MERCADO DE AÇÕES

Crise do Master pode fazer com que bancos repassem custos para clientes de forma indireta

Há 20 anos, Avestruz Master arruinou economia de 40 mil pessoas

Duas décadas antes de o Banco Master ter suas operações liquidadas, outra empresa que oferecia a investidores títulos com rendimentos acima do mercado se revelava também um esquema fraudulento baseado em garantias sem lastro em ativos reais. O negócio compartilhava ainda parte do nome com a instituição financeira recém-falida. A área de atuação, porém, era completamente diversa, além de um tanto exótica: a criação de avestruzes. Fundada em 1998 em Goiânia, a Avestruz Master não tinha qualquer relação com o empresário Daniel Vorcaro, detido no início deste mês. Mas, assim como o banco, frustrou a confiança de milhares de investidores e terminou com seus sócios presos. O caso, considerado o maior crime financeiro da história goiana, foi esmiuçado recentemente em um podcast com cinco episódios produzido pela Rádio Novelo. Tratava-se de um negócio familiar, criado pelo empresário Jerson Maciel da Silva, um exímio vendedor com histórico de acusações de estelionato e grilagem de terras em um empreendimento imobiliário em Ilhabela (SP). Participavam da empresa ainda seus filhos Elisabete, Patrícia e Jerson Júnior. Na época, um pânico global provocado pelo surto do “mal da vaca louca” (ou encefalopatia espongiforme bovina) gerava no mercado uma busca por proteínas animais alternativas, o que impulsionou a estrutiocultura (criação de avestruzes) no Brasil, introduzida no início da década de 1990 pela epidemiologista Laura Luchini. Originária do Norte da África, a ave era considerada uma espécie única por render múltiplos usos: couro de luxo, o segundo mais caro do mundo; plumas frondosas, muito utilizadas em figurinos carnavalescos; e uma carne magra, chamada de “filé mignon de baixo colesterol”. A ideia de criar avestruzes foi de Elisabete, uma amante de animais que já havia trabalhado com doma racional de cavalos e teve seu primeiro contato com as aves africanas em uma chocadeira no interior de São Paulo. A Avestruz Master começou modestamente com aves emprestadas e uma área arrendada em Senador Canedo (GO). Logo, Maciel e Elisabete estabeleceram um modelo de hotelaria, no qual cuidavam de animais de outros investidores. Com a habilidade fora do comum de Jerson para o marketing, a empresa cresceu exponencialmente e tornou-se em cerca de cinco anos o maior criatório de avestruzes das Américas, com pelo menos dez fazendas em Bela Vista de Goiás (GO), milhares de empregados e mais de 40 mil investidores. VEJA TAMBÉM: Socorro a investidores do Master deve cobrar preço de clientes de todos os bancos Promessa de altos rendimentos e ostentação atraíram investidores O modelo de negócios que atraiu tanta gente envolvia a compra de um casal de avestruzes por meio de Certificados de Produto Rural (CPRs). A propriedade dos animais ficava com o investidor, mas os animais eram cuidados pela empresa. Ao fim do contrato, a Avestruz Master garantia a recompra com uma valorização que chegava a 10% ao mês, uma rentabilidade que superava qualquer investimento na época. Uma das campanhas que se tornou famosa na época foi a do “Projeto 33”, que consistia em aportes em 33 parcelas com a promessa de que o capital seria duplicado ao fim de 33 meses. Em princípio, os ativos pareciam tangíveis, uma vez que os animais estavam nas fazendas para serem vistos por quem assim quisesse. A ostentação dos sócios também dava ares de credibilidade do negócio. Jerson Júnior possuía duas Ferrari, uma amarela e uma vermelha, e uma BMW X5, enquanto o pai tinha “só uma Mercedes”, segundo relatou um funcionário da Master. As fazendas contavam com torres e rádios de comunicação e os filhotes eram alimentados com iogurte Danone por meio de seringas. Maciel chegou a levar avestruzes ao Programa do Jô para exibi-los em rede nacional. A imagem que a família passava era de que o negócio era realmente promissor. A realidade por trás da fachada era bem diferente. A gestão do negócio, segundo funcionários, era caótica. Os gestores não tinham formação adequada, e investimentos eram anotados em “risque e rabisque”, “contratos de gaveta” e “papelzinho de pão”. Pirâmide de avestruz: lastro do investimento era em aves que não existiam No fim de 2003, o então superintendente do Procon de Goiás, Antônio Carlos de Lima, começou a receber denúncias sobre a empresa que relatavam a possibilidade de um golpe financeiro. Em visita a uma das fazendas, com auxílio da Cavalaria da Polícia Militar (PM) para evitar o comportamento reativo dos avestruzes, ele constatou que havia no local 4.371 aves, embora a empresa informasse possuir um plantel de 5,8 mil indivíduos. “Falei: ‘Ótimo, então está emitindo título sem lastro’. É tudo o que o Procon precisa”, narrou ele ao podcast Avestruz Master. Lima chegou a preparar uma decisão administrativa determinando o fechamento da Avestruz Master, baseado no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor. “Para minha surpresa, antes do anúncio, fui procurado por um oficial de Justiça que me entregou uma decisão judicial, a qual dizia que o Procon/GO não tinha atribuição para solicitar a relação dos investidores e nem os balanços patrimoniais da empresa e que os procedimentos produzidos no processo administrativo, deveriam ser encaminhados ao Ministério Público”, conta, em artigo publicado no site Conjur em 2023. “Posteriormente, o MPF realizou um termo de ajustamento de conduta [TAC] com a Avestruz Master, que continuou seu negócio, mesmo diante das irregularidades apontadas, as quais prometeu saná-las adiante.” Em 2004, o jornalista Antonio Lisboa, do semanal O Sucesso, de Goiânia, publicou a primeira matéria a questionar a viabilidade do negócio. Em uma visita à sede da empresa para uma segunda reportagem, ele foi expulso do local. O silêncio de outros veículos de imprensa goianos sobre a possibilidade de o negócio ser uma fraude era atribuído aos montantes vultosos desembolsados pela Avestruz Master em contratos publicitários. Até a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) chegou a intervir após as denúncias ao Procon. A entidade entendia que, apesar de a empresa não se tratar de um banco ou corretora, estava vendendo contratos com promessa de rentabilidade, o que os caracterizava como instrumentos financeiros. A Master se comprometeu a se adequar, passando a adotar o modelo de CPR, que,