Com a tarifa mais alta em vigor no planeta — 50% sobre as exportações aos Estados Unidos — o Brasil subiu ao pódio nada honroso de pior negociador no tarifaço de Donald Trump.
O título é resultado da estratégia — ou ausência dela — do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, desde o anúncio da ofensiva americana, em 2 de abril, tem se emaranhado em discursos e narrativas que, na prática, apenas postergaram as negociações com a maior economia do planeta.
Enquanto todos os países ou blocos econômicos impactados conseguiram algum acordo de redução das sobretaxas nas conversas com Donald Trump, o Brasil ainda corre o risco de enfrentar sanções e tarifas adicionais devido à sua importação significativa de óleo diesel da Rússia, vista como apoio ao “regime de Putin” e à “máquina de guerra” na Ucrânia.
Não por falta de tempo, Trump e Lula ainda não conversaram sobre o tema. O petista tem considerado as tarifas uma “chantagem inaceitável”, já que parte da justificativa de Trump para as tarifas se deve ao que classifica de perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.
Pressionado pelo setor produtivo, o Planalto consumiu as últimas quatro semanas em reuniões comandadas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, e com pouquíssima negociação real: só houve um encontro de alto nível, entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado Marco Rubio, que não trouxe resultados concretos.
Neste ínterim, Lula se concentrou em bravatas e discursos sobre soberania e dignidade nacional na tentativa de catapultar sua popularidade com o confronto ao inimigo externo. O ápice desse roteiro desastrado ocorreu na quarta-feira (6), quando, em entrevista à Reuters, Lula disse que não será “humilhado” em negociações comerciais com a Casa Branca.
A imprensa internacional, que repercutiu o caso, relembrou que os norte-americanos deixaram portas abertas. O próprio Trump chegou a dizer que Lula poderia telefonar para ele quando quisesse para falar de tarifas. Não adiantou. “A minha intuição diz que ele [Trump] não quer conversar”, disse Lula.
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Para Juliana Inhasz, economista do Insper, Lula não está “sabendo ler” corretamente o jogo. “Não negociar e ficar fazendo oposição, esse tipo de oposição meio que na marra, faz com que a gente perca mais”, afirma. “Parece estar com uma ‘síndrome de Chihuahua’, o cachorrinho que vai para cima de um rottweiler ou de um doberman, sem medir as consequências.”
Simão Sílber, professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que as “bravatas” de Lula chegam a “beirar a insanidade”. “[O Brasil] levou o maior imposto de importação do planeta”, destaca. “Uma parte muito grande de produtos brasileiros não pode mais entrar nos Estados Unidos. Trucar os Estados Unidos é coisa de maluco.”
Setou produtivo pressiona por negociação
Desde a vigência, em 6 de agosto, das ordens executivas que impuseram as tarifas, os setores atingidos — de carnes e café a celulose e minério — buscam alternativas para minimizar o estrago, ainda a ser calculado em termos de perda de empregos e faturamento. Mesmo com os cerca de 700 itens de uma lista de exceção — que pagarão uma taxa de 10% — mais da metade das exportações brasileiras atuais ainda são afetadas.
“Não há racionalidade na atitude de Lula”, diz Mauro Rochlin, da FGV-SP, lembrando que as exceções abertas por Trump não foram resultado de nenhum tipo de negociação bilateral, mas da necessidade norte-americana de não interromper suas cadeias produtivas. “É preciso colocar alternativas na mesa, como o tema das big techs e das terras raras.”
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é uma das vozes do governo que defende o uso dos minerais críticos nas negociações para tentar reverter ao menos parte dos impactos do tarifaço, entre eles as chamadas terras raras, essenciais para tecnologias de ponta, carros elétricos e sistemas de defesa.
O Brasil tem a segunda maior reserva mundial desses minerais, atrás apenas da China, e Washington busca ativamente diversificar suas fontes de suprimento para proteger sua indústria e autonomia tecnológica.
Em 2020, em seu primeiro mandato, Donald Trump declarou emergência nacional no setor de minerais críticos, visando cortar a dependência da China. Acordos já foram feitos com países como Ucrânia e Indonésia para garantir acesso a esses recursos. O Brasil se encaixa como uma alternativa potencial nesse cenário.
O encarregado de negócios da embaixada norte-americana no Brasil manifestou interesse em um acordo que contemplasse a exploração de terras raras em solo brasileiro. “Se esse mineral já é crítico, eu vou pegar para mim. Por que vou deixar outro pegar?”, respondeu Lula, omitindo que o Brasil não tem capacidade de processar esses minérios e que os chineses estão “abocanhando” as jazidas em quantidades cada vez maiores.
Tarifaço é oportunidade para discurso eleitoral
Para os analistas, Lula insistiu na retórica do confronto com os EUA após pesquisas de popularidade indicarem apoio ao discurso em determinadas camadas da população. Mas a avaliação é que esse cenário não se sustente. Embora o Planalto deva usar as tarifas como desculpa para tudo que sair errado na economia, a responsabilização por um quadro adverso na economia deverá recair sobre o mandatário. “Lula está com a cabeça em 2026”, diz a economista do Insper. “Mas até lá, ainda há meio ano de 2025 que vai ser difícil de engolir e a estratégia pode dar muito errado.”
Por isso, para Inhasz, a melhor alternativa seria tentar uma negociação. “O papel dele [de Lula] aí é diminuir as perdas — não dá para zerá-las, porque isso é impossível — mas dá para amenizar”, diz. “Eles [os EUA] estão numa vantagem de negociação estratégica muito grande. Quando o presidente Lula toma uma postura muito reativa, ele está assumindo os riscos.”
Na contramão desse raciocínio, o Planalto oficializou, nesta quarta-feira, a abertura de uma consulta na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos. O Itamaraty denunciou as tarifas como uma afronta aos princípios fundamentais da OMC — especialmente o da Nação Mais Favorecida — e caracterizou as sobretaxas como “arbitrárias e caóticas”, alertando ainda para o “risco de desestabilização das cadeias globais de valor e paralisação da economia mundial”.
A medida reafirma a indisposição do Planalto para negociações diretas com Trump, optando por reforçar o sistema multilateral como via de resolução. Os analistas, no entanto, destacam que o sistema de solução de disputas da OMC está enfraquecido — em grande parte paralisado desde 2019 devido a bloqueios causados pelos EUA — o que limita a eficácia de qualquer recurso formal. Ou seja, o Brasil pode acabar isolado.
Paralelamente, o governo faz o movimento contrário de se voltar ao Brics como forma de contraponto a Trump. Lula telefonou, na quarta-feira (6), para o primeiro-ministro indiano Narendra Modi para reforçar a parceria comercial entre os dois países, os mais afetados pela guerra comercial.
A conversa ocorreu poucos dias depois de Trump ampliar para 50% a sobretaxa imposta à Índia, vista como uma retaliação indireta à Rússia por não ceder aos apelos americanos para encerrar a guerra na Ucrânia.
“Correr para o colo do Brics não resolve o problema”, afirma Inhasz. “O bloco não consegue absorver toda a demanda americana pelos produtos brasileiros, além de irritar Trump e piorar as relações comerciais com a economia americana. É uma opção inconsequente.”
Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br