As apostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para responder ao tarifaço de 50% anunciado por Donald Trump para a importação de produtos brasileiros, e que devem entrar em vigor no dia 1° de agosto, podem ser um tiro pela culatra. Recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) é inócuo, já que a organização perdeu relevância internacional, enquanto a Lei de Reciprocidade pode provocar uma retaliação maior dos Estados Unidos, e pressionar ainda mais a inflação no Brasil.
Empresários pedem uma posição cautelosa ao governo e reforçam a necessidade de negociações diplomáticas. A expectativa é de que Executivo use o prazo até o dia 1° para tentar construir uma resposta proporcional para minimizar efeitos aos setores que podem ser afetados, como indústria aeronáutica, petróleo e agronegócio.
Um dos problemas que o governo deve enfrentar na definição das medidas é a possibilidade de que violem a cláusula de nação mais favorecida da OMC, que determina tratamento comercial igualitário entre os membros da organização.
Apelo de Lula à OMC como reação a tarifaço de Trump esbarra em irrelevância da entidade
Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que a OMC perdeu tanta relevância no cenário internacional que quase não se ouve mais falar dela nos últimos anos. O esvaziamento se deve, em parte, à atuação dos Estados Unidos.
Desde o governo de Barack Obama (2009-17) e com maior intensidade na primeira gestão de Trump (2017-21), os EUA se indispuseram com a entidade devido a derrotas comerciais, opondo-se à designação de juízes que atuam na arbitragem das contendas.
Assim, Paz explica que, ao recorrer à OMC, mais do que uma solução prática e efetiva para a questão tarifária, o governo Lula faz um gesto político em defesa do multilateralismo — um discurso já adotado na última cúpula dos Brics, que aconteceu no início do mês no Rio de Janeiro.
“Fazendo isso, o Brasil ganha respeito, é uma vitória moral de certa maneira, especialmente diante de outros parceiros, como a União Europeia (UE), que também é uma entidade multilateral e que valoriza esse tipo de ação”, afirmou. Contudo, de forma prática, ele pontua que acha difícil o Brasil ter algum ganho econômico real.
Decisões da OMC são muito demoradas e dependem de consenso
Outro problema é que uma decisão do órgão pode ser muito demorada. Maria Helena Pinto de Mello, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destaca que o próprio modelo de funcionamento da OMC acaba por conferir morosidade às decisões do órgão, contribuindo de forma decisiva para a perda de protagonismo da Organização.
“O sistema de governança da OMC depende de um consenso entre todos os membros, o que mostra uma boa governança, mas traz uma lentidão para as decisões. E isso faz com que as respostas não sejam adequadas diante da urgência que a realidade dos tempos vem pedindo”, afirmou.
Parceiros comerciais precisam ter mesmo tratamento
Uma reação de Lula ainda pode esbarrar na cláusula de nação mais favorecida da OMC. Segundo Roberta Portella, professora da FGV, é importante que o governo analise a legitimidade da aplicação de contramedidas em razão dos compromissos assumidos junto à entidade. “Ela não permite tratamento desigual aos membros da Organização, mesmo sem solução formal via sistema de solução de controvérsias.”
A professora da PUC-SP afirma que se a lei for aplicada de forma a condicionar concessões comerciais ao comportamento de países específicos e não tiver como base exceções reconhecidas pela OMC, pode haver a interpretação de violação da cláusula.
Os especialistas apontam que tudo dependerá da forma como o governo realmente irá responder às tarifas de Trump, que, por sua vez, também podem ser interpretadas como em descumprimento à cláusula.
Reciprocidade tarifária pode aumentar custo de produção e inflação
Outra solução já considerada por Lula é a reciprocidade tarifária, aplicando aos produtos importados dos EUA a tarifa de 50%. O Brasil importa mais importa do que exporta para os Estados Unidos — nos últimos 15 anos, o saldo comercial foi superavitário para os EUA em US$ 410 bilhões.
Além disso, a maior parte da importação é de bens intermediários, utilizados pela indústria brasileira em sua produção. Por essa razão, o aumento no custo desses bens pode afetar os custos da produção nacional, causando perda de competitividade, pressionando a inflação para cima e provocando possíveis atrasos na queda dos juros.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, até o momento, a maior preocupação tem sido com as exportações. No entanto, caso se adote a reciprocidade tarifária, ele afirma que a indústria nacional não está preparada para lidar com uma alta de 50% no custo de alguns de seus insumos.
Propriedade intelectual pode ser uma moeda de troca nas discussões sobre tarifaço de Trump
Uma possibilidade prevista na Lei de Reciprocidade é a adoção de medidas na área de propriedade intelectual. O Brasil já optou por esse tipo de retaliação quando venceu uma contenda envolvendo a produção de algodão contra os Estados Unidos na OMC.
O Brasil questionou os subsídios oferecidos pelo governo dos EUA aos seus produtores de algodão, afirmando que estavam em desacordo com as normas da Organização. Após a vitória, o Brasil decidiu que suspenderia direitos de propriedade intelectual de empresas americanas, como patentes de medicamentos, direitos autorais de filmes e outros produtos.
Diante da decisão, naquela época, as autoridades americanas aceitaram negociar uma solução que atendesse a ambos os países, e o Brasil conseguiu garantir benefícios para seus produtores.
Governo avalia o que pode fazer contra tarifaço de Trump
Uma das precupações dos empresários brasileiros é saber, diante dos possíveis impactos negativos de uma retaliação aos Estados Unidos e da inoperância da OMC, se haverá vontade do governo em negociar e se as contrapartidas colocadas na mesa serão suficientes para conseguir soluções que beneficiem o país. O presidente americano, entretanto, afirmou que o momento não é de negociações.
Os empresários brasileiros têm se manifestado em favor das negociações, buscando soluções que não penalizem setores da economia, como o agronegócio e a indústria. Da parte da indústria americana, também há sinais de que alguns setores estão buscando alternativas, como cotas e exceções.
A preocupação não se restringe ao Brasil. Segundo Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na FGV e pesquisador da Universidade de Harvard (EUA), representantes da construção civil, manufatura, alimentos e bebidas de estados como Flórida e Texas estão se articulando para minimizar os impactos imediatos que as tarifas terão sobre a economia americana.
Lula manda recado para empresários brasileiros
Lula disse que se reunirá com o empresariado brasileiro na próxima semana para tratar das soluções para as tarifas. No entanto, o presidente não deixou de mandar um recado sobre uma possível pouca tolerância do governo em relação a dissensões.
“Se existe algum empresário que acha que o governo brasileiro tem que ceder e fazer tudo que o presidente do outro país quer, sinceramente, esse cidadão não tem nenhum orgulho de ser brasileiro”, afirmou.
Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br