Como Netanyahu fez Trump de bobo em Gaza – 06/08/2025 – Thomas L. Friedman

A imagem mostra uma reunião em uma sala com uma mesa de jantar. À esquerda, um homem com cabelo loiro e terno escuro está estendendo a mão para receber um documento de outro homem à direita, que está usando um terno escuro e segurando um envelope. Ao fundo, há bandeiras dos Estados Unidos e de Israel, além de quadros nas paredes. A mesa está decorada com flores e há copos de água e pratos dispostos.

No dia 26 de julho, o jornal israelense Haaretz publicou a seguinte manchete: “Israel em guerra, dia 659. Fontes médicas em Gaza: pelo menos 25 mortos por disparos israelenses, alguns enquanto esperavam por ajuda”.

Se você estivesse acompanhando atentamente essa história na Faixa de Gaza, saberia que o Haaretz vinha publicando manchetes semelhantes quase todos os dias durante semanas —a única coisa que mudava era o número de palestinos mortos enquanto esperavam por ajuda alimentar distribuída por Israel na Faixa de Gaza.

Ao ver essas histórias se acumularem, me ocorreu o seguinte pensamento: cerca de um mês antes, Israel havia conseguido assassinar dez oficiais militares iranianos importantes e 16 cientistas nucleares dentro de suas casas e escritórios. Então como era possível que Israel tivesse capacidade de destruir alvos precisos no Irã, a cerca de 1.900 km de Tel Aviv, e não conseguisse entregar com segurança caixas de comida para moradores famintos de Gaza, a apenas 64 km de distância?

Isso não parecia um acidente. Parecia o resultado de algo mais profundo, algo bastante vergonhoso, em jogo dentro do governo extremista do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Figuras-chave da coalizão governista de ultradireita de Bibi, como o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, defendiam abertamente uma política que levaria à fome de muitos palestinos em Gaza —a ponto de forçá-los a deixar completamente o território.

Bibi sabia que os Estados Unidos não permitiriam que ele fosse tão longe, então forneceu apenas o mínimo de ajuda necessário para não ser derrubado pelos extremistas supremacistas judeus que trouxe para seu governo.

No entanto, isso acabou sendo mínimo demais, e imagens terríveis de crianças desnutridas começaram a surgir de Gaza, levando até o presidente Donald Trump a declarar que “essa coisa de fome em gaza é real”. “Isso não dá para fingir. Precisamos alimentar essas crianças.”

Como chegamos ao ponto em que um Estado judeu democrático, descendente em parte do Holocausto, está envolvido numa política de fome em uma guerra contra o Hamas —a mais longa e mortal entre israelenses e palestinos na história de Israel— e que não dá sinais de terminar?

Minha resposta: o que torna essa guerra diferente é que ela coloca o que considero o pior, mais fanático e amoral governo da história de Israel contra a pior, mais fanática e assassina organização da história palestina.

Esta é a primeira guerra israelo-palestina em que os piores líderes de ambos os lados estão no comando. Os partidos de oposição moderados em Israel e a Autoridade Palestina na Cisjordânia não têm nenhuma influência. E é por isso que não posso dizer como ou quando ela terminará. Porque Netanyahu ainda insiste em uma “vitória total” sobre o Hamas —o que jamais alcançará— e a liderança do Hamas ainda insiste em sobreviver à guerra para continuar controlando Gaza no dia seguinte —algo que não merece.

Vamos aos fatos: há meses o Hamas está plenamente ciente da grave escassez de alimentos e moradias em Gaza —escassez que ajudou a desencadear ao lançar um ataque selvagem contra Israel em 7 de outubro de 2023, sem nenhum plano para o dia seguinte além de matar o maior número possível de judeus, e sem estratégia para proteger os civis em Gaza da retaliação israelense, que sabiam que seria brutal.

Há meses o Hamas também sabe que, se libertasse os reféns israelenses, concordasse em deixar Gaza e convidasse uma força de paz árabe, apoiada pela Autoridade Palestina, para administrar o território, o sofrimento dos moradores de Gaza cessaria imediatamente.

Mas o Hamas se recusa a fazer isso. Ele não apenas quer manter o controle de Gaza após um eventual cessar-fogo, como também quer que os Estados Unidos garantam sua segurança contra futuros ataques israelenses caso entregue os últimos reféns, que mantém escondidos em túneis e outros locais há mais de 21 meses. Trata-se de uma organização doentia e perversa, que carrega enorme responsabilidade pelo sofrimento em Gaza.

Mas o que muita gente ainda não percebeu é o quão doente é o atual governo israelense. Muitos funcionários americanos, parlamentares e judeus continuam tentando se convencer de que este é simplesmente mais um governo direitista israelense —apenas um pouco mais à direita. Errado.

Como venho argumentando desde minha coluna de 4 de novembro de 2022, publicada logo após a eleição desse governo israelense, intitulada “Israel que conhecíamos acabou”, este governo é excepcionalmente ruim.

Ele deu poder a figuras como o ministro das Finanças Bezalel Smotrich, que no ano passado sugeriu que bloquear ajuda humanitária para a Faixa de Gaza é “justificado e moral” mesmo que isso leve 2 milhões de civis à morte por fome —mas que a comunidade internacional não permitiria.

“Nós fornecemos ajuda porque não temos escolha”, disse Smotrich em uma conferência organizada pelo jornal de direita Israel Hayom. “No cenário atual, não podemos conduzir uma guerra. Ninguém nos deixará causar a morte por fome de 2 milhões de civis, mesmo que seja justificado e moral, até que nossos reféns sejam devolvidos.”

Essa linguagem merece ser analisada, pois revela o núcleo do que Netanyahu fez com Israel. Ele trouxe para o poder pessoas como Smotrich —representantes de uma corrente sombria e há muito reprimida da história judaica.

Existe uma luta profunda dentro da tradição judaica entre aqueles que acreditam que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus —e, portanto, existe algo chamado humanidade, e que parte do pacto judaico com Deus envolve proteger toda a humanidade— e uma visão minoritária que argumenta que não há humanidade, por si só; só existem nós e eles. Para os judeus sobreviverem e prosperarem nesta região, segundo essa linha de pensamento, é preciso superar o humanismo, não se guiar por ele.

Essa vertente sempre existiu, mas nunca teve o poder que tem hoje. Jamais havia sido colocada no controle da enorme e avançada máquina de guerra de Israel. Esta é a contribuição única de Bibi. Ele não apenas deu poder aos piores dos piores em Israel, como também procurou ao mesmo tempo libertá-los do império da lei. Ele conduziu uma campanha ininterrupta para enfraquecer os guardiões éticos e independentes de Israel, como os ex-chefes do serviço de segurança Shin Bet e das Forças Armadas.

Neste momento, Netanyahu tenta destituir a procuradora-geral independente de Israel, após dois anos tentando enfraquecer os poderes da Suprema Corte —precisamente para fazer algo que nenhum governo israelense jamais fez: anexar formalmente a Cisjordânia, talvez até Gaza— e expulsar o maior número possível de palestinos —sem qualquer restrição legal.

Trump e seu enviado para o Oriente Médio, Steve Witkoff, nunca entenderam isso. Eles acham que todo mundo é tão transacional quanto eles —seja Vladimir Putin ou Netanyahu— e que, no fundo, todos querem paz acima de tudo, e não “um pedaço” da Ucrânia ou “um pedaço” da Cisjordânia ou de Gaza. É assim que Bibi e Putin conseguiram, cada um à sua maneira, fazer Trump e Witkoff de bobos por tanto tempo.

Um exemplo? Em janeiro, Israel e Hamas concordaram com um acordo de cessar-fogo em três fases que incluía troca de reféns e prisioneiros. Mas Trump e Witkoff permitiram que Netanyahu rompesse unilateralmente o cessar-fogo em março, antes que as duas últimas fases fossem negociadas. Bibi citou a recusa do Hamas em libertar mais reféns como condição para retomar as negociações —embora o Hamas nunca tivesse sido obrigado a fazer isso na Fase 1 do acordo mediado pelos EUA.

Uma análise publicada esta semana por Amir Tibon no Haaretz, intitulada “Como Trump facilitou a política de fome de Netanyahu em Gaza e fracassou em trazer os reféns de volta”, argumenta que não havia justificativa militar para Bibi retomar a guerra, já que o Hamas, como força militar, havia sido derrotado.

Tudo foi para servir aos interesses políticos de Bibi. Smotrich e os outros extremistas disseram a Bibi que ele teria que reiniciar a guerra ou seria derrubado, e Bibi enganou Trump e Witkoff, fazendo-os acreditar que poderia libertar os reféns com mais ataques militares e mais sofrimento para os civis de Gaza, confinando a população a um pequeno canto da Faixa.

Tudo isso se revelou um erro. O Hamas não foi derrotado, e quando Israel finalmente teve que retomar o fornecimento de alimentos por meio da sua organização de distribuição, a Gaza Humanitarian Foundation, tudo foi tão mal conduzido que inúmeros moradores de Gaza passaram a morrer todos os dias ao tentar acessar os pontos de distribuição israelenses.

O Hamas, observando que a estratégia de bloqueio e fome de Netanyahu se tornara um desastre de imagem para Israel, aumentou suas exigências nas negociações em curso sobre os reféns, apontou Tibon. A conclusão dele é esta: “Netanyahu arrastou Trump e Witkoff para uma política fracassada —que não trouxe nenhum refém vivo de volta, custou a vida de quase 50 soldados israelenses desde que a guerra foi retomada em março, causou a morte de milhares de civis palestinos e precipitou uma catástrofe humanitária total. As consequências desse fracasso assombrarão Israel por anos.”

Infelizmente, também assombrarão os palestinos, porque temo que isso tenha aumentado as chances de o Hamas sair dessa guerra sem ter que abrir mão do poder em Gaza. Bibi e Hamas vêm, de forma tácita, sustentando a sobrevivência política um do outro há décadas. É bastante possível que esta guerra desastrosa termine com os dois ainda no poder.

Se for esse o caso, diga adeus à solução de dois Estados e olá à guerra sem fim. Porque, parafraseando o filósofo Immanuel Kant, da madeira torta de Bibi e do Hamas, jamais se fará algo reto.



Fonte ==> Folha SP

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