MERCADO DE AÇÕES

Justiça especializada em ações relativas à reforma tributária tende a agilizar decisões. Mas será um peso a mais para o contribuinte.

Lula dá calote e contrata dívida bilionária para próximo governo

A transição para a reforma tributária mal começou e o governo Lula já tropeçou no primeiro passo: deu um calote em empresas, estados e municípios ao não incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 o aporte de R$ 8 bilhões previsto para o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF). Para viabilizar a aprovação da Emenda Constitucional 132, que instituiu a reforma, a União assumiu o compromisso de fazer repasses escalonados ao FCBF, visando ressarcir a redução dos incentivos de ICMS ainda vigentes para diversos setores e entes da federação. O acordo estabeleceu que os benefícios fiscais concedidos até 31 de maio de 2023 seriam compensados durante o período de transição da reforma, entre 2025 e 2032, já que não poderiam ser mantidos no novo modelo tributário. O FCBF deve receber R$ 160 bilhões em aportes do Tesouro no período. A medida antecede a entrada em vigor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS a partir de 2033. Após o aporte deste ano, o cronograma prevê valores crescentes até 2029 e decrescentes entre 2030 e 2032. O valor reservado no Orçamento de 2025 foi simbólico, de apenas R$ 80,87 milhões, ou 1% do total previsto, e sua inclusão depende da aprovação de um projeto de crédito suplementar enviado pelo governo ao Congresso. O pedido de R$ 8,3 bilhões — corrigidos pelo IPCA — foi aprovado pela Comissão Mista de Orçamento em 9 de setembro, mas não há previsão de votação no plenário. O governo argumenta que, por se tratar de um fundo contábil com repasses que só começam efetivamente em 2029, a alocação em 2025 não afetaria a meta fiscal. VEJA TAMBÉM: Supertribunal da reforma tributária deve agilizar decisões – e encarecer a Justiça Novo sistema de arrecadação antecipa receita do governo e aperta caixa das empresas A sinalização, porém, é considerada “péssima”. “A reforma tributária já começa mal, com a contrapartida do governo deixando de ser cumprida logo de saída”, diz Paolo Stelati, especialista em Direito Tributário e sócio da Bornhausen & Zimmer Advogados. Para ele, o “calote”, embora melhore os números do Orçamento no curto prazo, cria um passivo para o próximo governo, já que os aportes não realizados terão de ser compensados no exercício seguinte. “Está se criando uma dívida para o próximo governo”, afirma. “É uma armadilha que o governo Lula está armando e que pode estourar no colo dele, caso seja reeleito. Mal comparando, como o que sucedeu com Dilma Rousseff (PT), quase uma pedalada fiscal.” Tatiana Migiyama, especialista em gestão tributária da Fipecafi/Ipecafi, avalia que a dificuldade de regularizar as obrigações constitucionais em 2026, ano eleitoral, será ainda maior, e que o efeito será de uma “bola de neve”, recaindo inevitavelmente sobre quem vencer as urnas. “Se o governo continuar empurrando os aportes no próximo ano, deixará um passivo a partir de 2027, além dos R$ 112 bilhões já contratados para os próximos quatro anos”, diz. Para Renato Nunes, advogado e professor da FGV-SP, a dinâmica é a mesma dos precatórios, que passam de ano a ano. “O governo que não paga passa a ‘batata quente’ para o outro”, afirma. “É o que está sendo feito.” Calote abre espaço para judicialização O impacto para os contribuintes não é imediato. “Por enquanto não tem efeito prático, porque o repasse ainda não está sendo feito, diz Nunes. “Isso começa a acontecer efetivamente a partir de 2029.” Mas, segundo Migiyama, os efeitos já aparecem: “A confiança está abalada e a segurança jurídica, comprometida”. O ponto central, afirma, é o descumprimento da Constituição. “Um compromisso constitucional não foi cumprido, o que abala totalmente a confiança e, estimula a judicialização e, no limite, também enfraquece a transição para o IBS”, destaca. “Para que o novo imposto — que substituirá ICMS e ISS — entre em vigor, será necessário quitar até 2033 o fundo de compensação prometido às empresas, em respeito aos Estados que concederam os incentivos fiscais.” Para o setor privado, o fundo era essencial para “dar previsibilidade às companhias”, influenciando decisões de investimento, expansão e contratação. Nunes observa que as empresas, por serem “muito fragmentadas”, têm “um poder muito pequeno” de contestação. A saída pode ser recorrer à Justiça por meio de federações setoriais. Já os estados, que também devem reclamar, terão mais respaldo institucional. “Aí pode ser um problema, que vai sobrar para o STF”, diz. Conta pode sobrar para contribuinte O caso remete, segundo ele, à disputa gerada pela Lei Kandir. “Na época, também não houve essa contrapartida do governo federal. Isso foi resolvido no Judiciário décadas depois.” A lei, aprovada em 1996, desonerou do ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, mas retirou receita dos estados; as compensações da União foram irregulares, levando a um litígio bilionário encerrado apenas em 2020 com um acordo homologado pelo STF. Ainda assim, governadores alegam que o valor ficou muito aquém das perdas reais. Para Stelati, o “calote inicial” do governo prenuncia aumento da carga tributária. Se as contas públicas não comportarem o débito criado agora, diz, “eles vão ter que achar um jeito de fazer essa recomposição”, possivelmente elevando alíquotas ou criando novas contribuições. O tributarista lembra que medidas anunciadas como provisórias tendem a permanecer. Ele cita o PIS/Cofins — que “surgiu no início dos anos 1990 com o discurso de recompor a Previdência” e acabou se ampliando até representar mais de 20% da arrecadação federal — e o adicional de 10% do FGTS nas demissões sem justa causa, que “foi criado porque o governo federal não corrigiu adequadamente a Previdência Social” e só foi extinto em 2019. Nunes avalia que o impacto acabará recaindo sobre a sociedade. “Ou o governo se endivida, ou corta despesa para sobrar dinheiro e honrar, ou arranca mais da população”, afirma. “Ou ainda pode imprimir moeda e gerar inflação. O dinheiro não brota, mesmo que eles imprimam — não brota.” Transição da reforma pode estar comprometida Para o economista Alexandre Manoel, do FGV Ibre e sócio da Global Intelligence and Analytics, o ressarcimento dos créditos