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Recuperação judicial e falências podem ter novo recorde em 2026

Recuperação judicial e falências podem ter novo recorde em 2026

O setor produtivo brasileiro deve enfrentar novos recordes de recuperação judicial e falência em 2026, mesmo com a expectativa de queda da taxa Selic. A combinação de juros reais ainda elevados, retração do crédito bancário e incerteza eleitoral cria um cenário de crise de liquidez para as empresas. A Selic deve encerrar 2026 em 12,25%, segundo o último boletim Focus do Banco Central, mas o alívio será insuficiente para reverter o aperto financeiro. “Teremos novos recordes de inadimplência corporativa; recuperações judiciais e falências devido à taxa de juros restritiva”, diz Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria. O cerco financeiro que sufoca as empresas Juros altos corroem o caixa e dificultam saída da recuperação judicial O primeiro fator de pressão é o custo do dinheiro. Com a Selic em 15% ao ano, a mais alta em 19 anos, há uma maior pressão sobre o caixa das empresas. A taxa média de juros com recursos livres cobrada das empresas estava em 1,9% ao mês em outubro. No mesmo mês do ano passado, era de 1,62%, de acordo com o Banco Central. “Isso corrói o caixa e dificulta o alongamento de dívida”, afirma Roberta Gonzaga, consultora da RGF Associados especializada em recuperação judicial e reestruturação de empresas. Segundo a consultora, não há perspectiva de alívio monetário substancial a curto prazo. A expectativa de redução da Selic para um dígito é remota: só a partir de 2028, de acordo com as expectativas do mercado financeiro levantadas no boletim Focus. É uma situação que deve acelerar os pedidos de recuperação judicial antes de qualquer mudança na política monetária. Patrícia Krause, economista para a América Latina da Coface, seguradora de crédito global, compartilha a avaliação. “Isso também afeta a capacidade de investimento e de pagamento das empresas e dos consumidores”, afirma. Na prática, recursos que deveriam ir para a produção são consumidos pelo serviço da dívida. “Recuperação judicial está diretamente correlacionada a juros maiores. Se o juro sobe, sobe a recuperação judicial. E o número só cai efetivamente quando a taxa fica abaixo de dois dígitos”, afirma Fábio Astrauskas, CEO da Siegen Consultoria. Crédito bancário seca e eleições travam decisões Ao custo elevado do dinheiro, soma-se outro problema: a escassez de crédito. O sistema bancário mantém postura defensiva após o “choque Americanas” — quando a varejista revelou inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões em janeiro de 2023 —, enquanto a proximidade das eleições presidenciais trava decisões de crédito. O resultado é uma onda crescente de insolvências que ameaça transformar processos de recuperação judicial em falências definitivas. Bancos e fundos de investimento seguem com cautela extrema. O prazo médio das concessões de crédito com recursos livres para empresas era de 25,2 dias em outubro, segundo o BC. É o pior resultado para esse mês desde 2020, durante a pandemia da Covid-19. Segundo a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), a desaceleração nas concessões só não é maior porque seguem sustentadas por programas governamentais para as empresas e linhas voltadas ao consumo para as famílias – embora neste caso, com uma piora da qualidade da carteira, com maior participação de linhas rotativas. A exigência de garantias tornou-se uma barreira intransponível para quem já está em crise. Com juros elevados, as instituições financeiras endurecem as condições de negociação, dificultando acordos para redução de dívidas. Empresas que buscaram sobreviver à pandemia e às crises subsequentes rolando dívidas chegam a 2026 sem reservas patrimoniais. “Muitas delas não têm mais ativos para dar garantia para dinheiro novo”, alerta Gonzaga, da RGF. A situação se agrava com os atrasos nos recebimentos. Pesquisa da Coface aponta que 77% das empresas na América Latina enfrentam atrasos nos pagamentos, com prazo médio de 42 dias. Para negócios que operam com caixa enxuto, essa defasagem é fatal. O relatório do Monitor RGF do 3.º trimestre de 2025 ilustra essa retração: o crédito seletivo continua sendo a tônica, com bancos cobrando taxas mais elevadas e oferecendo prazos mais curtos. Não há distinção setorial. A postura restritiva das instituições financeiras atinge desde a indústria até o varejo, criando um ambiente onde o refinanciamento é praticamente inviável para quem não apresenta balanços sólidos. A retração do crédito tem ainda outro agravante: a incerteza política. O ano de 2026 é eleitoral, e o mercado financeiro, avesso a surpresas, precifica a incerteza antecipadamente. “Independentemente do resultado das eleições, os meses prévios trazem um cenário de insegurança para as instituições financeiras”, explica a consultora da RGF. Segundo ela, essa postura defensiva fica mais forte porque ninguém sabe como a economia se comportará após a eleição. Essa volatilidade paralisa tomadas de decisão e endurece as mesas de negociação. Bancos preferem reter caixa a arriscar empréstimos em um ambiente de polarização e dúvidas sobre a condução da política fiscal. “Esse cenário até as eleições vai ser um teste de resistência para as empresas”, completa a consultora. A Coface também aponta o risco político como fator central para 2026. O aumento da polarização e possíveis mudanças de governo geram instabilidade que impacta diretamente investimentos e políticas fiscais. Empresas que dependem de previsibilidade para gerir fluxos de caixa longos são prejudicadas por um calendário eleitoral que historicamente trava a economia. O impacto desse cenário adverso, porém, não é uniforme entre os setores. Setores em colapso: do agro às pequenas empresas Agronegócio lidera casos de recuperação judicial Esse conjunto de fatores — juros altos, crédito escasso e incerteza política — atinge todos os setores, mas nenhum ilustra melhor a mudança na economia brasileira do que o agronegócio. Antes considerado a âncora do PIB, respondendo por quase 30% segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea-USP), as atividades ligadas direta ou indiretamente ao campo lideram hoje os índices de insolvência. No terceiro trimestre, 12,6 em cada mil empresas ligadas à agropecuária ou produtores rurais estavam em recuperação judicial. O número é quase o dobro da indústria (6,49 em cada mil) e seis vezes acima da média nacional (2,04 em cada mil), segundo o Monitor RGF. A percepção de solidez

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