Após dois anos de lentidão na renovação e ampliação da malha ferroviária brasileira – especialmente em comparação com o modal rodoviário, que teve sete novas concessões desde 2023 –, o Ministério dos Transportes encontrou nas repactuações de concessões prestes a vencer uma saída para destravar investimentos no setor.
Recentemente, a pasta firmou acordo com a VLI Logística para renovar antecipadamente a concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que venceria em agosto de 2026.
Paralelamente, avança na definição do futuro de duas ferrovias estratégicas: a Malha Oeste, com contrato até o próximo ano, e a Malha Sul, vigente até fevereiro de 2027 – ambas sob gestão da Rumo, maior operadora privada de ferrovias do país, com cerca de 14 mil km de trilhos em diversos estados.
O pacote é negociado separadamente, mas busca os mesmos resultados das três repactuações já fechadas este ano: investimentos na malha, indenizações por obras não realizadas, novas obrigações e pagamento de outorgas, somando dezenas de bilhões de reais.
Entre elas estão as renovações antecipadas da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), operadas pela Vale, além da Malha Sudeste, sob responsabilidade da MRS Logística.
O objetivo do governo com esse novo lote de renegociações é “virar a chave” em relação às três primeiras prorrogações feitas na gestão anterior, consideradas prejudiciais por não garantirem a execução dos investimentos contratados.
Outra novidade é a inclusão contratual do chamado gasto com sustaining, referente à compra de equipamentos para operação ferroviária, e de metas de produção, segurança e obrigações de investimento para obras específicas, como as de conflito urbano.
Por isso, a atual gestão considera a renovação da FCA como a mais bem-sucedida. “Sem dúvida a prorrogação mais expressiva em termos de investimento em malha ferroviária”, afirmou o secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, em audiência pública no Senado na semana passada.
Maior ferrovia do país em extensão, com cerca de 7.220 km de trilhos ativos, a FCA conecta sete estados e o Distrito Federal, sendo essencial para a integração logística entre Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
Pela FCA são transportadas grandes cargas de soja, milho, açúcar, derivados de petróleo, fertilizantes, produtos siderúrgicos, bauxita, calcário, fosfato e enxofre, entre outros.
Devolução de trechos
Parte da euforia se deve ao fato de o acordo com a VLI encerrar um longo processo de negociação sobre a FCA, iniciado em 2015 e que teve outra rodada em 2020, também sem resultado.
No acordo fechado com o governo, agora encaminhado para avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU), a VLI vai devolver cerca de 3.200 km de trilhos considerados antieconômicos, onde não há mais demanda de carga ou onde a operação se tornou inviável.
Os valores ainda não foram divulgados, à espera da avaliação do TCU, mas fontes do setor afirmam que a concessionária deverá pagar cerca de R$ 20 bilhões a título de indenização pela devolução do trecho, ficando com cerca de 4 mil kms do restante da malha para serem administrados até 2056.
Além disso, a VLI pagaria cerca de R$ 1 bilhão de outorga (pagamento direto para o Tesouro Nacional) e se comprometeria a investir entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões na malha ferroviária remanescente, sem incluir a troca de material rodante (locomotivas e vagões).
Para Luiz Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), a FCA está em uma região estratégica do País, mas a concessão enfrentou dificuldades devido à visão de curto prazo dos investidores e à deterioração da malha, especialmente a parte menos produtiva.
“A VLI preferiu não devolver os trechos ruins para evitar o pagamento da indenização, o que levou a um dilema econômico para a empresa durante anos”, diz Baldez, defendendo que o pagamento dessa indenização seja feito no ato da cisão e não no fim do contrato.
Segundo ele, um dos fatores decisivos para o acordo foi a insistência do governo para obter garantia da VLI de continuidade da operação no trecho Minas–Bahia, que liga Corinto (MG) a Campo Formoso (BA), que, a princípio, a empresa queria abrir mão.
“Isso seria um tiro de morte, a União não tem dinheiro para operar o trecho, muitas empresas dependem da ferrovia e mudar a logística sairia mais caro”, afirma.
Baldez propõe que o dinheiro da indenização deveria ser destinado a uma ‘conta vinculada’ para ser usada exclusivamente em projetos ferroviários, e não desviados para o governo federal cumprir a meta fiscal. Assim, o governo pode usar parte da indenização como aporte público para a recuperação desses trechos devolvidos, com o setor privado complementando o investimento necessário.
O presidente da ANUT alinha outra condição básica para a atratividade dos projetos nos trechos devolvidos: a garantia de interoperabilidade, ou seja, o direito de passagem para que as empresas possam usar a linha tronco e acessar portos nos novos trechos após leilão.
Mapa da FCA, com 7.200 km
Trecho da Malha Oeste
Trecho da Malha Sul
Corredor Fico-Fiol
Mapa da FCA, com 7.200 km

Trecho da Malha Oeste

Trecho da Malha Sul

Corredor Fico-Fiol
Os contratos de concessão renovados anteriormente ao atual lote já incorporaram essas melhorias, como é o caso da negociação feita com a Vale em relação à Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).
Em troca da extensão da concessão das duas ferrovias até 2057, a Vale se comprometeu a investir R$ 21 bilhões e realizar obras de mobilidade urbana em 55 municípios, além de modernizar a frota.
Ao mesmo tempo, o governo obteve R$ 2,73 bilhões da Vale, que serão destinados à construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), por meio de investimento cruzado – um modelo inédito de aporte, permitindo que parte da outorga seja usada para construir novas ferrovias sem depender de recursos públicos.
Outro contrato de renovação antecipada acertado pelo governo federal, com a MRS Logística, referente à Malha Sudeste, teve acordo firmado com apoio da Secex Consenso, do TCU, e agora aguarda análise do Ministério Público junto ao TCU antes de ir ao plenário.
A ferrovia tem 1.643 km de extensão, cruzando Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Em troca da prorrogação por mais 30 anos, a MRS vai pagar R$ 2,8 bilhões em outorga.
Baldez, no entanto, expressa preocupação sobre a renovação antecipada da concessão das Malhas Sul e Oeste, sob administração da Rumo. “Diferentemente da FCA, falta um projeto conceitual definido de uso para as ferrovias”, diz, citando a paralisia da Malha Oeste devido ao abandono e à migração de cargas para rodovias.
No Senado, o secretário Leonardo Ribeiro disse que o ministério tem estudos em andamento sobre a Malha Sul para fazer uma nova licitação para a ferrovia. No caso da Malha Oeste, Ribeiro explicou que a pasta está em fase final para levar os estudos sobre um plano de outorga ao TCU.
Baldez ressalta a importância de o governo acelerar as discussões com os usuários e o mercado para definir um modelo de exploração claro e atraente, enfatizando que o principal problema para atrair investimentos nas duas ferrovias é justamente a indecisão e a imprevisibilidade na definição dos modelos de exploração.
Fora o pacote atual, o governo tenta encontrar uma solução para a maior dor de cabeça de concessões – a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), um verdadeiro mosaico de avanços, entraves e reconfigurações ao longo de seus 1.527 km planejados, ligando Ilhéus (BA) a Figueirópolis (TO), onde se conectaria à Ferrovia Norte-Sul.
Os problemas estão concentrados no trecho de 537 km entre Ilhéus e Caetité, concedido à Bamin (Bahia Mineração) em 2021. A Bamin pediu reequilíbrio contratual alegando dificuldades na execução. O contrato previa a construção de um porto em Ilhéus, que não saiu do papel.
O governo aposta num memorando assinado em junho com a China Railway Economic and Planning Research Institute – braço da China State Railway Group, maior empresa ferroviária pública do mundo – visando analisar a logística multimodal do País. O objetivo dos chineses é participar de concessões que levem exportações brasileiras para a China.
Nesse contexto, o corredor que liga a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) à FIOL, a princípio, interessaria aos chineses – que podem usar essa rota para colocar de pé a Rota Bioceânica, que inclui o corredor FICO-FIOL e se estenderia até o porto de Chancay, no Peru, operado por uma empresa chinesa.
“Esse corredor pode viabilizar a carga para o porto de Chancay, levando em consideração, inclusive, um sistema integrado multimodal, sem ser apenas por ferrovia”, afirmou o secretário Leonardo Ribeiro, em entrevista ao NeoFeed em junho.
Para Baldez, resolver questões como a da concessão da Fiol e a construção do porto de Ilhéus é fundamental para o projeto ferroviário do País avançar. “O governo tem atuado bem, mas precisa recuperar o atraso de mais uma década de falta de investimentos no setor”, diz.
Fonte ==> NEOFEED