As férias de verão caminham para o fim neste lado do mundo. Amigos e colegas se reencontram. Choque e pavor. Aquela foi gorda e voltou magra. Aquele não tinha cabelo e agora exibe a juba de Mufasa.
A culpa, se culpa é a palavra certa, está nos milagres da ciência e da tecnologia. As drogas da moda substituíram dieta e academia na hora de perder a tonelagem.
Para mim, é uma tristeza: sempre gostei de mulheres roliças, em parte porque gosto da palavra “roliça”. E também por motivos estéticos, artísticos, pictóricos: entre Giacometti ou Bronzino, prefiro Bronzino (Botero só em ocasiões especiais).
Mas agora vejo amigas e colegas dramaticamente esqueléticas, como se fossem anoréxicas saudáveis —um contraste terrível. A voz, os gestos, a energia —tudo igual. Só falta metade da pessoa. Será que ficou retida na alfândega?
Pior são eles. Olham para minha tragédia capilar e perguntam, como se falassem com um débil: “Você sabe que a calvície, hoje, é uma escolha, certo?”.
Certo, irmãos. Mas viajar para a Turquia e fazer um implante capilar numa clínica local por um bom preço tem vários problemas. Assim de cabeça, vejo quatro: viajar; Turquia; implante capilar; clínica local por um bom preço.
Eles riem. Eles explicam: há voos diretos só para a turma desfalcada que voltam cheios de alegria —e de ataduras, embrulhando a cabeça bestializada. Imagino o esforço da turma para não coçar o crânio em carne viva.
Mas divago. A verdade é que o mundo caminha para a uniformidade. É um paradoxo: nunca se falou tanto de diversidade como hoje —e nunca houve tão pouca. Não falo de política, ideologia, cultura. Falo de coisas frívolas, ou seja, das coisas mais importantes que existem.
Estou sentado no meu escritório lisboeta —entendido sabe que meu escritório é ao ar livre, num café antigo com nome francês— e observo os tipos que desfilam à minha frente. E relembro Oscar Wilde: “Só pessoas superficiais não julgam pelas aparências”.
Para começar, é quase impossível encontrar alguém sem tatuagem. Brinco, claro: é impossível mesmo. Há duas décadas, por razões que nunca entendi, alguém declarou guerra à epiderme. Metade do mundo marchou para a batalha —e a tatuagem, que era marca de originalidade, hoje é repetitiva e banal.
Sem falar dos cabelos, onde houve uma regressão de cem anos. Os machos mais jovens vivem na década de 20 do século passado, quando o “low fade” —raspado dos lados e atrás, mais comprido em cima— era o último grito.
Na Coreia do Norte, existe um manual com os cortes de cabelo permitidos pelo regime do tio Kim. São quatro ou cinco, se a memória não me falha.
No Ocidente, não é preciso manual: entre os mais jovens, há só um —voluntariamente escolhido.
E quem não tem cabelo? Tem implante, repito. Ou então barba, para compensar: não olhe para cima quando há esse matagal cá embaixo. Quem pensam eles que enganam?
A juntar ao quadro, vejo corpos cada vez mais arqueados sobre celulares febris (o “nerd neck”, que podemos traduzir por “corcundinha no cachaço”, é a nova etapa da evolução humana).
Suspiro. Desisto. E quando procuro refúgio na literatura que tenho sobre a mesa, sou informado da nova moda entre os baixinhos endinheirados: operações ortopédicas para aumentar a altura.
Não, não é coisa de filme. Quebram-se ossos, introduzem-se próteses metálicas —e ganham-se uns bons centímetros. Com a pressão da procura, imagino que o procedimento logo se democratize.
O futuro promete: todos iguais. Todos magros. Todos cabeludos. Todos tatuados. Todos da mesma altura —como soldadinhos de chumbo de uma história infantil.
É nesses momentos que sinto uma nostalgia imediata pelos gordos. Pelos carecas. Pelos sem tatuagem. Pelos baixinhos desta vida. Que estão virando espécie em extinção. Como nossas paisagens serão mais tristes sem a presença deles!
Não me rendo. E prometo dar meu contributo na luta contra a padronização em curso. Aumentar de tamanho —para os lados. Ser uma bola de bilhar onde antes houve uma civilização capilar imponente. Exibir pelas ruas minha pele leitosa, alguns dirão doentia, como se eu fosse a última estátua de mármore do Ocidente.
Só não posso ser baixinho porque tudo tem limites.
Ou, pensando bem, talvez pudesse. Bastava viajar para a Turquia, entrar numa clínica local, quebrar os ossos —e reduzir uns bons centímetros do esqueleto original.
Mas o leitor já sabe: viajar, Turquia, clínica local…
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Fonte ==> Folha SP