O que Paula Lavigne, o agronegócio, Virgínia Fonseca, Lei Rouanet, Gal Costa e Bolsonaro têm em comum? Estavam todos na boca do Silva, cujas falas revoltadas durante uma apresentação em Brasília viralizaram esta semana.
Silva, que já foi queridinho da crítica por sua voz suave e seu repertório de MPB, parecia ali em crise com o próprio lugar na música. Em alguns dos vídeos que andam circulando nas redes sociais é possível ver o cantor reclamando da indústria fonográfica, da cena musical brasileira, de empresas de agenciamento de artistas, da Paula Lavigne, da Luisa Sonza, da Lei Rouanet e até do apresentador Serginho Groisman que, segundo Silva, “chama no programa dele só pra cantar músicas dos outros.”
Vale ressaltar que Silva ganhou alguma projeção justamente cantando músicas de outras pessoas. Sua discografia inclui, inclusive, um álbum inteiro em que canta canções de Marisa Monte.
“Mynd, vai se f*der”, segue Silva. “Luísa Sonza, vai se f*der. Música virou publicidade. Vamos fazer música séria nesse país. Estamos no país de Gal Costa, João Donato, Tom Zé.” Mynd, empresa de agenciamento à qual ele se refere, é uma das maiores do país e representa nomes como Xamã e Pabllo Vittar.
As falas, se tiradas de contexto, poderiam ser interpretadas como um aceno para a galera do conservador, esses que vivem falando mal da lei de incentivo à cultura, odeiam a Paula Lavigne, acham o Serginho Groisman muito woke e dizem que o que personagens pop como Luisa Sonza e Pabllo Vittar fazem “não é música”.
Mas o cantor não para por aí. Em outros momentos do fatídico show no Festival Vibrar, Silva dispara contra a extrema direita, diz que Bolsonaro já deu, que não usa dinheiro do agro e que Virgínia Fonseca faz os pobres perderem o dinheiro que nem têm.
Até pros bissexuais sobrou. “Sou gay”, ele disse. “Não sou bi, não, porque a galera fala que é bi. Eu sou gay mesmo. Sou gay.”
De início confesso que fiquei confusa. E parece que não fui a única. É possível perceber nos vídeos que nem a plateia assistindo ao vivo parece saber exatamente quando e se deve aplaudir ou não as falas do cantor. Em certos momentos é possível ouvir gritos de apoio, em outros, ouve-se um silêncio levemente constrangedor.
Talvez eu esteja sem o que fazer, talvez eu esteja apenas buscando algum assunto inútil para não ter que prestar atenção em todos os outros que realmente importam, mas a verborragia aparentemente incoerente de Silva me irritou profundamente. Especialmente porque esse tal discurso de “isso aí não é música”, “isso aí não é literatura”, “isso aí não é cinema” é irritantemente recorrente. Já ouvimos as mesmas coisas saírem da boca de uma elite conservadora pertencente aos mais diversos espectros políticos (da direita à esquerda). Gente que olha para o popular —ou seja, aquilo que é do agrado do povo— como menor, de pior qualidade, que não merece o status de “arte”.
O moço poderia estar tendo um dia ruim? Provavelmente estava. Mas o amargor que saiu ali de dentro me parece dizer mais. É coisa de gente privilegiada, que, frustrada com suas próprias escolhas profissionais, não hesita em achar culpados pelos seus próprios e autopercebidos fracassos. Por mais que qualquer indústria mereça críticas (e que eu concorde totalmente com alguns dos alvos de Silva), seu discurso neste domingo pareceu estar mais relacionado ao desconforto de olhar no espelho e não gostar do reflexo.
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Fonte ==> Folha SP