Poesia – um Encontro com a Alma

Helena Fraga

            A poesia é o encontro diário que tenho com minha alma, com meus sentimentos e com aquela inquietação entre a razão e a emoção.

            Lembro-me (e o tenho anotado em meu caderno de poemas) do primeiro poema que me tocou; era de um escritor cuja vida e cuja obra desconheço. Apenas copiei o poema, que estava junto a uma exposição de quadros em minha cidade, nos idos de 1976. Seu nome, Rudi.

       Na porta entrei/ No canto a vi/ Eu estava feio/ Ela estava linda/ Eu caminhava/ Ela inerte/ Eu olhava o solo/ Ela olhava o teto/Eu chorava/ Ela sorria/ Eu caminhava/ E ela inerte/ Entre mim e ela/ Havia outra porta/ Eu estava vivo/ Ela estava morta!

            Entretanto, sou felizarda desde muito jovem, pois Santos, minha cidade Natal, é o berço de vários poetas consagrados como Martins Fontes, Vicente de Carvalho, Roldão Mendes Rosa, Cassiano Nunes, Narciso de Andrade, Lydia Federici, Maria José Aranha de Rezende, Carolina Ramos, Regina Alonso, entre outros. A atividade cultural da cidade é conhecida e pungente.

            Tenho lembranças especiais que me tornaram quem sou e que fortaleceram minha vontade de escrever. Recordo-me da primeira noite de autógrafos a que fui: tinha lido no jornal local que Zezinha Rezende iria autografar seu livro e lá fui eu, sozinha, corajosa para conhecê-la ao vivo e viver aquela magia que é e sempre será, para mim, uma noite de lançamento.

            Posso dizer que sou amiga de vários poetas da minha cidade; com alguns tenho histórias incríveis como Regina Alonso, que encontrei por acaso em uma crônica escrita no jornal. Mostrei para minha mãe – nem sei bem por que – e descobri que foram contemporâneas na escola, no mesmo velho Liceu Feminino Santista, do qual tratava seu texto.

            Anos depois, por essas coincidências que não existem de fato – afinal, Deus sempre une as pessoas por algum motivo –, conheci sua filha Claudia, que virou terapeuta do meu filho João. E como o mundo é deveras pequeno, praticamente vejo Dona Regina amiúde.

            Talvez ela nem saiba o quanto me inspira, não só por seus versos, mas por sua ousadia em manter-se sempre à frente de seu tempo. Regina Alonso não é apenas uma escritora de versos, ela transita entre a prosa e já ganhou inúmeros prêmios com seus belíssimos haicais.

            No entanto, tenho outras fontes inesgotáveis de inspiração e a maior delas, com certeza, é Fernando Pessoa. Em recente visita a sua casa – agora Museu Fernado Pessoa, em Lisboa –, acabei de apaixonar-me por ele. Tenho predileção por Alberto Caeiro, no trecho do Guardador de Rebanhos, em que ele, brilhantemente, traz os seguintes versos:

(…) eu não tenho filosofia: tenho sentidos…(…)

            Florbela Espanca, poetisa portuguesa, conheci pelas mãos das minhas primas em uma viagem a Portugal, em 1982. Viveu pouco e teve uma vida triste, mas seus sonetos são lindíssimos. Gosto demais de “Fumo”, que tem sua versão musical pela voz do nosso querido e meu cantor preferido, Fagner:

            Longe de ti são ermos os caminhos, / Longe de ti não há luar nem rosas, /Longe de ti há noites silenciosas, /Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

            Meus olhos são dois velhos pobrezinhos/ Perdidos pelas noites invernosas…/ Abertos sonham mãos cariciosas,

Tuas mãos doces, plenas de carinho!

            Os dias são outonos: choram… choram…/ Há crisântemos roxos que descoram…/ Há murmúrios            dolentes de segredos

            Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! / E é ele, oh, meu Amor, pelos espaços, / Fumo leve que foge entre os meus dedos.

            Convivi minha adolescência, chorando, com Vinicius de Morais:

            De tudo ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento. (…),

mas também senti dor, lendo Rosa de Hiroshima:

            Pensem nas crianças/ Mudas, telepáticas/ Pensem nas meninas/ Cegas inexatas/ Pensem nas mulheres/ Rotas alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas/ Mas, oh, não se esqueçam/ Da rosa da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/ Estúpida e inválida/ A rosa com cirrose/ A anti-rosa atômica/ Sem cor sem perfume/ Sem rosa sem nada.

            Desejei conhecer Passárgada com Neruda:

            Posso escrever os versos mais tristes esta noite./ Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,/e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.

(…) tropecei com Drummond:

            No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra.

            A maturidade me deu de presente duas mulheres que aquecem meu coração com seus versos – Cora Coralina e Adélia Prado –, além de um jovem que encanta meus ouvidos por sua musicalidade e aquece o coração por suas palavras – Bráulio Bessa.

             Falar de Cora é simples. Uma mulher que escreveu sua vida inteira e publicou seu único livro “Poemas pelos Becos de Goiás e Estórias mais”, aos 75 anos, após ficar viúva, mas fica a lição que nunca é tarde para começarmos. Seus versos deixam um sentido especial nessa conquista da vida e seu modo cativante é um exemplo para qualquer novo poeta que esteja começando:

            Não sei…/ se a vida é curta/ ou longa demais para nós./ Mas sei que nada do que vivemos/ tem sentido,/ se não tocarmos o coração das pessoas.

            Um jovem de 40 anos, jeito sereno e melodia em cada verso. Bráulio Bessa tem três livros publicados e todos best-sellers. Em suas palavras, “Poesia é o jeito que encontrei de conversar com Deus e com o mundo”,fica claro que versejar e nos mostrar a cultura do Nordeste brasileiro já nasceram com ele. Ouvi-lo é como estar perto do Criador e por que não relembrar aqui um trecho de seu poema “Recomece”?

            Quando a vida bater forte/ e sua alma sangrar, / quando esse mundo pesado/ lhe ferir, lhe esmagar…/ É hora do recomeço. / Recomece a lutar.

            Deixo, por último, para enaltecer minha poetisa de cabeceira: Adélia Prado foi descoberta por Carlos Drummond de Andrade, em 1976. Não tive tanta sorte, conheci seu trabalho recentemente, após uma entrevista sua no programa Roda Viva, em 2014, onde ela mencionou sua angústia em ter vivido um deserto criativo que durou sete anos.  

            Claro que Adélia nunca saberá, mas naquela entrevista fui aprender mais sobre ela e, de alguma maneira, houve uma cura dentro de mim. Fiquei alguns momentos sem conseguir escrever, principalmente durante o tempo em que fiz mestrado e sentia uma angústia que não conseguia compreender. Quando ela cita que descobriu que o problema era com ela, seu coração estava “doente” e uma depressão que precisava ser cuidada, ali tornou-se minha inspiração, para cuidar de mim e do que amo fazer.

            Adélia Prado, como todos a chamam, é a Poeta do Cotidiano, mas seus versos são fonte inesgotável de aprendizado e cutucam aquele nosso “eu” acomodado.   Gosto demais de dois poemas seus – “Com Licença Poética” e “Mulheres”, e deixo-os aqui para terminar nossa conversa de hoje:        

            Com Licença Poética

            Quando nasci um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou:/ Vai carregar bandeira. / Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada.

            Aceito os subterfúgios que me cabem, /sem precisar mentir/. Não sou tão feia que não possa casar, /acho o Rio de Janeiro uma beleza e/ ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

            Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. / Inauguro linhagens, fundo reinos –/ dor não é amargura.

            Minha tristeza não tem pedigree, / já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô. / Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. / Mulher é desdobrável. Eu sou.

Mulheres

            Ainda me restam coisas/ mais potentes que hormônios. / Tenho um teclado e cito com elegância

Os Maias, A Civilização Asteca. / Falo alto, às vezes, para testar a potência, / afastar as línguas de trapo me avisando da velhice:/ “Como estás bem!”

Aos trinta anos tinha vergonha de parecer jovenzinha, /

idade hoje em que as mulheres ainda maravilhosas se processam/ ácidas e perfeitas como a legumes no vinagre. /

De qualquer modo, se o mundo acabar/ a culpa é nossa.

            A poesia sempre será aquele encontro sutil e necessário que transforma a vida. É nela que a humanidade encontra refúgio para a dor e uma forma mais rosada para dores calcinantes que teimam em velar o olhar.

       Helena Fraga é escritora, empresária e poeta brasileira. Autora de mais de trinta livros e com doze obras publicadas, transita entre a poesia, as crônicas e a literatura inspiradora. Sua escrita une sensibilidade, fé e reflexão sobre o cotidiano, transformando emoções em palavras que acolhem e despertam.
            Com uma sólida carreira no setor automotivo, Helena encontrou na literatura um espaço de expressão e propósito, onde compartilha temas como amor, espiritualidade, amadurecimento e autoconhecimento.
            Autora de títulos como Aconchego, Ser Feliz é uma Escolha, Alma de Mulher e Transforme-se, também se dedica a projetos que incentivam a leitura e a escrita, especialmente entre mulheres.
            Acredita que a palavra é uma ponte entre almas — e faz da escrita o seu modo de iluminar o mundo.

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