Há uma bolha nos investimentos em IA? – 10/12/2025 – De Grão em Grão

Há uma bolha nos investimentos em IA? - 10/12/2025 - De Grão em Grão

Quando assistimos a uma corrida, raramente admiramos apenas a precisão do piloto. Parte de nós observa a pista imaginando o instante em que o carro pode escapar da curva ou bater contra outro. Sêneca já advertia: “sofremos mais na imaginação do que na realidade”. Talvez por isso, diante de qualquer fenômeno acelerado, nosso primeiro impulso não seja entender, mas desconfiar, esperando o momento em que tudo desanda.

Essa reação tem aparecido com força no debate sobre inteligência artificial. Nas últimas semanas, especialistas e investidores transformaram a pergunta “é uma bolha?” quase em uma disputa religiosa. Alguns enxergam exagero claro, outros afirmam que estamos apenas no começo e que o ceticismo não passa de medo de mudança. A discussão ficou tão polarizada que, muitas vezes, a psicologia tem falado mais alto que os fatos.

É exatamente nesse ambiente que a publicação de “Is It a Bubble?”, o novo memorando de Howard Marks, ganha relevância. Diante do ruído crescente, o texto se destaca por organizar o que realmente importa. Não responde se estamos ou não em uma bolha, porque ninguém consegue responder, mas esclarece por que essa dúvida sempre aparece quando uma tecnologia promete mudar o mundo.

Marks lembra que a história das bolhas se repete não no calendário, mas no comportamento: uma promessa revolucionária captura a imaginação, os primeiros participantes ganham muito, quem ficou de fora sente FOMO (sigla para medo de ficar de fora, em inglês) e entra sem preocupação com preços ou riscos. A novidade não tem limites conhecidos, e isso dá licença à imaginação, e à euforia. O que muda de ciclo para ciclo não é o padrão, mas o objeto do entusiasmo.

O memorando acrescenta um ponto ainda mais incômodo: a diferença entre bolhas destrutivas e bolhas construtivas. As primeiras apenas sobem e caem. Já as segundas, como ferrovias, eletricidade e internet, queimam capital, mas constroem infraestrutura que acelera o futuro. Segundo Marks e os autores que ele cita, o exagero talvez não seja um erro, e sim parte do processo.

Ele também destaca um aspecto pouco discutido no debate popular: a enorme incerteza sobre a própria estrutura econômica da IA. Não sabemos se os lucros ficarão concentrados em poucas empresas, se haverá competição feroz que eliminará margens ou se startups com modelos específicos conseguirão capturar nichos. Pior: não sabemos sequer qual será a demanda futura, pois a capacidade da tecnologia está evoluindo tão rápido que qualquer projeção pode estar obsoleta em meses.

Outro ponto levantado por Marks —e que deveria preocupar mais do que manchetes sobre “bolha”— é o uso crescente de dívida para financiar data centers e chips. Em revoluções anteriores, boa parte do investimento exagerado foi perdida, mas era financiada principalmente por equity. Agora, entra em cena um componente mais perigoso: compromissos de décadas para financiar ativos que talvez se tornem obsoletos muito antes do fim da dívida. Marks recorda que, em tecnologia, dívidas longas raramente combinam com incertezas longas.

Alguns exemplos que ele cita parecem saídos de ficção: startups sem produto levantando rodadas bilionárias, empresas comprando capacidade entre si em acordos circulares que confundem quem está lucrando e quem está apenas antecipando receita. Repetem-se sinais clássicos de ciclos de exuberância, mas combinados com empresas gigantes, receitas reais e um ritmo de adoção sem precedentes. É justamente essa mistura —fundamentos fortes com expectativas exageradas— que torna o momento tão difícil de interpretar.

Antes de ver tudo isso como evidência final de que “está na hora de cair”, vale lembrar que uma parte dessa inquietação é nossa, não do mercado. A psicologia chama de negativity bias a tendência de darmos mais atenção ao risco do que à oportunidade. O trabalho clássico de Baumeister, Bratslavsky, Finkenauer e Vohs, “Bad is Stronger Than Good“, mostra que eventos negativos capturam mais atenção e memória do que os positivos. Essa assimetria, útil para sobreviver na pré-história, cria distorções quando observamos mercados modernos.

Por isso, ao acompanhar os investimentos bilionários em IA, o reflexo imediato é esperar o tropeço. Assim como, ao ver um avião decolar, imaginamos a turbulência. Não é análise; é biologia. Antecipamos o desastre porque fomos moldados para isso.

Marks conclui que ninguém deve ir “all-in” nem ficar totalmente de fora. O passado mostra que exageros são comuns, correções são inevitáveis, mas o progresso raramente volta ao ponto de partida. O desafio não está em prever o estouro da bolha, mas em navegar essa tensão com equilíbrio: reconhecer o medo sem deixar que ele decida sozinho.

Entre o exagero otimista e a paralisia pessimista, existe o espaço da lucidez —o mesmo espaço que Sêneca descreveu séculos antes de existirem chips, algoritmos e valuations trilionários. Sofremos mais na imaginação do que na realidade. Talvez esse seja o verdadeiro risco quando tentamos interpretar uma revolução em andamento.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.


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Fonte ==> Folha SP

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