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Split payment prevê separação de impostos na hora da compra e pode afetar caixa das empresas.

Nova taxação de dividendos colide com isenção do Simples

A entrada em vigor da Lei nº 15.270/2025, que institui a tributação de dividendos para pessoas físicas com rendimentos acima de R$ 50 mil, gera um choque normativo que trará insegurança jurídica para o setor produtivo. O texto entra em conflito direto com a Lei Complementar 123/2006, que assegura isenção de Imposto de Renda aos valores distribuídos a titulares ou sócios de empresas optantes do Simples Nacional. A nova legislação ordinária não invalidou o benfício fiscal concedido ao Simples. Deste modo, criou um “limbo normativo” que pode levar à judicialização da cobrança de dividendos distribuídos pelo regime simplificado e frustrar as expectativas de arrecadação do governo. A projeção dos especialistas é de que seja gerado um contencioso bilionário entre contribuintes e a Receita Federal para os próximos anos, até que haja uma normalização da jurisprudência. A controvérsia central reside na redação da Lei 15.270. Ela revoga a isenção de dividendos para empresas dos regimes de lucro real e presumido, mas o legislador silenciou quanto ao Simples Nacional. Com isso, coexistem no ordenamento duas normas antagônicas: uma lei ordinária que busca taxar os dividendos acima de R$ 50 mil em até 10% e uma lei complementar que blinda o regime simplificado da cobrança de IR. O impacto econômico da medida é vasto. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o Simples Nacional abrange cerca de 70% das empresas do país, totalizando 20 milhões de optantes em 2025. A falta de clareza nas regras expõe esse contingente ao risco de autuações fiscais e multas pesadas, justamente em um momento em que o mercado busca previsibilidade para o planejamento das empresas e para os investimentos. Hierarquia legislativa pode garantir blindagem do Simples Juristas e tributaristas que defendem a manutenção da isenção de IR aos sócios de empresas enquadradas no Simples apoiam-se no princípio da hierarquia das normas. O argumento preponderante é que uma lei ordinária não pode prevalecer sobre uma lei complementar, que exige quórum qualificado para aprovação. Enquanto a nova taxação de dividendos foi estabelecida por lei ordinária, o tratamento tributário diferenciado às micro e pequenas empresas foi assegurado por lei complementar aprovada há quase duas décadas. Para João Eloi Olenike, presidente-executivo do IBPT, a omissão legislativa oferece argumentos sólidos aos contribuintes. “A Lei 15.270/2025, ao não revogar explicitamente a imunidade do art. 14 da LC 123/2006, abre espaço para invocar a isenção de IR sobre dividendos do Simples Nacional”, afirma.  Segundo o artigo 14, da LC 123/2006, “consideram-se isentos do Imposto de Renda, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, os valores efetivamente pagos ou distribuídos ao titular ou sócio da microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, salvo os que corresponderem a pró-labore, aluguéis ou serviços prestados”. Olenike destaca que essa discrepância deve gerar uma judicialização significativa, estimando chances de vitória entre 60% e 70% para os contribuintes, amparados em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No mesmo sentido, a advogada Cristina Camara, sócia do escritório Siqueira Castro Advogados, reforça que a proteção constitucional ao Simples não pode ser derrubada por via ordinária. Segundo a especialista, o artigo 14 da LC 123 é categórico ao assegurar a não incidência do Imposto de Renda. “Uma lei ordinária não tem força normativa para revogar ou limitar benefício garantido em lei complementar. A Constituição reserva às leis complementares a disciplina do tratamento diferenciado das micro e pequenas empresas”, explica Camara, classificando a tentativa de tributação como estruturalmente problemática. Constituição prevê tratamento favorecido a pequenas empresas  Arthur Pitman, professor de gestão tributária na Fipecafi, ressalta que o tratamento favorecido é matéria reservada a lei complementar, conforme o artigo 146 da Constituição.  “Se considerarmos que o artigo 14 da LC 123/2006 integra o conjunto de normas destinadas a assegurar o tratamento jurídico diferenciado, o dispositivo [art. 14 da LC 123] não poderia ser revogado, total ou parcialmente, por lei ordinária posterior”, analisa o professor, embora alerte que a defesa desse entendimento é complexa. Raphael Assef Lavez, professor de Direito Tributário da Faculdade Eseg, observa que a própria Constituição determina tratamento favorecido a micro e pequenas empresas. “Ou seja, esse benefício não é apenas legal, mas constitucionalmente protegido”, diz. “Uma lei ordinária não pode modificar uma matéria que está resguardada por lei complementar e pela própria Constituição.” VEJA TAMBÉM: Corrida contra o relógio: empresas aceleram distribuição de lucros para evitar taxação Novo sistema de arrecadação antecipa receita do governo e aperta caixa das empresas Tributarista afirma que nova lei altera foco da tributação Em contrapartida, há uma vertente jurídica que alerta para o risco iminente de derrota dos contribuintes, baseando-se na premissa de que a nova lei altera o foco da tributação: da empresa para o indivíduo. Sob essa ótica, a Lei 15.270 não estaria revogando a isenção de cobrança de IR para o regime do Simples, mas sim instituindo uma nova obrigação sobre a pessoa física, baseada em sua capacidade contributiva e faixas de renda. Marcelo Costa Censoni Filho, especialista em Direito Tributário e CEO do Censoni Tecnologia Fiscal, adota uma postura cética quanto à blindagem do Simples. Para ele, a distinção entre a pessoa jurídica e a física é o ponto central.  “A Lei 15.270/2025 tem natureza de lei ordinária e tributa a pessoa física que recebe os dividendos, não a pessoa jurídica que os distribui”, argumenta. Censoni alerta que a jurisprudência do STF tende a permitir que leis ordinárias posteriores, disciplinando especificamente o Imposto de Renda, se sobreponham a normas gerais anteriores. “Os dividendos provenientes do Simples Nacional deixam de ser isentos na esfera da pessoa física. Eles integram a base de cálculo desses dois novos tributos”, conclui. Na visão de Cristina Camara, a tese de que a Lei 15.270 incidiria apenas sobre a pessoa física, independentemente da origem dos dividendos, não merece prosperar, já que o art. 14 da LC 123 trata da situação específica da relação entre o empresário e a empresa, devidamente habilitada no Simples, na qual é sócio.  Receita e Fazenda defenderão novo regime Rafael Lavez explica que tanto a