‘A MPB está morrendo’, diz Solano Ribeiro – 08/07/2025 – Música em Letras

Um homem idoso com cabelo grisalho e barba está sentado em um banco de madeira. Ele usa um suéter branco sobre uma camisa escura e tem uma expressão pensativa. Ao fundo, há um jardim com árvores e uma estrutura vermelha que parece ser uma escultura. O ambiente é bem iluminado e parece ser um espaço ao ar livre.

Antes de produzir festivais de música popular brasileira nos anos 1960, o paulistano Solano Ribeiro, 86, aprendeu a interpretar vários papéis no teatro, cursando a Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD).

Filho único da poeta da Geração de 45, Idelma Ribeiro de Faria (1914-2002), Solano foi ator da companhia Teatro Cacilda Becker (TCB), onde, na sala Vermelha do Teatro Natal, na avenida São João, em São Paulo, participou de “Morte e Vida Severina”. Na sala Azul, do mesmo teatro, atuou em “Tem Bububu no Bobobó”.

Trocou a companhia Teatro Cacilda Becker pelo Teatro de Arena e integrou os elencos de “Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal (1931-2009); “Eles não usam Black Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006); e “O Testamento do Cangaceiro”, de Chico de Assis (1933-2015).

A convite de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Solano Ribeiro foi trabalhar na extinta TV Excelsior, na capital paulista, realizando, após vários especiais de música, o primeiro Festival Nacional da Música Popular Brasileira, em 1965, que deu origem à sigla MPB. O evento registra o lançamento de Elis Regina (1945-1982) cantando “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes (1913-1980).

Saiu da TV Excelsior para trabalhar na TV Record, onde realizou o segundo Festival da MPB, em 1966, no qual dividiram a primeira colocação as músicas “A Banda”, de Chico Buarque, e “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros.

No terceiro festival, foi Solano Ribeiro quem incentivou a inserção de guitarras elétricas na música popular, o que era uma heresia na época. Venceu a composição de Edu Lobo e Capinan, “Ponteio”. Foi este festival que deu origem ao documentário “Uma noite em 67”, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, de 2010.

Ainda na TV Record, Solano Ribeiro produziu e dirigiu a Primeira Bienal do Samba, vencida por Elis Regina com “Lapinha”, de Baden Powel (1937-2000) e Paulo César Pinheiro.

Solano Ribeiro foi também sócio-fundador da Rádio Antena 1, em São Paulo, e quando contratado da extinta TV Tupi, em 1976, realizou o Festival Tupi, no qual o cantor e compositor cearense Fagner abocanhou o primeiro prêmio com a música “Quem me levará sou eu”, de Dominguinhos (1941-2013). Logo depois do festival, Ribeiro tornou-se diretor de produção e programação da emissora.

No exterior, ao deixar o Brasil por conta da ditadura militar, Ribeiro esteve na Alemanha e atuou na emissora Südwestfunk, dirigindo vários documentários, entre eles obras sobre o compositor Gilberto Gil, o teatro de Ruth Escobar e sobre o Novos Baianos F.C.

Novamente a convite de Boni, Ribeiro retornou ao Brasil, em 1972, para realizar o sétimo Festival Internacional da Canção, na TV Globo, e o Festival da Música Brasileira da TV Globo, em 2000.

Na TV Cultura, em 2005, realizou o Festival Cultura – A nova Música do Brasil, antes de escrever o livro “Prepare o Seu Coração – A História dos Grandes Festivais” (2002).

Atualmente Ribeiro produz e dirige para a Rádio Cultura Brasil o programa “Solano Ribeiro e a Nova Música do Brasil”.

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva que Solano Ribeiro concedeu ao blog Música em Letras, na qual afirma: “A MPB está morrendo”.

De quais festivais de música você participou?

Fui produtor e diretor em todos os festivais veiculados pela TV, menos os seis primeiros Festivais Internacionais da Canção da TV Globo, realizados por Augusto Marzagão. Realizei o sétimo e último desses festivais, revelando Maria Alcina, Raul Seixas, Fagner, Belchior e Ednardo, entre outros

Quais desses festivais você considera um sucesso e porquê?

Quase todos os festivais da TV Record. O primeiro, pelo lançamento de Elis Regina e o aparecimento da sigla MPB. O segundo [festival] pelo empate das músicas “Banda” com “Disparada”, cuja final parou a cidade e parte do país. O terceiro festival, pela entrada das guitarras na MPB e as revelações de Caetano Veloso, Gilberto Gil, dos Mutantes e de Rita Lee.

Quais desses festivais você considera um fracasso e porquê?

O Festival Cultura – A Nova Música do Brasil, em 2005. Por erro na escolha dos jurados que deram vitória para uma música da vanguarda paulistana, “Contabilidade” [de Danilo Moraes e Ricardo Teperman], em detrimento de “Achou”, de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, favorita do público, mas que não teve muita repercussão. Este foi o último festival que realizei lá.

Há cerca de 60 anos, através de artistas e compositores como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Edu Lobo destacando-se nos festivais de música da época, surgiu a Música Popular Brasileira (MPB). Como você descreve a trajetória dessa jovem senhora que nasceu na ditadura militar do Brasil antes de consolidar-se como um movimento musical com forte caráter político e cultural?

Começou com um banquinho e um violão, com a bossa nova, e foi crescendo através do teatro e posteriormente na televisão. A grande visibilidade que [a música] teve atraiu a atenção dos militares, forçando a extrema criatividade dos artistas para driblar a então poderosa censura. Talvez ela tenha sido uma espécie de válvula de escape diante da censura, perseguição e opressão frente a situação.

Entre outros elementos que caracterizavam a MPB há a diversidade de influências e ritmos como a bossa nova, o samba, o folclore e o rock. Quais são os elementos que posteriormente foram agregados à MPB e o que eles trouxeram ao gênero?

A MPB está morrendo, além do fato de que, hoje, qualquer um que cante em português é rotulado, classificado, como pertencente à MPB, na qual foi agregada a tecnologia.

Qual a grande mudança que houve na MPB, além da inserção de outros gêneros musicais?

Houve várias mudanças. A entrada dos festivais na TV, a descoberta de Elis [Regina]. A entrada da música sertaneja, a entrada das guitarras, da temática urbana e finalmente a tecnologia.

Há na atual MPB artistas, compositores, cantores, instrumentistas com a mesma relevância daqueles dos anos 1960? Quais são eles?

Existem pelo Brasil centenas de novos músicos, cantores e compositores, mas eles não têm a exposição necessária como no tempo dos festivais que tiveram Elis, Caetano, Gil, Chico, Bethânia e tantos outros. Mas posso destacar Chico Science e a Nação Zumbi, as cantoras Tulipa Ruiz, Tiê, Céu, o grupo BaianaSystem e Lenine.

Festivais de música popular ainda são possíveis de arrebatar um país? Como?

Pela televisão somente, não. Mudou a forma de fazer e divulgar música com a entrada da internet e o aparecimento de novas tecnologias. Hoje alguém com conhecimento musical e um laptop pode fazer sua música e divulgá-la, sem sair do seu quarto. Além das novas mídias que provocaram o aparecimento do expectador solitário.

Por que os festivais estão rareando e não têm a mesma relevância dos festivais dos anos 1960?

Mudou a mídia. A própria TV perdeu relevância. Hoje precisamos trabalhar muito a internet e os novos meios de divulgação, como o streaming.

Que tipo de festival você produziria para que a MPB voltasse a ser apreciada e divulgada como era feito na ocasião dos festivais da TV Record?

A MPB sempre enfrentou a concorrência da música americana que, através da política do Departamento de Estado dos Estados Unidos e de grandes eventos como Rock in Rio e Lolapalooza, fazem com que centenas de milhares de brasileiros cantem em inglês. Um novo festival teria que buscar esses novos meios de divulgação, e os produtores de espetáculos precisam valorizar mais o posicionamento do artista nacional, pois há maior concorrência vinda de fora.

A tecnologia sempre ocasionou mudanças significativas para o mundo, como a invenção da prensa de Gutemberg, no século 15. Como um festival de MPB pode ser inserido no universo das redes sociais?

Aliando divulgação em TV aberta e fechada com os novos formatos digitais.

Como está sua saúde e o que o impede de realizar um festival de MPB, na atualidade?

Estou tão velho quanto a MPB, e a saúde, boa, mas um pouco abalada pelo tempo. Ainda assim fiz o Projeto 60, no qual está incluso um festival da Nova Música do Brasil, cujo título é inspirado no primeiro festival que realizei para a TV Cultura e no programa que faço para a Rádio Cultura Brasil: “Solano Ribeiro e a Nova Música Do Brasil”, além de um [espetáculo] musical, uma exposição imersiva, um documentário musical, um livro e também um disco.

A grande audiência para as emissoras de TV, aliada ao aumento da venda de discos pela gravadoras, garantiam o sucesso dos festivais de música, assim como o orçamento destinado a este tipo de evento. Qual garantia pode ser dada atualmente, para um veículo ou marca, de que um festival de MPB será um sucesso?

Será preciso encontrar formato que sirva para as novas formas de exibição e exportação. O produto de mais baixo custo para sua produção, inclusive para exportação, é a música popular. Porém a APEX [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, que promove a presença brasileira na economia global], que usa em sua propaganda músicas de Caetano Veloso e Assis Valente, ignora a música popular como produto de exportação. Há alguns anos a música popular na Inglaterra rendeu mais divisas do que a indústria automobilística. Muitos dos cantores, músicos e compositores brasileiros preferem lançar os seus trabalhos no Japão.

Como você está comemorando os 60 anos da MPB, ou como pretende comemorar?

Conseguindo patrocínio para o Projeto 60 que, ao ser realizado, além de mostrar o passado às novas gerações vai possibilitar o aparecimento de centenas de músicos, cantores e compositores que não encontram espaço na mídia.



Fonte ==> Folha SP

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