Como Trump ajudou o Brasil a dominar mercado chinês de soja

Disputa pelo mercado bilionário de soja chinês entre Brasil e EUA entra em novo capítulo com pressão de Trump para Pequim quadruplicar as compras da commodity americana

O Brasil é de longe o maior exportador de soja para a China, principal consumidor da oleaginosa no mundo, seguido pelos Estados Unidos. Curiosamente, a liderança brasileira foi consolidada graças a políticas comerciais de Donald Trump ainda em seu primeiro mandato presidencial, entre 2017 e 2021, e ganhou novo vigor neste segundo mandato, com a retomada da guerra comercial entre EUA e China. A consequência tem sido uma insatisfação crescente de sojicultores americanos com o republicano.

A importância do mercado chinês no setor revela-se nos números: em 2024, o país comandado por Xi Jinping respondeu por 61,1% de todas as importações da oleaginosa no mundo. O volume se justifica pelo uso intenso do insumo para produção de ração animal, destinada à suinocultura e à avicultura do país, cuja demanda é suprida em apenas 15% com produção própria, dependendo em 85% de grãos importados.

No ano passado, segundo a Administração Geral das Alfândegas da China, o país gastou US$ 52,8 bilhões com a importação de 105 milhões de toneladas da commodity, das quais 71,1% partiram do Brasil, e 22%, dos Estados Unidos.

O terceiro e quarto maiores exportadores foram Argentina e Uruguai, com volume significativamente inferior, de 4,1 milhões (3,9%) e 2,02 milhões (1,9%) de toneladas, respectivamente.

Até 2012, os EUA sempre atenderam à maior parte da demanda do gigante asiático. O Brasil superou as exportações americanas no ano seguinte, mas as vendas dos dois países ocidentais mantiveram-se próximas até 2016, quando o volume embarcado pelo Brasil rumo à China correspondeu a 45,7% das compras chinesas, enquanto os EUA responderam por 40,4%.

Em 2017, Trump assumiu seu primeiro mandato defendendo a tarifação de produtos estrangeiros como forma de retaliação a países por práticas desleais com os EUA. Naquele ano, a participação do Brasil nas importações de soja da China subiu para 53,3%, e a fatia americana caiu para 34,4%.

VEJA TAMBÉM:

  • Trump declara guerra por mercado chinês dominado pelo Brasil

A grande virada ocorreu em 2018, quando a primeira rodada de tarifas sobre mercadorias chinesas foi de fato implantada. Pequim retaliou taxando produtos americanos, e um dos alvos principais foram commodities agropecuárias, em particular a soja, principal item agrícola americano exportado para a China.

Com as novas tarifas sobre a soja dos EUA, importadores chineses passaram a buscar fornecedores alternativos. O Brasil então passou a vender volumes recordes para a ditadura asiática. Naquele ano, a participação brasileira no mercado de soja chinês chegou a 75,1%, deixando os americanos com 18,9%.

Em janeiro de 2020, Estados Unidos e China assinaram um acordo comercial, chamado de “Fase Um”, por meio do qual Pequim se comprometeu a comprar volumes adicionais de produtos americanos, incluindo uma cota de US$ 40 bilhões anuais de soja por dois anos, totalizando US$ 80 bilhões.

Diante dos preços mais competitivos e da qualidade do produto brasileiro, no entanto, as metas não foram totalmente cumpridas pelos importadores chineses. Entre 2020 e 2022, a China comprou cerca de 73% da meta acordada com os Estados Unidos.

Em setembro, China foi destino de 92% da soja exportada pelo Brasil

A China concentra a importação de soja do Brasil entre fevereiro e setembro, enquanto a principal janela de vendas do grão americano costuma começar a partir daí, com o início da colheita de outono no Hemisfério Norte. As vendas dos EUA encerram-se geralmente em fevereiro – ou, em anos em que há atrasos na colheita brasileira, no início de março.

Em 2025, com uma nova guerra tarifária iniciada por Trump, a China passou a aplicar uma tarifa de 20% sobre a soja americana. Depois das compras do início do ano, ainda referentes à safra passada, o mercado chinês não importou literalmente mais um grão sequer dos EUA. Substituiu a soja americana por importações do Brasil e, em menor escala, da Argentina.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) mostram que, a partir de julho, a China já passou a ampliar as encomendas de soja brasileira para reforçar seus estoques.

Naquele mês, as cargas da oleaginosa que partiram do Brasil rumo aos portos chineses somaram 9,6 milhões de toneladas, alta de 7,4% em relação ao mesmo mês de 2024.

No mês seguinte, foram 7,9 milhões de toneladas, 33,9% a mais do que em agosto do ano passado. Já em setembro, os embarques somaram 6,8 milhões de toneladas, volume 57,1% superior ao transacionado um ano atrás.

Para se ter uma ideia do peso da demanda chinesa, de todo o volume de soja exportada pelo Brasil em setembro, 92,3% teve a China como destino. No mesmo mês de 2024, o país asiático recebeu 70,6% dos embarques da commodity brasileira.

Com o mais recente acirramento nas tensões entre as duas maiores economias do mundo – com uma taxação americana de 100% sobre produtos oriundos do país de Xi –, a expectativa, no momento, é de novos e sucessivos recordes de exportação da soja brasileira nos próximos meses.

Sojicultores dos EUA se frustram com política de Trump contra China

Se no discurso Trump tem reiteradamente pressionado a China a comprar soja americana, na prática suas ações têm decepcionado os produtores da cultura do país.

Em março, quando o presidente americano deu início à guerra tarifária, impondo uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses, a Associação Americana de Soja (ASA, na sigla em inglês) se manifestou afirmando manter “consistentemente por anos” a posição de não apoiar o uso de tarifas como tática de negociação.

A última importação de soja americana feita pela China foi em maio. Desde então, nenhum grão sequer foi vendido pelos produtores dos EUA para o país asiático.

Em agosto, Trump pediu publicamente à China que “quadruplique rapidamente” suas compras de soja dos americanos. “Nossos grandes agricultores produzem os grãos de soja mais robustos. Espero que a China quadruplique rapidamente seus pedidos de soja”, escreveu o presidente.

O pedido, no entanto, não surtiu qualquer efeito. Dias depois, a ASA enviou uma carta à Casa Branca pedindo a Trump para priorizar a soja nas negociações comerciais entre EUA e China.

A entidade também divulgou uma nota técnica descrevendo as consequências financeiras da perda de participação no mercado chinês em longo prazo.

VEJA TAMBÉM:

  • Demanda por máquinas agrícolas novas caiu, enquanto preços de aço e alumínio subiram com novas tarifas anunciadas pelo presidente Donald Trump

    Prejuízo: maior empresa de máquinas agrícolas dos EUA sofre com tarifas de Trump

No fim de setembro, a associação veio a público criticar ainda o anúncio do governo americano de uma ajuda financeira à Argentina.

“Os preços da soja americana estão caindo, a colheita está em andamento, e os produtores leem manchetes não sobre a garantia de um acordo comercial com a China, mas sobre o fato de o governo americano estar concedendo US$ 20 bilhões em apoio econômico à Argentina, enquanto o país reduz seus impostos de exportação de soja para vender 20 carregamentos de soja argentina para a China em apenas dois dias”, declarou Caleb Ragland, presidente da ASA.

Enquanto os sojicultores dos EUA amargam a suspensão total nas vendas para a nação asiática, o governo argentino suspendeu as chamadas retenciones (imposto sobre exportações) para soja, farelo e óleo de soja, milho e trigo, o que imediatamente atraiu compradores chineses e afastou ainda mais a demanda pelo produto americano.

A medida, válida até 31 de outubro, impactou negativamente no preço da soja americana na Bolsa de Chicago. A consultoria Hedgepoint Global Markets afirma que as exportações de soja do país de Javier Milei devem sofrer ajustes altistas nos próximos relatórios da USDA, podendo superar os 10 milhões de toneladas este ano.

Diante do cenário devastador, Trump chegou a anunciar, na semana passada, que dará uma ajuda financeira a agricultores, que, segundo apuraram veículos de imprensa americana, deve variar de US$ 10 bilhões a US$ 14 bilhões.

A medida é semelhante à adotada em seu primeiro mandato, quando o republicano também travou uma guerra comercial com a China. Em 2019, o governo concedeu mais de US$ 22 bilhões em auxílio a produtores rurais.

O socorro, entretanto, não deve chegar antes de 2026, segundo Dan Basse, presidente da consultoria AgResource. Em um vídeo divulgado dias atrás, o executivo afirmou que um repasse em curto prazo já era inviável, e a situação se agravou a partir do dia 1.º com o shutdown – paralisação do governo americano em razão da não aprovação da lei orçamentária até o fim do prazo legal.

Também na semana passada, durante uma coletiva de imprensa na Casa Branca, Trump afirmou que a China retomará as compras de soja dos EUA. “A questão com a soja é o que acho que veremos mais abertura”, disse a jornalistas.

No mesmo dia, no entanto, o governo americano anunciou a tarifa adicional de 100% contra a China, e indicou que o encontro entre Trump e Xi que estava previsto para o fim do mês poderia ser cancelado. A associação americana dos produtores de soja reagiu, declarando estar “extremamente desapontada”.

“Guerras comerciais são prejudiciais a todos, e esses últimos acontecimentos são profundamente decepcionantes em um momento em que os produtores de soja enfrentam uma crise financeira cada vez maior”, afirmou Ragland, no último sábado (10).

VEJA TAMBÉM:

  • Investimento chinês no Brasil cresceu mesmo em meio à retração nos aportes estrangeiros diretos globalmente

    Brasil vira segundo maior destino de investimentos da China no mundo

  • Participação da China no agro brasileiro vão da aquisição de empresas produtoras de sementes à operação de terminais portuários para escoamento das exportações

    Da semente ao porto: como a China se “infiltrou” na cadeia produtiva do agro brasileiro



Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *