Como não se sentir angustiada com o dia dos namorados? – 11/06/2025 – Amor Crônico

Como não se sentir angustiada com o dia dos namorados? - 11/06/2025 - Amor Crônico

O senso comum te daria inúmeros argumentos e ferramentas para fugir do vazio, da angústia e do medo de nunca viver um amor. Te convido a fazer o movimento oposto: permita-se sentir a falta. Deixe a dor doer. Dê espaço para a angústia. Mas cuide desses sentimentos com a seriedade que eles merecem, para que esse cuidado possa se transformar em elaboração e te ajude a questionar: que falta é essa que me angustia e que eu estou localizando num parceiro amoroso? Por que tenho sentido minha vida esvaziada? O que faço com o silêncio, com o espaço e com as emoções que surgem na ausência desse alguém que desejo? Quero te convidar a cuidar dessas emoções e cuidar também do seu desejo, sem precisar negá-lo para não parecer carente ou rejeitado, e sem precisar fazer deboche deles.

Faço esse convite para que você se dê de presente um encontro com a própria dor neste Dia dos Namorados pois, estudando como nós brasileiros falamos sobre o amor e nossos relacionamentos, me surpreendi com o quanto rimos da própria dor para tentar anestesiá-la. Em parceria com a Camila Holpert, psicanalista e pesquisadora de comportamento, utilizamos uma metodologia recém-lançada para mapear como o brasileiro tem falado sobre amor nas redes sociais, a Cosmo, desenvolvida em parceria com Rafael Kenski. Levantamos mais de 1 milhão de articulações sobre relações, namoro, casamento, relacionamentos, amor e, mais do que apenas o conteúdo do que é dito, conseguimos analisar como estamos falando sobre esse amor. Pra nosso espanto 1 a cada 3 brasileiros fala de suas dores de amor usando o deboche, a ironia e a piada como tom. Esse mesmo tom aparece em 70% das vezes que a gente fala de nossas inseguranças e em 80% das vezes em que falamos de nosso medo de amar e nos machucarmos.

Já que a sofrência tem audiência em nosso país e os superlativos supostamente dão o tom ao amor (principalmente nessas datas comemorativas), muitos solteiros criam seus próprios personagens para performar os dramas relacionais. São as eternas vítimas desiludidas, os reféns do dedo podre ou os acumuladores de rejeições e percalços amorosos. A pergunta que ecoa é sempre “qual é o problema comigo?”, mas a insegurança e a sensação de insuficiência ganham ares de stand-up e, assim, tenta-se ocultar a angústia, o incômodo e a frustração. Ou, pelo menos, se vincular através dela com outros corações sofredores. Sozinhos sim, sem plateia, jamais.

Rir da própria desgraça seria também uma tentativa de se aliar com os possíveis olhares julgadores que você projeta em seus amigos casados, em seu ex-namorado que já está com outra, na sua mãe que vive perguntando se você não conheceu ninguém novo… Antes que eles ridicularizem sua vida amorosa, você se antecipa. Que riam “com você”e não “de você”. “Kkkkkrying” ou “Chorindo” dizemos nas redes. Mas e sua dor, sua angústia, seu vazio… vão pra onde?

Na psicanálise, entendemos esse suposto alívio cômico não como alívio mas como formação reativa: um movimento que ocorre quando emoções ou impulsos considerados inaceitáveis ou dolorosos demais são reprimidos e substituídos por comportamentos e pensamentos opostos, geralmente de forma exagerada. A dor vira meme, a carência ganha tons de melodrama até se tornar deboche, a dor da rejeição vira piada autodepreciativa. Tudo pra não tocar na ansiedade que o sentimento verdadeiro causaria se viesse à tona.

Mas a ansiedade está lá. Está aqui, no país mais ansioso do mundo segundo a OMS, está na pergunta da leitora, está nas dores que não tem espaço para serem vividas com a seriedade e o peso que merecem. Em tempos que valorizam a leveza, tememos afundar em nossas próprias mágoas e afastar os outros com o peso de nossos pesares. Mas enquanto não nos autorizamos a falar da dor de maneiras mais profundas será utópico desejar um mundo com relações significativas.

Publicamente estamos discutindo os limites do humor na arena pública e na atuação dos comediantes. Gostaria que aproveitássemos o incômodo da pergunta da leitora e a surpresa dos dados da pesquisa para que discutíssemos também os limites do humor em relação à nossa própria dor. Em tempos onde reclamamos da falta de responsabilidade afetiva alheia, talvez seja preciso rever o quanto o deboche não é um convite para o descuido ou uma suposta armadura de pessoa já elaborada e bem resolvida. Precisamos ficar bem resolvidos em estarmos mal-resolvidos juntos.

Neste 12 de junho, troque o hit da sofrência de Marília Mendonça que te diz “Para de insistir, chega de se iludir, O que ‘cê tá passando, eu já passei e eu sobrevivi. Se ele não te quer, supera”. Por menos transformação pessoal ou performance da dor e mais elaboração. “Se o sofrimento realmente ensinasse, o mundo estaria povoado de sábios. A dor não tem nada a ensinar àqueles que não encontram a coragem e a força para ouvi-la.” diria Freud. Que tenhamos força e coragem não só para ouvi-la mas para mudar o tom da conversa.

Elaborar é ter a coragem de sair do palco onde a dor vira piada e a angústia se apresenta em tom de stand-up. É permitir-se pesar sem ter que performar, sem precisar mostrar para ninguém que está tudo sob controle. É dar espaço para que a dor se manifeste em sua profundidade, sem pressa, sem defesas; porque só assim ela pode deixar de ser um fantasma repetido para se tornar um convite à transformação. A uma nova, mais cuidadora, mais profunda e mais possível forma de se relacionar consigo mesma, com o outro e com o amor.

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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