Como lidar com o incômodo de completar 42 anos solteira? – 04/09/2025 – Amor Crônico

Como lidar com o incômodo de completar 42 anos solteira? - 04/09/2025 - Amor Crônico

Cara leitora, quem te responde é uma psicanalista, pesquisadora de relacionamentos que é também uma mulher solteira de 41 anos. E que, por isso, em alguns momentos já se incomodou como você ao se nomear “solteirona” —seja no divã da analista, seja naquele sábado à noite em que parte de mim “queria querer” ser a versão dos 35: aquela que, obviamente, estaria aberta aos programas hipsters, rindo de si mesma enquanto flerta com um quarentão recém-separado, meio intelectual-meio de esquerda, numa festa num lugar descolado da Barra Funda. Mas a versão de hoje quer mesmo é ficar em casa. Escrever mais algumas páginas do livro que finalmente sai do papel. Acordar cedo para a hot yoga. Fazer um bom jantar sozinha, mas em boa companhia: uma longa conversa com a amiga querida que mora em Los Angeles e que, como eu, também está solteira.

Dá a sensação de que cada vez menos estou ativamente “à caça” de alguém. E, paradoxalmente, talvez pelos anos de análise e pelo meu próprio trabalho de pesquisa sobre o amor, sinto-me cada vez mais capaz de bancar meu desejo de uma relação sem me sentir uma perdedora por isso. Já não caio mais no clichê da pergunta autopiedosa e autorreferente do “qual é o problema comigo?” para tentar justificar os anos sem namorado. O que aprendi é que desejar alguém não me diminui.

Sim, eu adoraria ter um namorado. Talvez um casamento. Ainda penso em filhos. Mas confesso: vou com menos esforço e abertura do que antes e também com menos companhia e menos contexto para “correr atrás.”

As escolhas de investir e valorizar outros amores que não o romântico são conscientes mas a chegada aos 40 parece trazer à tona uma espécie de medo inconsciente e questionável por nós que nos consideramos analisadas e reconstruídas: estou ficando para trás… E se perder o timming de ser também feliz no amor romântico?!

Eu, que sempre lutei para que mulheres não fossem reduzidas à sua relação com os homens, me vejo encolhida na angústia de projetar uma vida pequena só porque não tenho pequeninos meus ou um pequeno grande amor. Sei como é. E te digo: você não está sozinha. Não é incoerente. E tampouco está traindo a “classe das mulheres que batalham pela desconstrução” ao se incomodar.

Precisamos falar sobre esse incômodo. Ele não é individual. Ele não é apenas eco de gerações passadas. Às vezes me sinto como uma jogadora iniciante em um treino de tênis profissional, tendo que rebater bolas lançadas em alta velocidade de todos os lados: “mas tá solteira por quê?”. “Tão bonita, tão inteligente… e sozinha? Não entendo.” E antes esses comentários viessem apenas das tias Veras… Já perdi as contas de quantas amigas desconstruídas independentes inteligentes iniciaram as ligações pra mim com a pergunta “e ai, conheceu alguém?” assim que eu voltei de uma viagem importante de um congresso à trabalho por exemplo… Como se o que valesse mesmo fosse a história de amor que pudesse surgir magicamente —e não o fato de eu ocupar um cargo de destaque pelo qual batalhei anos…

E o perverso é que a pergunta incomoda porque ela é também eco de um desejo nosso. Em algum lugar a gente também vai pro congresso querendo viver um romance surpresa, vai viajar de férias com as amigas pensando se vai sentar magicamente do lado de um cara mega interessante no avião e se apaixonar, vai ao casamento de uma amiga tentando se convencer de que está lá apenas para celebrar o amor alheio, mas, no fundo, deixando uma frestinha aberta para a fantasia de encontrar alguém no balcão do bar da festa. Ou até mesmo vai ao supermercado numa terça-feira à noite, de legging e coque no alto da cabeça, e pega a si mesma ensaiando uma microcena de comédia romântica: esbarrar no moço da fila do caixa, derrubar as maçãs da sacola e, quem sabe, começar ali uma história.

São devaneios que parecem ridículos, mas não são. Eles revelam como o desejo de amar e ser amada atravessa tudo: do mais intelectualizado congresso internacional às compras banais da semana. O documentário americano “Miss Representation” mostra que 89% dos filmes com protagonistas mulheres são histórias de romance. Aprendemos que esta é nossa grande história e desde pequenas desejamos ser desejadas. As vezes tanto que nem sabemos direito o que queremos. “Não me leve a mal… Eu só quero que você me queira” já cantávamos com os Mutantes (até a Rita moderníssima embalou nossos sonhos de Cinderela querendo ser escolhida pelo príncipe).

E aqui o problema não é desejar, mas sim o peso extra que recai sobre nós mulheres: como se esse desejo, se não realizado dentro do cronograma social, se transformasse em motivo de vergonha.

Quando o sufixo “-ona” aparece no “solteira”, ele não descreve um estado atual, mas impõe uma sentença: como se fosse uma condição irreversível, uma doença contagiosa, uma caricatura da tia dos gatos. E percebo que nos 40 ele ganha esse peso pois essa década traz uma espécie de declínio da curva da fertilidade, como se já estivéssemos “passando do ponto” para termos filhos e, já que culturalmente no tal cronograma social você só deixa de ser solteira a primeira vez pra casar, para ter filhos… Se você já não pode mais oferecer isso à alguém, então você é um produto que já não pode oferecer muito… (e ninguém nem te perguntou se você quer ter filhos né? Por que pode ser que você nem queira. Ou que queira e adote, ou tenha com óvulos que já congelou, ou seja uma ótima madrasta. Não é por que você não tem óvulos jovens que não é digna de ser amada. Mas surge aqui mais uma camada de julgamento para nos desqualificar)

Julia Kristeva, em “Powers of Horror” (Poderes do Terror), descreve como a cultura relega ao campo da abjeção tudo aquilo que ameaça suas fronteiras: o que lembra a fragilidade do corpo, a sujeira, a morte, o envelhecimento. O feminino, quando não cumpre os papéis normativos de esposa ou mãe, muitas vezes é empurrado para esse mesmo lugar simbólico. A infertilidade, a velhice ou simplesmente o não estar “acompanhada” são tratados como restos incômodos, aquilo que a sociedade prefere expulsar de sua narrativa idealizada. É nesse registro que a palavra “solteirona” dói tanto: não fala apenas de estado civil, mas do risco de ser lida como sobra, como alguém fora da cena principal.

E talvez seja isso que mais nos fere: não é apenas estar solteira, é carregar a suspeita de que, sem o selo de um par, ocupamos esse lugar de sobra. Como se nossa vida fosse nota de rodapé até que alguém nos coloque de volta no texto principal.

E nessa busca pelo “comeback triunfante no 2º ato” muitas de nós nos afogamos num descaminho da busca por autoconhecimento: Quando leitora me diz: “tenho questões mal resolvidas com meu pai, e enquanto não resolver entendi que não serei feliz no amor”, vejo aí a armadilha: esta lógica transforma a angústia em punição pois se o problema é meu, eu controlo e, se há controle a angústia já ganha algum contorno e parece ser menos aterrorizante. É assim que coaches de relacionamento e matchmakers tem ganhado fortunas, na promessa de “consertarem” você para que você seja o melhor produto na prateleira. A que custo psíquico? Melhor pra quem? E o melhor é mesmo uma versão sem traumas e sem questões existenciais? Sei que lidar com a dor humana é difícil mas ainda prefiro acreditar num amor que seja testemunha e suporte e não num amor que só esteja ali pra celebrar e postar… Todos temos questões mal resolvidas. Se esperarmos estar “curadas” para amar, morreremos todas sós.

Ou, talvez pior, morreremos acompanhadas, sendo as versões que supomos que os outros desejam, sendo personagens de um roteiro que não nos pertence, tentando controlar aquilo que, por essência, é imponderável: o amor.

A verdade é que nossas vidas já são texto. Já são narrativa inteira, mesmo quando não correspondem ao roteiro esperado. Reconhecer o incômodo de se sentir “solteirona” não significa se reduzir a ele; significa perceber como esse incômodo é socialmente fabricado, e como resistir a ele pode ser também um gesto de autoria.

É por isso que precisamos de outras narrativas. Quero te contar, por exemplo, de onde escrevo esta coluna: da Itália, o país do amor. Vim viajar com uma amiga —também solteira, também já considerada e também já atravessada pelo incomodo de se sentir “solteirona”, a mesma que mora em Los Angeles. Vivemos dias de amor al mare, sem nenhum flerte romântico. Talvez, no planejamento, tenhamos projetado o clichê do apaixonamento gringo. Mas o que vivemos foi outra coisa: dias de deleite, conversas profundas, vulnerabilidade compartilhada, orgulho e prazer por podermos as duas bancar emocional e financeiramente nossos desejos, guiarmos nossos carros e destinos. E também dias lindos de reconhecermos o que nos falta sem nos reconhecermos faltantes. Seguiremos querendo nos apaixonar. Mas seguiremos apaixonadas por nossas vidas e comprometidas a sermos protagonistas dessas narrativas lindas.

Olhar o sufixo “ONA” de outra maneira aos 40 talvez seja poder se apropriar da grandeza e da força que é poder investir nos próprios sonhos e nutrir as relações que fazem sentido. Do tamanho que já temos por decidirmos todos os dias seguir apostando em vinculações com gente aberta e nos implicando a sairmos do papel das princesas na torre ou das vítimas dos lobos maus narcisistas para sermos mulheres, de 40 e poucos, cheias de desejos incoerências potências e impotências. Cheias de vida, de tempo. Tempo que nos traz novas perspectivas e não que se esvai na ampulheta. Aquele que nos convida a degustar os encontros, a sentir mais e entender menos, a sustentar os próprios limites e aprender a colocá-los sem ter medo de que o outro não nos deseje mais.

Não queremos “só que você me queira”. Queremos isso também. E às vezes a carência vai bater… Tá tudo certo. Ela não é mau presságio é só um dia ruim. Vai passar. E ao invés de se culpar ou querer resolver seus sentimentos, passeie com ele. E com elas.

Cultivar amizades com outras solteiras é transformador: mulheres que escrevem aventuras, comédias, romances e não apenas tragédias. Ter com quem dividir uma taça de prosecco por dia, quem inspira e lembra que nossas histórias não precisam ser pequenas.

Dedico esta coluna a ela Carol Saraiva, minha amiga há 20 anos com quem me reencontrei por acaso, escolha e amor e com quem juntas, no país que convida a degustar a vida, pude degustar dias de amor próprio e ressignificação do tempo. Talvez a maior revolução seja essa: descobrir que nunca estamos realmente sozinhas. E que nossas histórias de amor já são grandes o suficientes. Talvez só precisemos contá-las com mais frequência.

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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