A Folha, quem diria, matou Odete Roitman – 18/10/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Um arco-íris sai de uma nuvem escura e vai terminar num pote de ouro onde se lê a palavra

A Folha queimou a largada e publicou, no dia do tiro (6), um obituário de Odete Roitman, a lendária vilã de “Vale Tudo” criada por Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva que foi revivida para a trama de 2025, sob o comando de Manuela Dias.

A sacada parecia espirituosa, mas atropelava a apuração e deu origem a um “Erramos” engraçadinho na sexta (17), quando se revelou que Odete não tinha morrido, como afirmava o obituário.

O erro não era do tipo que ocorreu com a rainha Elizabeth 2ª —alguém apertou o botão “publicar” na hora errada, e assim um obituário já preparado foi ao ar cinco meses antes da morte da monarca.

(A maioria sabe, mas não custa explicar: personalidades de relevo costumam ter obituários preparados meses ou anos antes de sua morte. Alguns passam décadas sendo atualizados por equipes de gerações diferentes. Há casos de mortos que sobrevivem aos obituaristas, o que já gerou protestos sobre falta de contexto e de sensibilidade do jornal ao publicá-los postumamente sem maiores explicações sobre as circunstâncias em que foram redigidos.)

Odete poderia ser um caso desses: desde o anúncio de que haveria uma nova versão da novela, o obituário já poderia ter sido escrito —mas não publicado.

A falha, aqui, foi de apuração. O jornal viu o tiro, confiou na polícia precária da trama e acreditou nos boatos e no passado. Embarcou na polêmica de 1988-89 sobre o “quem matou” e dispensou a checagem e o ceticismo.

Por um lado, é importante que o jornal saiba rir de si mesmo e, principalmente, corrigir seu erro, o que foi feito, embora um pouco tardiamente (uma notificação foi enviada aos leitores do aplicativo pouco depois do último capítulo da novela, mas o texto só ganhou o adendo sobre o erro na tarde deste sábado). O que esse caso mostra, ainda que na linha folclórica, é como falta cuidado nas minúcias.

A Folha quis brincar, mas Odete já estava brincando antes. E ela, há décadas um dos símbolos máximos do que há de pior na assim chamada brasilidade, levou a melhor até nisso.

Sobre Odete, aliás, o leitor André Felipe Barbosa deixou um comentário na conta da Folha no Instagram que vale trazer para cá: “Odete Roitman sobreviver não é uma afronta ao clássico —é uma provocação necessária. (…) Porque o Brasil que ‘Vale Tudo’ retrata não é o da ficção, é o da repetição. Odete não morre porque nunca morreu. Ela está viva em cada empresário que acha o país uma piada, em cada político que vende moral, em cada pessoa que se acha ‘acima’ da miséria que critica. A pergunta agora não é mais ‘quem matou Odete Roitman?’, e sim ‘por que ela nunca morre?’. E talvez a resposta seja mais dura do que gostaríamos.”

O obituário estabanado se impôs, mas a intenção inicial, nesta semana, era trazer um retorno sobre algumas das discussões do encontro com leitores no final de setembro.

O leitor Luiz Carlos Bernardes, 66, havia dado a ideia para que o acesso ao serviço de ombudsman fosse feito através de um formulário no próprio site da Folha. A ideia de Bernardes deu força a um plano anterior, e informo que o formulário já entrou no ar. Um botão “Ombudsman”, no pé dos textos publicados pelo jornal, leva a esse formulário e agiliza o envio de mensagens.

Mas um dos temas mais populares e polêmicos foi e continua sendo a seção de comentários. A leitora Dagmar Zibas, 88, comparou o sistema de moderação da Folha, que muitas vezes “prende” por muito tempo mensagens inofensivas, ao do Estado de S. Paulo. Lá, um esquema de pontuação dá aos comentaristas mais autonomia, e o sistema investe mais na interação.

O site do Estado informa que premia contribuições relevantes. O veículo define como tal “aquela que recebe apoio e, acima de tudo, é bem estruturada, detalhada, com fontes e escrita sem erros de ortografia”. A partir dessas contribuições, o comentarista ganha pontos e mais autoridade.

Outra das queixas feitas à Folha diz respeito à impossibilidade de tréplicas e da extensão dos diálogos, o que impede interações mais longas. Buscar respostas em tópicos que atraem muitos comentários é uma tarefa penosa.

O The New York Times acabou de atualizar seu sistema justamente para que respostas a um mesmo comentário fiquem organizadas. Também continua a investir na moderação e na promoção das mensagens de qualidade.

O modelo reconhece o valor das interações entre leitores e deles com o site. É o tal “engajamento”, um dos principais ativos das big techs. É sintomático que o jornal, em sucessivas crises nas revoluções sociodigitais, falhe em valorizar essa riqueza. Ainda mais quando tem o poder de promover a qualidade do debate de ideias, em vez de estimular apenas a torcida lado a lado. Mas a Folha precisa avançar também nessas questões elementares.

O leitor Hernandez Piras, 56, questiona: “Alguns leitores repetem à exaustão os mesmos comentários ofensivos, homofóbicos e escatológicos e nunca são submetidos à moderação prévia.”

Jaime Souza Filho, 32, escreve após declarar ter sido banido da seção de comentários do jornal para alertar “sobre a ineficiência da Folha em identificar contas falsas”. “Não desejo voltar à seção de comentários. Eu sei que em vários momentos, ao ser atacado, revidei do mesmo jeito. Como diria a pensadora contemporânea Inês Brasil, ‘se me atacar, vou atacar’”, conta ele, que pede “mais carinho com a validação de dados”.

“Certos leitores não aceitam ser contrariados. Em vez de trazerem argumentos referenciados, criam fakes e se unem pra atacar. Seria legal um selinho de ‘pessoa real’ ao lado do comentário”, sugere o leitor.



Fonte ==> Folha SP

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