Sem força no Congresso Nacional para impedir a derrubada dos vetos presidenciais da Lei das Eólicas Offshore, que no mês passado restituíram medidas que podem representar um peso adicional de mais de R$ 24 bilhões ao ano na conta de luz, o governo federal decidiu reagir na sexta-feira, 11 de julho, com a edição de uma medida provisória (MP) para conter os impactos causados pela volta dos jabutis sobre as tarifas de energia.
A MP 1304/2025, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no final da tarde, impõe um teto de gastos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), estabelece regras para o uso do gás da União, retira jabutis [emendas incluídas que não têm relação direta com o tema principal] incluídos na lei da Eletrobras e busca conter a escalada dos subsídios previstos na Lei das Eólicas Offshore, entre outras medidas.
A iniciativa, porém, pode ser inócua. Entidade do setor vê risco de a MP receber novos jabutis, por meio de emendas de grupos de interesse quando for votada no Congresso Nacional.
Isso porque, na prática, a MP buscou justamente adotar medidas para neutralizar os jabutis do setor elétrico que permeiam recentes legislações aprovadas pelo Legislativo. Entre elas, a criação de um teto para os subsídios das renováveis que têm impacto na conta de luz, por meio da criação de uma trava no custeio da CDE.
A CDE, que banca as políticas públicas no setor elétrico, hoje é paga por todos os consumidores de energia elétrica do Brasil. Os reajustes da CDE funcionam como um dos principais componentes que afetam o preço final da energia elétrica no País.
Com a MP, o orçamento da CDE não poderá mais ser elevado a partir de 2026. A conta deste ano da CDE deverá ficar em torno de R$ 49,2 bilhões. Se o valor necessário para cobrir esses incentivos não for suficiente, o excedente será rateado entre os segmentos que hoje usufruem dos incentivos mantidos pela conta – ou seja, justamente os beneficiados pelos jabutis restituídos pela recente derrubada dos vetos presidenciais.
Outros tópicos da MP também foram desenhados para neutralizar jabutis incluídos em legislações recentes do setor elétrico. O primeiro deles, referente à substituição de térmicas por hidrelétricas, revoga a contratação obrigatória de 12,5 GW em térmicas inflexíveis prevista na Lei da Eletrobras e autoriza a contratação de até 4,9 GW em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), com leilões escalonados entre 2026 e 2034.
Outro golpe, desta vez mirando os subsídios de renováveis, foi o fim dos descontos na TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão) e na TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) para consumidores.
A partir de 31 de dezembro de 2025, contratos novos não terão mais direito aos descontos nas tarifas de uso de transmissão e distribuição. Contratos antigos mantêm o benefício, desde que não sejam prorrogados ou transferidos.
Também houve alteração nas regras para autoprodução de energia renovável por equiparação, exigindo demanda mínima de 30 MW, com unidades de pelo menos 3 MW cada.
Por fim, a MP também institui uma nova política para venda de gás natural da União, fortalecendo a atuação da PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.) na comercialização do gás do pré-sal, permitindo negociação direta com agentes como a Petrobras.
O objetivo é vender gás a preços mais competitivos para setores industriais estratégicos (químico, fertilizantes, cerâmico, vidro, siderúrgico).
MP polêmica
A edição de uma nova MP por parte do governo é uma solução polêmica, pois abre um novo foco de tensão entre Executivo e Legislativo.
Em junho, o Congresso Nacional derrubou parte dos vetos dos jabutis incluídos na Lei das Eólicas Offshore. Os jabutis restituídos, a princípio, deveriam gerar impacto de até R$ 164 bilhões para os consumidores até 2050. Mas outros vetos da Lei das Eólicas Offshore ainda devem ser votados.
Entre eles, os que exigem contratação de térmicas a gás natural e carvão mineral, mesmo sem demanda comprovada, o que prevê prorrogação de contratos de térmicas a carvão já desativadas e a contratação compulsória de energia sem justificativa técnica, com volumes e prazos fixos, entre outros itens.
Se esses vetos também forem derrubados, trariam um acréscimo médio de R$ 35,1 bilhões por ano na CDE.
Para Luiz Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) – coalizão que congrega diversas organizações de todos os segmentos de consumo de energia no Brasil, sejam eles residenciais, comerciais e industriais -, a iniciativa do governo não é a melhor solução para resolver os seguidos aumentos na conta da luz.
“Toda vez que o governo edita uma MP para tratar de um assunto específico, acaba gerando problemas adicionais, com mais custos, justamente por causa das emendas que a proposta recebe”, diz ele.
Barata cita como exemplo a MP 1.300/2025, sobre a reforma do setor elétrico, que recebeu 598 emendas depois que foi apresentada e ainda não foi votada. “Essa nova MP corre o mesmo risco, nada impede que novos jabutis sejam incluídos durante a tramitação no Congresso”, afirma Barata.
Por isso, em vez de recorrer a MPs, o governo deveria se preocupar em organizar uma reforma abrangente do setor elétrico. Segundo ele, uma reforma teria de sair de consenso – mesmo que leve mais tempo, evitaria essa brecha dos jabutis.
“Mas essa reforma teria de ser precedida do compromisso de renúncia de recurso ao Judiciário e ao Legislativo, como foi feito em 2001, no acordo que levou ao racionamento de energia”, diz o presidente da FNCE. Na prática, seria a única vacina eficaz contra novos jabutis no setor elétrico.
Fonte ==> NEOFEED