China e EUA são superpotências predatórias – 30/09/2025 – Martin Wolf

China e EUA são superpotências predatórias - 30/09/2025 - Martin Wolf

O segundo mandato de Donald Trump está transformando o mundo. É bastante provável que o regime autocrático que ele e seus asseclas na administração e na Suprema Corte estão criando perdure. Mesmo que não perdure, terá mudado o mundo simplesmente por ter acontecido.

O que aconteceu uma vez pode acontecer novamente. Isso deve transformar as visões do futuro. No entanto, esse futuro não será determinado apenas pelos EUA. A China também é uma superpotência. Então, que papel ela poderia desempenhar nessa nova era?

Comecemos com os EUA. Outras democracias costumavam pensar que compartilhavam valores fundamentais com eles. Mas estes EUA claramente não compartilham. O próprio Trump é movido por ressentimentos, orientado por acordos e imprevisível. Só isso já torna difícil lidar com ele.

Como acrescenta Célia Belin, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, sua política externa “é sua agenda doméstica exportada”. Assim, ela escreve, “Trump e seu movimento Maga estão usando os mesmos três métodos em casa e no exterior: eliminação, transformação e subjugação.” Em casa, eles buscam eliminar o “Estado profundo” e transformar uma América liberal em uma nacionalista. No exterior, de forma semelhante, buscam eliminar alianças e outros compromissos e transformar aliados em vassalos.

Esses objetivos são ruins para a maior parte do mundo e insensatos para os EUA. Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional, adota essa visão de longo prazo em um artigo na Foreign Affairs sobre “A Nova Geografia Econômica”. No mundo pós-Segunda Guerra Mundial, escreve ele, os EUA forneceram segurança a outros países contra todos os tipos de riscos.

Mas os custos que suportaram não ficaram sem recompensa: outros países investiram nos EUA, abriram suas economias para investidores americanos, emprestaram dinheiro aos EUA a baixo custo, fizeram do dólar americano a moeda global e transformaram os mercados de capitais dos EUA no centro das finanças globais. Este foi, então, um acordo mutuamente benéfico.

Trump reclama que os EUA foram “roubados”. O fato, no entanto, é que o país permaneceu a economia mais rica e tecnologicamente avançada do mundo em um período de crescimento global sem precedentes: entre 1950 e 2020, o PIB real global médio per capita aumentou 360%! Roubados? Dificilmente.

Infelizmente, Trump acabou com esse grande acordo. Em seu lugar, vemos uma série de acordos não confiáveis e predatórios. Além de impor enormes tarifas a países que pensavam ser amigos da América, Trump exigiu que dinheiro fosse investido a seu próprio critério, para grande irritação dos parceiros estrangeiros. Isso é puro gangsterismo.

Outra maneira de pensar sobre o que aconteceu é que no antigo mundo de confiança nos EUA, havia interdependência, mas alguns países eram mais dependentes que outros. Isso permitiu que a interdependência fosse “transformada em arma”. Como argumentam Henry Farrell e Abraham Newman, os EUA fizeram isso com bastante liberdade. Dentro de relações de longo prazo vistas como mutuamente favoráveis, usar isso como arma, notadamente sobre o uso de sanções, era tolerado, ainda que a contragosto. Mas Trump está transformando a interdependência em um estrangulamento. Isso é uma questão muito diferente.

Além disso, outros podem jogar esse jogo. De fato, a China já está jogando. Essa ideia é apresentada de forma contundente por dois economistas europeus, Moreno Bertoldi e Marco Buti, em um artigo que discute como a UE está presa entre uma “superpotência extrativa” e uma “superpotência de dependência”. A China é a última: ela cria dependência.

Ao inundar mercados com seus produtos, exacerba os desequilíbrios comerciais e macroeconômicos globais. Sua exploração das regras da OMC em apoio às indústrias nascentes mina a confiança no sistema comercial baseado em regras que supostamente apoia. Sua transformação de materiais críticos em armas e controle da cadeia de suprimentos de energia limpa também está enfraquecendo o apoio a políticas destinadas a combater as mudanças climáticas, principalmente na UE. No entanto, a China é um parceiro mais confiável e racional do que os EUA de hoje: pelo menos, não nega as realidades climáticas.

É impossível para o resto do mundo ignorar essas superpotências predatórias, já que juntas geram 43% do PIB global a preços de mercado (e 34% na paridade do poder de compra). Mas é preciso encontrar alguma forma de gerenciar seu impacto global.

Parte da resposta deve ser a proteção. Os EUA deveriam ser a principal vítima disso, já que têm, de longe, as alianças mais valiosas. Mas um regime que destrói alegremente seus principais ativos nacionais —suas grandes universidades, sua preeminência científica, sua abertura a imigrantes brilhantes e até mesmo o Estado de direito— não se preocupará com isso.

Além disso, Trump acredita que aliados podem ser transformados em vassalos. Isso não é inconsistente com o comportamento deles. O Reino Unido escolheu ser um vassalo. Isso, ironicamente, é uma consequência da busca do Brexit por uma soberania nacional aprimorada. Mas Japão, Coreia do Sul e até mesmo a UE não parecem muito diferentes, até agora.

No entanto, espero que isso não dure. Tanto ex-aliados quanto outros países buscarão alternativas. Isso aumentará a influência da China. De fato, os EUA já empurraram a Índia e o Brasil para mais perto de Pequim: Xi Jinping deve agradecer silenciosamente a Trump por seus erros flagrantes todos os dias. Em toda probabilidade, então, os países tentarão jogar uma superpotência contra a outra. Índia e Brasil se comportarão dessa maneira, assim como outros.

As opções de se tornar vassalo e colocar uma superpotência contra a outra ainda deixam uma terceira alternativa. O mundo para o qual estamos nos movendo será mais pobre, mais instável e mais perigoso do que aquele que tínhamos antes de os EUA abraçarem o Maga. Outros países deveriam ousar seguir um curso mais independente, juntos, inclusive na gestão de bens públicos globais, como saúde, clima e até segurança. A UE poderia ajudar a liderar o caminho nisso? Isso pode parecer uma fantasia agora. Mas coisas mais estranhas já aconteceram.



Fonte ==> Folha SP

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