virá a ser extinto ou até de que virá a abandonar o poder em Gaza. Israel não manterá indefinidamente o chamado corredor Filadélfia.

Netanyahu nem sequer poderá dizer que não negociou com terroristas: não só negociou, direta ou de forma indireta, como acabará a soltar prisioneiros que considera terroristas em troca de reféns. A contradição é tão clara que os dois líderes extremistas que participam do governo de Netanyahu, Itamar Ben Gvir e Bezalel Smotrich, gritam traição e podem pedir demissão.

A questão não é se as cessões são aceitáveis ou até inevitáveis. A grande questão é: por que apenas agora? Não se poderia ter salvado dezenas de milhares de vidas inocentes, em particular de crianças, aceitando este negócio e parando com a guerra genocida muitos meses atrás?

E a resposta, a única resposta que faz sentido diante desses fatos, é de uma tal imoralidade que é até difícil de contemplar: a matança deixou de cumprir sua função para Netanyahu.

Isso não é uma surpresa. Pelo menos para mim, não é. Quando a guerra começou, eu ainda não escrevia nesta Folha, mas na imprensa portuguesa publiquei uma coluna com o título “Por que está tudo a rebentar ao mesmo tempo em todo o lado?“, na qual respondia que “a presente fase [de instabilidade e guerra] durará no mínimo até as eleições para a Casa Branca”.

No caso de Netanyahu, descrevi a sua posição como um dos elementos do “eixo dos autoritários”, com Orbán e Putin, a quem era útil que Trump ganhasse as eleições. Com a guerra, Biden estava na posição impossível de perder eleitorado quer apoiasse ou não Israel. Agora que Trump vai tomar posse, Netanyahu dá de presente ao amigo uma paz, para que este se possa gabar e recolher os louros. Numa próxima ocasião, voltará à guerra, na consciência de que Gaza está destruída e será mais fácil de anexar no futuro.

Mesmo não sendo uma surpresa, não deixa de ser difícil de engolir. Centenas de milhares de pessoas perderam as casas. Dezenas de milhares perderam a vida. Os reféns apodreceram durante meses em cativeiro. E tudo isto para uma contribuição de campanha paga com vida humana.

Mesmo para quem leva duas décadas escrevendo sobre o terreno ingrato das relações internacionais, é raro escrever, como agora, sob uma mistura emocional de alívio e asco.



Fonte ==> Folha SP

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