O Brasil é o país da renda fixa? Os FIDCs estão desafiando esse script

O Brasil é o país da renda fixa? Os FIDCs estão desafiando esse script

O banco BV, proprietário de uma carteira de crédito automotivo de R$ 45 bilhões, acaba de levantar R$ 1,5 bilhão em seu segundo FIDC de veículos leves. Já a plataforma de assinaturas de eletrônicos allu estruturou um veículo semelhante com meta de chegar a R$ 100 milhões até o fim deste ano.

Duas empresas de tamanho tão diferentes são exemplos do momento que está vivendo essa classe de ativo no Brasil. Em um país com juros altos, os FIDCs estão superando o “vício” do brasileiro em investir em renda fixa.

Segundo a Anbima até 31 de julho de 2025, os FIDCs atraíram R$ 112,8 bilhões em entradas líquidas nos últimos 12 meses, deixando para trás – quem diria? – a renda fixa, que captou R$ 96,3 bilhões no mesmo período.

“O mercado de capitais está ficando cada vez mais competitivo e você consegue fazer operações de qualquer tamanho e  valor”, diz João Baptista Peixoto Neto, CEO e sócio-fundador da Ouro Preto Investimentos, que faz a gestão de R$ 12 bilhões, sendo pouco mais de 70% em direitos creditórios.

De acordo com os dados da Uqbar, um diretório especializado em ativos e fundos estruturados, o volume de captação de FIDCs bateu recorde em junho, com a entrada de R$ 70 bilhões nesses veículos, evidenciando não apenas o apetite crescente dos investidores, mas também a solidez das estruturas de crédito privado oferecidas por esses fundos.

Os números divergem em relação aos da Anbima por utilizar, também, a base da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ainda segundo a plataforma, o patrimônio líquido da classe bateu R$ 767 bilhões em 3.495 fundos. Há 12 meses, esse montante era de R$ 520 bilhões em 2.637 FIDCs.

“Todos os dados apontam para um crescimento contínuo do mercado de FIDCs, seja olhando para o número de fundos, seja o patrimônio líquido, seja o montante emitido”, diz Alfredo Marrucho, sócio da Uqbar.

O ponto de inflexão dessa transformação foi uma mudança regulatória que expandiu o acesso de investidores qualificados e de varejo a estruturas antes restritas ao capital institucional.

A inovação mais significativa foi a possibilidade de emissão de séries múltiplas de cotas com diferentes graus de subordinação: sênior, mezanino e júnior, cada uma com perfis distintos de risco e retorno.

Essa flexibilização permitiu que gestores criassem produtos mais sofisticados e customizados, alinhando estratégias que abrangem desde crédito corporativo tradicional até nichos específicos como financiamento de eletrônicos, crédito automotivo e até mesmo o agronegócio.

Novos segmentos como fintechs de consumo, infraestrutura de energia e agronegócio ganham força como origens de recebíveis, ampliando o universo de possibilidades.

“Um FIDC pode começar com patrimônio líquido de R$ 3 milhões ou R$ 10 bilhões porque fica de pé com uma estrutura bem enxuta. E quanto mais barreiras você derruba, mais acessível você deixa para o investidor”, afirma Peixoto Neto, da Ouro Preto Investimentos.

O FIDC acelera

Observe o exemplo do banco BV. A tese de investimento do FIDC BV Auto II é lastreada na cessão de uma carteira selecionada de financiamentos de veículos leves, originada pelo próprio banco para o fundo, que recebe, mês a mês, os pagamentos dos automóveis financiados e repassa o valor para os cotistas no mesmo período.

Dos R$ 1,5 bilhão captados, o banco BV distribui 85% das cotas em séries sênior e o restante entre mezanino e júnior. A estrutura se apoia em critérios rigorosos: apenas clientes adimplentes, com pelo menos três parcelas quitadas, e portfólio médio de prazo de 19 meses.

“A taxa Selic em alta e a remuneração ainda mais atrativa dessas estruturas atreladas a crédito pessoal como o auto, em uma carteira pulverizada e com proteção trazem um risco retorno muito interessante e que continuam com alta demanda”, afirma Marcos Garcia, diretor de credit markets do banco BV, ao NeoFeed.

Essa é a segunda emissão de FIDC com o crédito auto do BV. No ano passado, a banco captou R$ 3,5 bilhões. A estratégia permite ao banco reciclar a sua carteira de crédito, podendo usar o dinheiro captado para ampliar a concessão, crescendo sem impactar os lastros do banco.

“Temos familiaridade e um histórico com esses fundos. Agora, estamos tirando o proveito desse instrumento, aproveitando o apetite do mercado para captar recursos e expandir nossa carteira de crédito”, diz Rogério Monori, diretor executivo de atacado do banco BV.

A diversidade de aplicações dos FIDCs fica evidente quando tanto grandes conglomerados como startups recorrem à estrutura. A plataforma de assinatura de eletrônicos allu estruturou o Allu FIDC RL com captação inicial de R$ 22,5 milhões, com meta de chegar a R$ 100 milhões até o fim do ano. Com prazo de cinco anos, a expectativa é escalar até R$ 400 milhões em captação total.

O diferencial está na oferta simultânea de séries sênior e mezanino para investidores qualificados. Com inadimplência em 180 dias girando em torno de apenas 2%, a estrutura permite rentabilidades que variam desde CDI+4,5% para cotas sênior até CDI+11% para cotas mezanino.

“Para impactar a cota sênior, precisaria de inadimplência acima de 50%. Estamos confortáveis com nossa performance de crédito”, diz Cadu Guerra, CEO da allu.

A estrutura do FIDC se baseia nos recebíveis dos contratos de assinatura de eletrônicos da allu. A empresa já captou mais de R$ 350 milhões por meio de cédulas de crédito bancários (CCBs) com investidores pessoa física nos últimos anos.

“Fazíamos emissão de dívida, um modelo menos sofisticado. O FIDC tem uma sofisticação maior para acessar investidores maiores”, afirma Guerra.

Com mais de 1 milhão de acessos mensais e cerca de 40 mil clientes ativos, a allu enfrenta um problema de “primeira classe”: demanda reprimida. A meta com a captação é crescer a base histórica em 50% ainda este ano, chegando a 60 mil clientes.

A polivalência desse instrumento chegou também ao crédito rural. Pela primeira vez, um governo estadual criou um FIDC para financiar o agronegócio.

No fim do primeiro semestre deste ano, o governo do Estado do Paraná lançou o FIDC Agro Paraná, que foi estruturado pela Fomento Paraná em parceria com a cooperativa C.Vale e o Sicredi.

O fundo recebeu aporte inicial de R$ 261 milhões e tem meta de alavancar até R$ 2 bilhões para projetos de inovação e infraestrutura no campo.

A estrutura prevê R$ 150 milhões do governo estadual em cotas sênior, enquanto as cotas mezanino ficam abertas ao mercado e as subordinadas são destinadas a cooperativas e indústrias. A gestão é da Suno Asset, que foi escolhida por chamada pública.

O que explica esse momento?

O protagonismo dos FIDCs no mercado brasileiro não é acidental, mas resultado de uma convergência de fatores econômicos e estruturais que tornaram esses produtos particularmente atrativos no momento atual.

O ambiente de taxa Selic elevada amplia significativamente as taxas dos FIDCs atrelados a CDI e inflação, tornando-os competitivos frente a outros investimentos de renda fixa tradicional.

Além disso, os direitos creditórios corporativos, de varejo ou nichos específicos, oferecem correlação reduzida com títulos públicos e mercados acionários, proporcionando diversificação de portfólio.

As estruturas customizáveis, com séries de risco distintas, permitem que investidores ajustem a exposição conforme seu perfil, desde o mais conservador nas cotas sênior até o mais arrojado nas cotas júnior.

A gestão ativa de risco, característica fundamental dos FIDCs, inclui sliding scales de inadimplência, garantias reais e múltiplas camadas de proteção que garantem robustez mesmo em cenários de estresse econômico.

Por fim, a crescente liquidez, impulsionada pelo maior número de fundos oferecendo cotas em duas ou três séries, tem dado mais profundidade ao mercado secundário, facilitando entradas e saídas dos investidores.

(Colaborou Guilherme Guilherme)



Fonte ==> NEOFEED

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