O fim da euforia ambiental europeia – 27/08/2025 – Rodrigo Tavares

Foto mostra três bandeiras da União Europeia. Elas são azul, com estrelas formando um círculo.

Aqui, na Europa, a sustentabilidade entrou em ressaca. Depois de anos de euforia com pacotes verdes, cúpulas internacionais e promessas de neutralidade carbônica, o cenário atual é de acúmulo tóxico de promessas não cumpridas que corroem a confiança pública. O metabolismo corporativo abusou da propaganda verde e agora enfrenta os efeitos amargos do dia seguinte.

Apesar da aprovação do Pacto Ecológico Europeu em 2019, nos últimos meses a Comissão Europeia vem puxando o freio em várias políticas ambientais, como a Diretiva sobre Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) ou a Diretiva de Diligência devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), adiantando prazos ou suavizando exigências regulatórias. Alguns governos e associações empresariais argumentavam que a avalanche regulatória verde encarece a produção e acelera a saída de empresas para fora do bloco. A ascensão da extrema direita em mais de duas dezenas de países, como a Holanda, Portugal, Espanha, Polônia, Itália, Alemanha ou França, também obrigou Bruxelas a reduzir o ímpeto regulatório para não perder espaço para partidos eurocéticos.

Países europeus que há poucos anos ocupavam o centro da cena climática passaram a usar um tom mais contido. Ao assumir funções em 2025, o chanceler Friedrich Merz eliminou a lei alemã de diligência devida em cadeias de fornecimento sobre direitos humanos e meio ambiente. O presidente francês, Emmanuel Macron, que, em 2017, se apresentou como o herdeiro napoleônico do Acordo de Paris, tem manobrado nos bastidores para enfraquecer a ambição regulatória europeia, descrevendo algumas regras ambientais como ameaça direta a uma economia continental já fragilizada por estagnação industrial e perda de competitividade.

Antônio Costa, decisivo na aprovação da Lei de Bases do Clima quando era primeiro-ministro de Portugal, tem mantido silêncio sobre o tema desde que passou a presidir o Conselho Europeu.

Em grupos de WhatsApp de especialistas europeus, consultores ESG de firmas reconhecidas alertam para a retração do mercado, enquanto professores de sustentabilidade notam a diminuição no número de matrículas.

E não faltam empresas que se esqueceram dos compromissos anunciados com pompa nos últimos anos. O HSBC e o Barclays, que haviam prometido cortar o financiamento a combustíveis fósseis, suavizaram restrições para preservar clientes estratégicos. A Shell revisou a meta de corte na produção de petróleo e decidiu mantê-la estável. A BP, que havia prometido diminuir em 40% a produção de petróleo e gás até 2030, recuou e fixou a meta em 25%.

Não são necessariamente más notícias. É o abandono da dimensão vistosa da sustentabilidade, reduzida a marketing, comunicação e relações públicas ou praticada apenas por imposição legal ou pela pressão passageira do mercado. Nenhum empresário gosta de ser obrigado a adotar práticas nas quais não vê valor econômico ou financeiro no curto ou no médio prazo. Há anos que alerto, aqui nesta coluna, para a necessidade de matematizarmos a sustentabilidade. Ou é uma prática que gera valor para a empresa, ou deve ser abandonada.

Entre a euforia febril que enxerga a sustentabilidade como panaceia universal capaz de curar todos os males físicos e morais e a execração que a descarta como gasto sem proveito, eu fico com a vertente quantitativa e verificável da sustentabilidade.

Perguntemo-nos: os riscos climáticos, sociais ou de governança que afetam as empresas diminuíram? Não. Continuam a pressionar margens, a expor vulnerabilidades na cadeia de valor, a gerar litígios e a influenciar decisões de investimento. A litigância contra empresas que violam padrões ambientais e de direitos humanos perdeu força? Ao contrário, cresce. Os consumidores tornaram-se indiferentes a práticas irresponsáveis? Não. As agências de rating passaram a ignorar critérios ambientais, sociais e de governança? Não, integram-nos de forma crescente na avaliação de crédito. Os investidores institucionais deixaram de exigir transparência? Não, pedem relatórios mais detalhados, comparáveis e auditáveis.

Quando um chefe de Estado, um CEO ou um investidor anuncia o abandono de práticas de sustentabilidade, o problema não está na sustentabilidade, está na sua gestão. Riscos climáticos, sociais e de governança não desaparecem porque estão sendo ignorados. Eles materializam-se em depreciação de ativos, aumento do custo de capital, restrição de acesso a mercados, litigância judicial e perda de legitimidade social.

Nos últimos anos, em vez de terem investido tempo para compreenderem a sustentabilidade como variável de risco mensurável e determinante do desempenho econômico-financeiro, muitos líderes corporativos limitaram-se a tratá-la como elemento ornamental. Quem ainda não integra riscos ambientais e sociais nos modelos de risco e decisão não elimina o problema, apenas o adia. E a fatura, em forma de perdas tangíveis, vai chegar.



Fonte ==> Folha SP

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