MERCADO DE AÇÕES

Boulos quer tabelar trabalho por aplicativos

Boulos quer tabelar trabalho por aplicativos

A regulamentação do trabalho dos entregadores por aplicativos – uma das promessas de campanha de Lula em 2022 e prioridade do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-AL) – se transformou num imbróglio que opõe trabalhadores e empresas e ainda divide o próprio governo, que não consegue unificar sua posição. A discussão, que se arrasta desde 2023, tenta definir um modelo jurídico seguro para uma categoria em expansão que permanece num limbo regulatório. Há várias convergências entre representantes de plataformas, restaurantes e trabalhadores, sobretudo em relação a direitos previdenciários, sociais e condições de trabalho. O ponto de entrave do debate, no entanto, é a remuneração — especificamente a possibilidade de tabelamento da taxa de entrega pelas plataformas. Um projeto apresentado pelo então deputado e hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Guilherme Boulos (PSOL-SP), que fixa em R$ 10 o valor mínimo acrescido de R$ 2,50 por quilômetro rodado, pode ser incorporado ao relatório que o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) deve apresentar nesta segunda-feira (8) à comissão especial da Câmara. Criada por Motta em maio deste ano, a comissão consolidou as sugestões colhidas em audiências públicas com trabalhadores, empresas e representantes do setor para serem incorporadas ao projeto de lei (PLP) 152/2025, de autoria do deputado Luiz Gastão (PSD-PE). Os integrantes agora vão avaliar se o relator conseguiu alinhar os interesses em disputa. No fim de novembro, Coutinho almoçou com Boulos no Palácio do Planalto e ouviu do ministro o pedido para incluir trechos de seu projeto no relatório. Enquanto parte dos representantes dos entregadores defende a proposta, plataformas e restaurantes manifestam preocupação. Um estudo elaborado pelo iFood mostra que a taxa sugerida resultaria em um aumento de 22% no preço dos pratos ao consumidor, com redução de 40% no volume de pedidos dos restaurantes. A plataforma cita o exemplo de um hambúrguer de R$ 24, que passaria a custar R$ 30 ao consumidor. O documento também aponta que a nova taxa poderia levar a uma queda de até 77% na renda dos entregadores. Para Fernando de Paula, vice-presidente da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), que tem 60% dos filiados como usuários de plataformas de entrega, a proposta de Boulos é inviável. “Se você fixa um valor mínimo e eleva o custo por entrega, como está sendo proposto, o efeito é direto: aumenta o custo da entrega e isso não pode ser repassado ao consumidor, que em mais de 65% dos casos faz pedidos abaixo de R$ 60”, afirma. “O resultado é perverso para os restaurantes e, ao mesmo tempo, faz o entregador ganhar menos, porque ele deixa de fazer múltiplas entregas por saída e passa a fazer uma de cada vez.” Entregadores por aplicativos apostam no enfrentamento Esses argumentos, porém, encontram resistência entre representantes dos entregadores. Nicolas Souza Santos, da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo (Anea) – uma das maiores e mais atuantes associações, não acredita na queda da demanda. “As empresas lucram na taxa do restaurante, na taxa do cliente, na taxa do entregador”, diz. “Então por que necessariamente elas teriam que repassar tudo ao consumidor? Na verdade, elas querem seguir lucrando e batendo recorde para sempre.” Na mesma linha de crítica às plataformas, argumenta que não cabe aos motoqueiros a discussão do preço ao consumidor. “A gente não está interessado em quanto o cliente paga, isso é problema do iFood”, afirma. “Nós temos é o direito de dizer quanto vale o nosso serviço. Qualquer categoria faz isso. Quem o iFood pensa que é pra determinar o preço do nosso serviço? Além disso, existe um custo para você receber sua pizza de pijama enquanto eu estou tomando chuva. Eu querer cobrar pelo meu desconforto em troca do seu conforto é normal. E não pode ser R$ 7,50.” Sobre a inviabilidade do negócio e as consequências para a categoria, Nicolas aposta no enfrentamento. “A empresa que defenda o lado dela”, diz. “Eu defendo o meu. Não estou nem aí pra empresa. A demanda existe com ou sem iFood. A empresa está ali de alegre. Além disso, se a demanda cair 30% e meu ganho subir mais do que isso, eu vou ganhar mais trabalhando menos. É um sonho. Para mim está ótimo.” VEJA TAMBÉM: CNH sem autoescola contraria Gleisi Hoffmann e expõe falta de sintonia no governo iFood vai investir R$ 17 bilhões para enfrentar concorrência chinesa Projeto de Boulos sobre aplicativos terá vida própria Mesmo que o tabelamento não seja incorporado no relatório de Coutinho, a tramitação do projeto de Boulos deve ocorrer paralelamente e acirrar o debate sobre a remuneração. “Por mais que ele [Boulos] tenha dito que Coutinho poderá incorporar o projeto do Breque [referência ao movimento ‘Breque dos Apps’, que defende paralisação nacional dos entregadores de aplicativos], a verdade é que a gente não tem confiança nessa saída”, diz Nicolas. “A gente fica desconfiado pela forma como o projeto começou. Seria uma mudança muito drástica, e não dá para confiar.” Na quinta-feira (5), Boulos anunciou a criação de um novo grupo de trabalho sobre aplicativos com participação de ministérios, Tribunais do Trabalho, Ministério Público e centrais sindicais. A iniciativa foi interpretada como uma tentativa de alinhar posições internas no governo e influenciar a tramitação do projeto no Congresso. O governo Lula pretende aprovar a regulamentação até março e assim ter mais uma benesse para apresentar na campanha eleitoral. “É preciso remunerar, decentemente, esses trabalhadores que muitas vezes levam comida para a nossa casa, para a casa de todo mundo, com fome, porque não têm um ponto de parada para almoçar, porque o salário não é suficiente para que comam nos restaurantes dos quais eles transportam as comidas para a casa de cada um. Então, é preciso ter uma consciência humana”, disse Boulos. Nem Marinho e Boulos se entendem sobre regulamentação de aplicativos O sucesso da empreitada não está garantido. A relação do Planalto com o Congresso permance uma incógnita, apesar de algum distensionamento com a garantia de liberação de emendas impositivas até junho, aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na semana passada.