A língua da COP e as árvores de São Paulo – 15/11/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Pessoa vestindo capacete laranja com viseira, camiseta laranja e calça verde segura motosserra preta e laranja, olhando para estrutura branca abstrata contra fundo azul claro.

Um dos grandes desafios da cobertura ambiental e de eventos como a COP30, a Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, é atingir os leitores “comuns” (ou seja, que não são políticos, grupos de pressão ou partes dos debates). O jornal às vezes até tenta, mas não é tarefa simples.

Temas ambientais costumam ter pouco apelo (não raro, naufragam na audiência), e a linguagem tem tudo a ver com isso. A Folha publicou uma boa análise de seus repórteres sobre como, na COP, a “linguagem vaga, inflada, pobre, confusa e imprecisa pode ocultar interesses de emissores de gases-estufa”. Mas falta reconhecer que a naturalidade com que o jornalismo costuma reproduzir o hermetismo desse discurso é parte do problema.

Há títulos, textos e assuntos quase impenetráveis para quem está fora da cobertura. A Folha chegou a colocar no ar um glossário sobre a COP30. É uma iniciativa razoável, mas não basta. Contestar o vai-não-vai linguístico e ser intransigente com sua tradução plena é fundamental.

Esse não é, porém, um vício restrito aos assuntos climáticos. Jargões e palavreado sinuoso também são pragas que atacam as coberturas política, econômica ou qualquer outra em que o “burocratês” consiga se instalar.

Enquanto as piruetas linguísticas dominavam o megaevento internacional no Pará, a derrubada de árvores em um pequeno bosque em São Paulo ilustrava como a questão ambiental é tratada aos solavancos.

“Remoção de árvores por construtora causa atrito entre Nunes e moradores da Lapa” era o título de reportagem da Folha no domingo (9) —e a primeira vez em que o jornal incluía o prefeito paulistano diretamente na questão, noticiada há mais de um ano.

“Os moradores são contra a autorização (Termo de Compromisso Ambiental) que a prefeitura emitiu para a construtora Tegra retirar 118 árvores do chamado Bosque dos Salesianos e construir prédios residenciais. O terreno fazia parte da Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo), que o vendeu para a Tegra no início de maio, por quase R$ 95 milhões. A obra tem alvará para ser realizada, e o corte de árvores ocorreu ao longo da semana passada”, informa o jornal. A venda, na realidade, ocorreu em maio de 2024, segundo apuração da própria Folha.

Mas vamos ao “atrito”. “Larga de ser babaca” foi a resposta do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a munícipes que protestavam contra a destruição do bosque. A Folha demorou a se dar conta de que a situação era noticiosa: o evento com o prefeito ocorreu na manhã da quinta (6), a cerca de um quilômetro do bosque dos Salesianos, mas o jornal publicou nota sobre o entrevero na noite seguinte, quando o vídeo já rodava as redes.

Foi a partir disso que surgiu o texto do “atrito”. Mas há mais do que um mero atrito na questão.

O evento da prefeitura onde houve o bate-boca era dedicado à entrega de caminhões de lixo movidos a biometano. “A ação faz parte da programação especial da Prefeitura voltada à sustentabilidade e à preparação para a COP30”, informa a gestão municipal em seu site. A administração também aproveitava para mencionar a “criação do Orçamento Climático, que prevê R$ 28,8 bilhões em 2026”. Em agosto, a prefeitura também anunciou “ações ambientais com bosques urbanos”.

É o típico caso em que olham-se as árvores, mas não a floresta. A pergunta óbvia deveria ser como a extinção de um pequeno bosque se relacionaria com essas ações. Mas não houve maiores questionamentos sobre isso nem sobre a distribuição do orçamento e dos contratos destinados às ações ambientais.

“A COP30 começou hoje. A Folha tem investido no tema, tem caderno especial, espaço do jornal no evento, debates… perfeito. Mas vemos uma derrubada de mata aqui embaixo do nosso nariz e vamos agir como se fossem coisas da vida, inevitáveis?”, questionou, na segunda (10), a jornalista Débora Mismetti, moradora do Alto da Lapa.

“Como assinante, espero o complemento da matéria: publicar a visão socioambiental dos moradores (eu sou um deles) não só do Alto da Lapa, mas da nossa cidade tão pisoteada”, escreveu outro leitor (não o identifico por não ter tido sua autorização).

Além disso, Mismetti chamava a atenção para o fato de a reportagem afirmar “que a Justiça entendeu improcedente a ação contra o corte das árvores. Isso é verdade, mas essa é a decisão somente da primeira instância, e o promotor já recorreu em maio”.

“Houve um pedido de tutela antecipada para que a suspensão da possibilidade de corte do bosque se mantivesse enquanto não sai a decisão da segunda instância. Esse pedido, no entanto, está parado há meses”, afirma Mismetti.

Para ela, o texto da Folha “dá a impressão de que as coisas não poderiam ter sido feitas de outra forma”. “Ao dizer que ‘a ação foi julgada improcedente’ sem mencionar que ela aguarda decisão em segunda instância, a reportagem coloca um ponto final no assunto, dando a entender que nada mais poderia ser feito. Mas poderia, sim, e está sendo feito.”



Fonte ==> Folha SP

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