Na seleção natural dos fundos imobiliários, não há espaço para sardinhas

Na seleção natural dos fundos imobiliários, não há espaço para sardinhas

Trata-se de um movimento voltado à organização interna das casas, com fusões entre fundos da mesma gestora ou aquisições pontuais de veículos concorrentes. É uma etapa de racionalização das estruturas, busca por maior eficiência operacional, liquidez e, em alguns casos, complementação de portfólio com ativos estratégicos.

Atualmente, são 430 FIIs listados na B3 — número que já supera o de empresas com ações negociadas em bolsa. A expectativa, porém, é que esse número encolha nos próximos anos, à medida que o movimento de unificação ganha força.

O NeoFeed conversou com uma série de gestores e analistas para entender essa dinâmica. E a conclusão é quase unânime: sem dinheiro novo entrando no mercado, dificilmente há espaço para os pequenos sobreviverem.

O fundo ganha escala ou vira “sardinha” — como são chamados, no jargão do mercado financeiro, os veículos pequenos demais para competir com os peixes grandes. A solução tem sido unir fundos.

De acordo com levantamento do Clube FII Research, 21 FIIs passaram por algum evento de fusão, aquisição ou mudança de estratégia nos últimos 12 meses. Após as operações, esses fundos saíram de um patrimônio líquido médio de R$ 540 milhões para R$ 1,16 bilhão.

“Gestoras pequenas e fundos pequenos se mostraram inviáveis”, diz Rodrigo Abud, head de real estate do Patria no Brasil. “Se eu tiver R$ 5 milhões em um fundo de R$ 200 milhões, já são 2,5% do patrimônio. Se eu precisar vender amanhã e esse fundo negociar R$ 200 mil por dia, eu derrubo a cota dele.”

Foi visando maior liquidez e eficiência nas operações que o Patria vem unificando seus fundos. Com 28 fundos listados, a gestora agora quer intensificar a agenda de fusões entre os produtos da casa. “Estamos apenas no começo”, afirma Abud. O objetivo é sintetizar tudo em apenas um fundo por estratégia. “Vemos espaço para cair para cerca de 10 fundos.”

Devido a questões de liquidez e custos operacionais, Abud avalia que a linha de corte para um fundo se tornar viável gira em torno de R$ 1 bilhão — valor que tem se tornado consenso na indústria. “Mas esse número é móvel e tende a aumentar conforme essa consolidação avance. Pode passar para R$ 1,5 bilhão.”

Consolidado entre os maiores players de real estate do país, o Patria deve, agora, realizar apenas aquisições “oportunísticas” de fundos, segundo Abud, sem mais a necessidade de trazer novas equipes para dentro da casa. “Vou olhar mais para fundos do que para plataformas. Tenho 50 pessoas aqui. Meu time está montado.”

Embora o movimento de consolidação já esteja em curso, ainda há um mar de oportunidades. Segundo o Clube FII, do total de FIIs listados, apenas 67 têm patrimônio acima de R$ 1 bilhão, enquanto os outros 363 fundos estão abaixo dessa linha de corte.

“Esse é um mercado em que ser pequeno não funciona. Fundos maiores têm melhor diversificação e melhor liquidez no dia a dia. Isso é bom para a gestora, para o produto e para o cotista”, diz Fábio Carvalho, CEO da Alianza.

Para ganhar escala em sua estratégia de crédito, a Alianza fez fusões dentro de casa. O resultado da junção de cinco fundos foi o ALCZ11, que reúne os ativos em um único veículo mais robusto e líquido. O fundo tem R$ 187,7 milhões em patrimônio líquido e passou a concentrar a atuação da gestora nesse segmento.

O outro fundo da casa, o ALZR11, tem R$ 1,32 bilhão em patrimônio, com seu crescimento sendo financiado por novas captações — um evento que tem se tornado cada vez mais raro no mercado.

“Fizemos sete emissões. Se ele tivesse parado na primeira, a história seria completamente outra, em termos de liquidez, de preço de cota, de todo o desempenho dele e, no limite, da própria gestora”, diz Carvalho.

Um dos maiores impeditivos para o crescimento orgânico desses fundos tem sido os juros altos, que reduziram o fluxo de investidores para os FIIs. Muitos cotistas têm vendido suas posições para migrar para alternativas de renda fixa, que oferecem retorno elevado sem a volatilidade típica dos fundos imobiliários.

O resultado são fundos negociados abaixo do valor patrimonial, o que, na prática, inviabiliza novas emissões por parte dos produtos já listados. “Temos uma taxa de juros fora da realidade. Isso tudo provoca uma paradeira no nosso mercado. Na hora em que você não consegue crescer, você começa a olhar para o lado”, diz André Freitas, CEO da Hedge Investments.

Dos 116 fundos imobiliários que compõem o IFIX, o principal índice da categoria, apenas nove estão cotados igualmente ou acima de seu valor patrimonial. A relação média do preço das cotas em relação ao valor patrimonial está em 0,87, segundo o Clube FII.

Sem dinheiro novo no mercado, o fundo que não consegue crescer pode acabar entrando em uma espiral negativa. “Vira uma situação problemática, porque o fundo fica pequeno por ser pouco líquido e é pouco líquido por ser pequeno. O investidor não vê muita perspectiva e vende. Então, a cota cai e o fundo não consegue emitir de novo, mesmo que a gestão seja boa”, afirma Carvalho, da Alianza.

Aí, o jeito é se juntar com outros fundos imobiliários para não só ficar maior, como também ganhar liquidez. Carvalho vê o cenário como favorável a uma eventual incorporação de ativos. “Estamos conversando com uma casa. Somos uma empresa média. Então, nosso foco são os fundos menores.”

Outra gestora que segue atenta a consolidações, tanto fora quanto dentro de casa, é a Rio Bravo, que no início do ano comprou a JPP, gestora com aproximadamente R$ 500 milhões em patrimônio.

“Fundos com mais escala, mais liquidez e mais tamanho têm uma vantagem natural de conseguir fazer melhores negócios e de ter uma representatividade maior na indústria. É uma operação que pode ser ganha-ganha para todo mundo”, diz Alexandre Rodrigues, sócio e gerente de fundos imobiliários da Rio Bravo.

Esse tipo de movimento fez parte da formação do RBVA11, fundo de tijolo da gestora com R$ 1,66 bilhão em ativos. O fundo nasceu em 2012 com foco exclusivo em agências da Caixa. Em 2020, incorporou o fundo de agências do Santander e, desde então, passou a agregar outras verticais, como educação e varejo — o que permitiu uma estratégia mais diversificada, com 86 imóveis e 18 inquilinos diferentes.

A diversificação do portfólio, além do ganho de liquidez, foi um dos pontos-chave para essa mudança de estratégia. “Se você fica muito concentrado em um único inquilino, na hora de renegociar o contrato, o proprietário fica em uma posição muito frágil. Qualquer movimentação de saída impacta 100% dos dividendos.”

A maior flexibilidade de alocação por meio de uma estrutura mais moderna também é um dos fatores por trás da fusão em curso dos fundos da Iridium — IRIM11, com R$ 166 milhões de patrimônio, e IRDM11, com um patrimônio de R$ 3 bilhões.

“O IRIM é o fundo que vai comprar todos os ativos do outro justamente porque o regulamento do IRIM permite investir em ações, empresas listadas, recebíveis imobiliários, debêntures, imóveis ou cotas de SPEs”, explica Yannick Bergamo, gestor da Iridium.

De acordo com ele, se você tem um fundo só, acaba tornando a gestão mais fácil e evita ter que ficar explicando muito qual é a diferença entre os dois fundos.

A busca por tornar o fundo menos restrito a teses específicas tem sido uma tendência na indústria e vem sendo seguida pela RBR Asset. Em busca de maior eficiência dentro de casa, a gestora está unificando a gestão de dois fundos multiestratégia, o RBRX11 e o RBRF11.

“Quando fomos falar com os distribuidores, eles queriam que a gente só pudesse comprar fundo imobiliário dentro dele. Mas insistimos que precisávamos pelo menos poder comprar CRI. Se eu quisesse investir em renda fixa, era um ótimo instrumento. Foi um esforço grande de convencimento e, no final, a gente conseguiu nascer mais flexível”, afirma Bruno Nardo, sócio e gestor da RBR Asset.

Além de investir em outros FIIs e CRIs, o RBRX11 tem a liberdade de mandato para investir também em imóveis físicos e operações de desenvolvimento, buscando diversificação e maior potencial de retorno.

Mesmo com espaço menor para redundâncias, necessidade de maior volume patrimonial e de negociação, ainda há lugar para fundos pequenos, desde que seja uma tese com escalabilidade e demanda. Essa é a avaliação de Abud, do Patria, que vê oportunidades, por exemplo, para um novo fundo de healthcare.

“Ainda está em estudo. Entendemos que faz muito sentido ter um fundo de healthcare, mas precisa estar em uma estrutura que faça sentido para o investidor e para a casa. Pode ser que faça sentido criar do zero”, afirma Abud.

A inspiração, afirma o gestor do Patria, vem do modelo americano, onde os imóveis voltados a hospitais e clínicas de saúde representam cerca de 14% dos REITs — os equivalentes aos FIIs nos Estados Unidos.

“Acreditamos que o mercado brasileiro tem muito a se desenvolver. O mercado de REITs tem uma diversidade de segmentos e especializações muito maior do que aqui. Ainda estamos muito concentrados em logística, lajes e shoppings no Brasil. Faz sentido nos posicionarmos para oferecer uma plataforma mais especializada, com fundos temáticos e focados em determinados setores”, diz Abud.

O mercado de REITs nos Estados Unidos não só tem uma diversificação estratégica muito maior, como também opera em outra escala: são cerca de US$ 2,5 trilhões em ativos sob gestão, contra aproximadamente R$ 250 bilhões dos FIIs brasileiros. Ainda assim, o número de fundos imobiliários listados no Brasil supera o de REITs, com cerca de 430 FIIs contra apenas 225 REITs negociados em bolsa nos EUA.

“Temos mais fundos do que precisaríamos, mas muitos fundos muito pequenos. Mesmo que você vá muito bem na gestão do portfólio, dificilmente o investidor vai conseguir capturar isso na cota por ausência de liquidez”, diz Nardo, da RBR Asset.

Nesse cenário, as poucas emissões que ocorrem têm sido para financiar a compra de ativos e fundos, com cotas servindo como moeda de troca.

“Só que isso causa uma pressão vendedora permanente. Porque o vendedor não quer a cota. Ele quer o dinheiro”, afirma Freitas, da Hedge. Segundo ele, um efeito semelhante foi observado recentemente em um dos fundos da casa, após a incorporação de um shopping em Araraquara por meio de emissão de cotas. “Ele ficou quatro meses vendendo cota.”

Com a expectativa de que os juros comecem a cair, Freitas começa a ver uma luz no fim do túnel, com a possibilidade de a volta dos investidores levar as cotas dos fundos para mais perto do valor patrimonial.

Mas, até lá, ele acredita que a “seleção natural” continuará ditando o mercado. “Os fundos com mais dificuldade vão acabar sendo incorporados ou liquidados. Não haverá mais fundo monoativo. Vão ser incorporados uma hora. O grande vai comer o pequeno.”



Fonte ==> NEOFEED

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *