Feira do Livro tem conversa de bar em mesa sobre cinema – 21/06/2025 – Ilustrada

Feira do Livro tem conversa de bar em mesa sobre cinema - 21/06/2025 - Ilustrada

O último evento da programação deste sábado (21) na Feira do Livro, realizado no Palco Petrobras, teve o tom de uma conversa entre amigos em um bar. A mesa reuniu o cineasta e agora escritor Ugo Giorgetti e o cronista Mário Prata —que, em muitos momentos, engataram o papo entre si, escanteando com bom humor até o mediador Paulo Werneck.

O encontro girou em torno das memórias e visões de mundo dos dois autores, com o futebol servindo de pano de fundo, mas jamais de limite.

Giorgetti, que lançou recentemente “Era Uma vez o Futebol” pela Editora Imprimatur, sua estreia na literatura após anos escrevendo crônicas esportivas, refletiu sobre os pontos de contato entre cinema, roteiro e literatura. “Roteiro não é cinema, é literatura”, disse, citando Pasolini. “Um roteirista que não lê boa literatura é um perigo.”

Segundo ele, a ficção tem mais potência reveladora do que a própria história. “Se você quiser fazer alguma coisa mais próxima da realidade, tem que recorrer à ficção. Faz mais sentido ler Balzac do que ler qualquer documento francês do século 19 para entender aquela época”, disse o cineasta.

Ao ser questionado sobre sua metodologia de trabalho, foi direto. “Nunca fiz pesquisa para fazer filmes ou crônicas. Procuro as histórias em mim mesmo.”

Mário Prata, sempre espirituoso, falou sobre sua relação antiga com o futebol. “Sou tarado por futebol desde pequeno, mas só escrevi sobre o assunto em “O Drible da Vaca”, disse. Segundo ele, o livro não é apenas sobre esporte, mas também um retrato da Inglaterra no século 20 — escrito durante a pandemia. “Descobri que naquela época também houve uma pandemia, com registros de pessoas usando máscaras para evitar contaminação”, disse.

Crítico da artificialidade no cinema, Prata celebrou a oralidade conquistada nos roteiros mais recentes. “Finalmente, o cinema brasileiro tem roteiros escritos como as pessoas falam. Os filmes nacionais sempre tiveram problemas de texto. Agora está começando a mudar”. A conversa, regada a ironias, memórias e piadas que passavam do futebol ao ofício da escrita, terminou sob aplausos.

Mais cedo, no auditório Armando Nogueira, a historiadora Mary Del Priore foi a convidada da mesa “Envelhecer no Brasil”, mediada pela jornalista Tatiana Vasconcellos. A conversa partiu do livro “Uma História da Velhice no Brasil”, da editora Vestígio, no qual a autora investiga como a sociedade brasileira construiu, ao longo dos séculos, estigmas em torno da velhice —especialmente da velhice feminina.

“A beleza feminina sempre foi inimiga da Igreja Católica”, afirmou Del Priore, ao refletir sobre a vigilância histórica exercida sobre os corpos das mulheres. Para ela, a sensualidade foi associada ao pecado, ao mesmo tempo em que o envelhecimento feminino também era atacado. “Há toda uma associação entre bruxas, feiura e velhice”, afirmou, apontando como a mulher idosa foi frequentemente retratada como uma figura ameaçadora.

A construção social da juventude, segundo a historiadora, ganhou força no Brasil ao longo do século 20. “Nos anos 20 e 30, passamos a ouvir palavras como ‘jovem’ e ‘mocidade’. Esses termos foram bem empregados na Semana de Arte Moderna em 1922, por exemplo”, disse. A juventude passou a representar não apenas vitalidade, mas também uma ideia de modernidade e progresso, enquanto a velhice passou a ser associada ao declínio.

Del Priore também destacou o modo desigual como homens e mulheres experienciam o envelhecimento. “O marcador definitivo da velhice masculina é a impotência”, afirmou. Já no caso das mulheres, o apagamento social costuma vir antes e de forma mais ampla.

Ela lembra que só muito recentemente o desejo da mulher passou a ser reconhecido no cenário nacional. “O desejo da mulher no Brasil é uma coisa que passa a existir depois dos anos 80, depois da lei do divórcio, da popularização da pílula anticoncepcional e da discussão do orgasmo feminino”, pontuou.

Ao final da conversa, a historiadora chamou atenção para o envelhecimento acelerado da população brasileira. “Somos um país que está ganhando rugas a passos largos”, disse, ressaltando a necessidade urgente de uma mudança de mentalidade que valorize a experiência da velhice, em vez de tratá-la como um tabu social.

Ainda no sábado, o ensaísta e economista Eduardo Giannetti apresentou seu livro “Imortalidades”, lançado pela Companhia das Letras, em conversa mediada pelo jornalista Márvio dos Anjos também no auditório Armando Nogueira. A obra propõe uma reflexão filosófica sobre as diferentes formas com que a humanidade tenta lidar com a finitude —da ciência à espiritualidade, passando pelo desejo de deixar uma marca até as experiências místicas.

Giannetti afirmou ter escrito esse livro por acreditar que questionar a brevidade da vida não seja um hábito exclusivamente seu. “Duvido que exista alguém que nunca tenha se questionado sobre o que acontece depois da morte”, disse.

Na obra, o autor organiza sua análise em quatro vias principais: a tentativa de prolongar a vida biologicamente; as crenças religiosas sobre o pós-vida; o desejo de deixar uma marca para a posteridade e os momentos de êxtase que sugerem um contato com o eterno.

Em tom crítico, comparou o cientificismo dogmático a uma “religião infantilizada”, segundo ele próprio. “A má religião empobrece e a má ciência silencia os mistérios”, afirmou.

Márvio dos Anjos ainda citou o poeta português Jorge de Sena para tratar da dificuldade humana de lidar com a finitude. “De morte natural, ninguém nunca morreu.”

Giannetti encerrou sua fala apresentando um olhar esperançoso sobre a existência. “A vida é uma dádiva independente de qualquer estado futuro”, disse o autor, que também questiona a própria ideia de imortalidade como desejável. “Teríamos que nos aguentar pela eternidade”, concluiu.



Fonte ==> Folha SP

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