Como a Europa pode assumir o lugar dos Estados Unidos – 11/03/2025 – Martin Wolf

A imagem mostra três bandeiras hasteadas. À esquerda, a bandeira da Polônia, que é branca e vermelha. No centro, a bandeira dos Estados Unidos, com listras vermelhas e brancas e um canto azul com estrelas brancas. À direita, a bandeira da União Europeia, que é azul com um círculo de estrelas amarelas.

“Estávamos em guerra com um ditador; agora estamos lutando contra um ditador apoiado por um traidor.” Assim, em um discurso brilhante, Claude Malhuret, até então um senador francês pouco conhecido, definiu o desafio de nossa era. Ele estava certo. Agora sabemos que os Estados Unidos e, portanto, o mundo, foram transformados para pior. Mas isso não deveria mais ser tão surpreendente. A dúvida, no entanto, é sobre como a Europa pode e irá responder.

Nos anos 1970, tive a sorte de viver e trabalhar em Washington. Essa foi a era de Watergate. Assisti às audiências no Congresso sobre as más ações do presidente Richard Nixon com admiração. Rapidamente ficou evidente que os membros do Congresso de ambos os partidos levavam a sério e literalmente a sua obrigação de proteger a Constituição. Nixon estava prestes a ser impugnado e condenado. Avisado disso, renunciou devidamente.

Contraste isso com o segundo impeachment de Donald Trump em fevereiro de 2021, pelo crime muito maior de incitar uma insurreição visando reverter os resultados da eleição presidencial de 2020. É impossível para qualquer pessoa sã duvidar de sua culpa. Mas apenas sete senadores republicanos votaram pela condenação. Não foi suficiente. Ao absolvê-lo, o Congresso matou a Constituição. O que aconteceu desde aquele momento era previsível e foi previsto.

Desde os anos 1970, os EUA sofreram um colapso moral do qual é improvável que se recuperem. Vemos isso diariamente no que esta administração está sendo autorizada a fazer com os compromissos dos EUA, com os aliados, com os fracos, com a imprensa e com a lei. Meu colega John Burn-Murdoch também mostrou que as atitudes “Maga” estão próximas das dos russos de hoje: o poder não será facilmente cedido.

Esta é uma verdadeira catástrofe histórica. Mas se os EUA não são mais um defensor da democracia liberal, a única força potencialmente forte o suficiente para preencher essa lacuna é a Europa. Se os europeus quiserem ter sucesso com essa tarefa pesada, devem começar por garantir seu lar. Sua capacidade de fazê-lo dependerá, por sua vez, de recursos, tempo, vontade e coesão.

Sem dúvida, a Europa pode aumentar substancialmente seus gastos com defesa. Embora tenha havido um aumento na parcela do PIB gasto com defesa na última década nos 10 países mais populosos da UE, além do Reino Unido e dos EUA, a Polônia é o único que gasta mais do que os EUA, em relação ao PIB.

Felizmente, as proporções de déficits fiscais e dívida líquida em relação ao PIB da UE27 são muito menores do que as dos EUA. Além disso, o poder de compra do PIB da UE e do Reino Unido juntos é maior do que o dos EUA e supera em muito o da Rússia. Em suma, economicamente, a Europa tem os recursos, especialmente com o Reino Unido, embora precise das reformas recomendadas por Mario Draghi no ano passado se quiser alcançar avanços tecnológicos.

No entanto, esse potencial econômico não pode ser transformado em independência estratégica dos EUA da noite para o dia. Como mostra o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede em Londres, o armamento europeu é muito dependente de produtos e tecnologia dos EUA para que isso seja possível.

Será necessário um segundo e mais escasso ingrediente —tempo. Isso cria uma vulnerabilidade mostrada, mais recentemente, pelo temido impacto do fim do apoio militar dos EUA à Ucrânia. A Europa terá dificuldades para suprir o que estará faltando.

O terceiro ingrediente é a vontade. Os europeus têm que querer defender os tão aclamados “valores europeus” de liberdade pessoal e democracia liberal. Fazer isso será economicamente custoso e até perigoso. Na Europa, também existem elementos de direita com visões semelhantes às dos republicanos Maga, mesmo que não sejam tão dominantes no lado conservador da política como nos EUA.

Mas alguns países —Hungria, Eslováquia e talvez em breve Áustria— terão governos pró-Putin. Marine Le Pen na França já flertou mais do que apenas uma vez com ser pró-Putin no passado. Também é assustador o aumento da extrema direita e extrema esquerda na Alemanha. Em resumo, a Europa tem “grupos favoráveis ao outro lado” quase em toda parte.

Ao mesmo tempo, alguns líderes e países europeus importantes, principalmente a Alemanha, estão mostrando alguma vontade. Em particular, Friedrich Merz, provável próximo chanceler alemão, e seus potenciais parceiros de coalizão concordaram em emendar o “freio da dívida” e gastar centenas de bilhões de euros em infraestrutura e defesa. Merz também disse que a Alemanha faria “o que fosse necessário” para afastar “ameaças à liberdade e à paz” na Europa. No entanto, ele cumprirá? A resposta a essa pergunta é incerta.

Por último, mas não menos importante, está o ingrediente essencial da coesão. Ao contrário dos EUA, China ou Rússia, a Europa não é um Estado. De fato, ao contrário da histeria dos britânicos pró-Brexit, está longe de ser um Estado. Sua capacidade de agir estrategicamente é fundamentalmente prejudicada pelos fatos gêmeos de que lhe faltam uma política compartilhada e finanças compartilhadas.

É melhor vista como um clube que precisa de um alto grau de unanimidade se quiser agir de forma eficaz e legítima em questões de política externa e defesa. Os europeus foram caronas dos EUA porque isso era o natural para cada um deles fazer. Infelizmente, o mesmo ainda se aplica se os EUA os abandonarem.

Muitos membros estarão inclinados a deixar o fardo para algumas grandes potências. Mas mesmo coordenar as políticas e os militares da Alemanha, França e Reino Unido será difícil, porque isso deve ser feito por um comitê de iguais —falta um líder.

Em resumo, temos uma força irresistível e um objeto imóvel: a imprevisibilidade de Trump é a força; e as dificuldades em fazer a Europa mobilizar sua vontade são o objeto imóvel. Além disso, superar o último tem que ser feito rapidamente. Até que isso seja feito, a Europa ainda dependerá fortemente para sua segurança de um EUA imprevisível.

Se a Europa não se mobilizar rapidamente em sua própria defesa, a democracia liberal pode naufragar por completo. Hoje se sente um pouco como os anos 1930. Desta vez, infelizmente, os EUA parecem estar do lado errado.



Fonte ==> Folha SP

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