Brasil e EUA: encontros improváveis e amizade pragmática – 11/09/2025 – Opinião

Brasil e EUA: encontros improváveis e amizade pragmática - 11/09/2025 - Opinião

Poucos sabem que uma das primeiras conexões entre Brasil e Estados Unidos ocorreu ainda antes da independência. Em 1787, José Joaquim Maia, jovem estudante mineiro ligado ao grupo dos inconfidentes, encontrou-se em Nîmes, na França, com ninguém menos que Thomas Jefferson, então embaixador em Paris. O encontro foi breve, mas revelador: Maia buscava inspiração para a causa da liberdade, e Jefferson, simpático à ideia de independência na América portuguesa, ofereceu palavras de encorajamento. É um episódio quase esquecido, mas que mostra como o ideário republicano norte-americano circulava entre os conspiradores mineiros, décadas antes do grito do Ipiranga.

Com a vinda da corte portuguesa em 1808 e a abertura dos portos, os EUA se moveram rápido. O primeiro cônsul, Henry Hill, instalou-se em Salvador naquele mesmo ano, cuidando de navios e relatórios comerciais. Já em 1824, Washington foi a segunda capital a reconhecer oficialmente a independência brasileira, logo depois de Buenos Aires. O gesto se encaixava na Doutrina Monroe, que pregava afastar a Europa das Américas.

O século 19 foi marcado por avanços e tropeços. O Império suspendeu relações com os EUA três vezes, em 1827, 1847 e 1869. No meio disso, houve a disputa sobre a navegação do rio Amazonas, quando aventureiros norte-americanos pressionaram pelo direito de acesso livre, quase criando um conflito diplomático. Ao mesmo tempo, o café brasileiro começava a desembarcar em grandes volumes nos portos norte-americanos, inaugurando uma dependência econômica que duraria mais de um século.

Com a proclamação da República, em 1889, o Brasil entrou de vez no circuito pan-americano. O Barão do Rio Branco soube interpretar o momento: sem abandonar a Europa, aproximou-se de Washington, atento à ascensão de uma nova potência no hemisfério. O café consolidou a interdependência, e o Brasil passou a ser visto como parceiro estável, embora ainda periférico, nos planos de Washington.

Nos anos 1930 e 1940, a relação alcançou um ponto alto. Getúlio Vargas, com sua conhecida habilidade, negociou com Franklin D. Roosevelt em meio à turbulência da Segunda Guerra Mundial. O Brasil cedeu bases no Nordeste e enviou tropas à Itália; em troca, recebeu investimentos estratégicos, como a siderúrgica de Volta Redonda. Foi o momento em que os dois países estiveram mais próximos de uma aliança plena, ainda que promessas como o apoio a um assento permanente na ONU nunca se materializassem.

A Guerra Fria trouxe novas reviravoltas. João Goulart tentou uma política externa independente, reatando contatos com Cuba e Moscou, o que alarmou a Casa Branca. O golpe de 1964 contou com apoio discreto de Washington, e os governos militares alinharam-se às diretrizes anticomunistas. Mas o pêndulo mudou de direção na década de 1970: Ernesto Geisel rompeu o acordo militar com os EUA e firmou com a Alemanha um polêmico tratado nuclear, enfrentando a oposição aberta de Jimmy Carter, que priorizava direitos humanos e a não proliferação.

A redemocratização em 1985 trouxe uma nova tentativa de equilíbrio. José Sarney lidou com a crise da dívida em meio a um diálogo cauteloso com os EUA. Fernando Collor apostou na abertura econômica e fez do Brasil anfitrião da Eco-92, que colocou a amazônia no centro das discussões globais. Itamar Franco consolidou o Mercosul e freou a pressa da Alca. Fernando Henrique Cardoso aproximou-se de Bill Clinton, com quem partilhou uma parceria estratégica, mas não escapou dos contenciosos na OMC.

Já no século 21, os altos e baixos continuaram. Lula buscou autonomia diversificando parceiros, mas cooperou em temas como a missão da ONU no Haiti. Dilma Rousseff sofreu um abalo sem precedentes com as revelações da NSA em 2013, cancelando uma visita de Estado a Washington. Michel Temer retomou o pragmatismo técnico, mirando a OCDE e destravando acordos de defesa. Jair Bolsonaro alinhou-se ideologicamente a Donald Trump, obtendo o status de aliado extra-Otan, mas desgastou a imagem do Brasil em clima e democracia, fatores que pesaram na relação posterior com Joe Biden.

Essa longa história mostra um padrão claro: aproximações calorosas seguidas de distâncias calculadas, sempre sustentadas por uma base de interesses comuns. O comércio, a defesa, a ciência, o meio ambiente e os valores democráticos formaram, em diferentes combinações, os pilares que mantiveram a relação de pé.

Do encontro esquecido entre um inconfidente mineiro e Thomas Jefferson à parceria estratégica da Segunda Guerra, das crises sobre a amazônia às disputas comerciais na OMC, Brasil e Estados Unidos aprenderam a lidar um com o outro com doses alternadas de desconfiança e cooperação. A amizade nunca foi incondicional, mas a pragmática consciência de que ambos ganham mais juntos do que separados deu sobrevida a um relacionamento que atravessou impérios, ditaduras, democracias e crises globais.

No balanço de 250 anos, o que prevalece não são os atritos, mas a capacidade de adaptação. É por isso que, apesar dos altos e baixos, Brasil e Estados Unidos seguem conectados por uma relação de amizade pragmática, construída sobre interesses mútuos e a resiliência das instituições que aprenderam a sobreviver às marés da política.


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Fonte ==> Folha SP

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