Como sair de um relacionamento ioiô?, pergunta leitora – 18/06/2025 – Amor Crônico

A imagem apresenta uma ilustração com estilo artístico minimalista, dominada por tons quentes e suaves. O cenário retrata um ambiente natural, possivelmente um lago ou mar, cercado por montanhas onduladas ao fundo. O céu está pintado com tons de laranja e amarelo, sugerindo o momento do pôr do sol. Em destaque, duas figuras humanas em forma de silhuetas escuras aparecem em margens opostas de um penhasco ou plataforma de terra. Elas parecem se encarar à distância, separadas por um abismo ou corpo d’água. A figura à esquerda, aparentemente feminina, com o cabelo preso, está em uma posição mais baixa e distante do observador. Já a figura à direita, mais elevada, mantém uma postura ereta voltada para a outra. O grande sol alaranjado no canto superior esquerdo reforça a atmosfera de entardecer. A paleta de cores varia entre laranja, marrom, verde e azul-esverdeado, com uma textura que lembra papel envelhecido ou granulado, conferindo um aspecto rústico e contemplativo. A composição transmite uma sensação de distância emocional ou física entre os personagens, mesmo em meio à tranquilidade da paisagem, sugerindo uma reflexão sobre separação, solidão ou a dificuldade de conexão entre duas pessoas.

“Quando um não quer, dois não brigam”, diria o ditado popular. Humildemente o adapto para “quando um não quer, dois não brincam” para te provocar com uma pergunta difícil e necessária: por que você continua enroscada nesse movimento vertiginoso (e talvez dolorosamente delicioso) de aproximação e afastamento constantes?

Percebo que um nó perigoso que todo aquele que já se sentiu como objeto de uso de um desejo intermitente —puxado para perto quando convém, empurrado para a margem quando pesa— é indagar: “Por que o outro faz isso comigo?!” e quase que implorar por uma espécie de justiça, justificativa, reparação afetiva ou o mínimo de empatia e cuidado. “Apenas pare de brincar com os sentimentos alheios!!”, imploramos. Mas enquanto o foco estiver no outro, você seguirá capturada pela fantasia de que ele é o dono da corda, o mandante do jogo, o juiz do teu destino afetivo. Só que não é sobre ele. Nunca foi. É sobre você.

Talvez você se coloque mais uma vez exatamente nesse lugar porque é preciso haver um amor impossível para que você não encontre ninguém. E, ao não encontrar ninguém, você siga paradoxalmente acompanhada por instâncias muito difíceis de se desapegar, porque são de alguma forma estruturantes: seu ideal de amor e as ideias que aqueles que te amaram no início de sua vida têm sobre você. Ideias essas que, ainda que sempre limitadas e limitantes e muitas vezes invalidantes, te deram contorno. Contorno a partir do qual você entendeu como deveria se colocar no mundo e no amor.

Estamos falando aqui de duas fantasias: que você sabe de onde parte —supondo que você sabe quem você é e como esse ser é (ou não) capaz de ser amada— e que você sabe qual é o amor que deseja viver para se sentir plena. O desafio aqui não é cortar a corda com o suposto parceiro, e sim com esses próprios enredos psíquicos.

Pensando nessa suposta sensação de que você sabe qual é o amor que deseja viver para se sentir plena, a dinâmica do amor ioiô é perversa pois ela te dá pequenas provas de que você está vivendo o seu amor idealizado: a conversa profunda sobre a importância de ritualizar a vida tida em meio a um churrasco caótico de amigos em comum; o encaixe do beijo e do corpo; os três dias intensos na praia que se tornaram promessa de uma semana de inverno na serra e devaneios sobre como envelhecer com afeto e presença… Rastros suficientes para que vivamos um amor metonímia: decidimos enxergar o todo pela parte. Parte essa que se encaixa exatamente na nossa fantasia, na nossa história, no nosso ideal de parceiro, de amor, de relação.

É mais seguro estar envolvido com alguém impossível ou impermanente do que correr o risco de ter um parceiro que permaneça e, assim, testemunhe suas falhas, faltas, invada o seu espaço e, talvez, o maior risco de todos —que, ao ficar, traia a “história de nós dois” que você escreveu. Porque quem fica traz consigo traços que não combinam com o personagem que você construiu. Faltas que fazem furos na fantasia. Ficar, aqui, é paradoxalmente nunca mais ficar com aquele alguém por quem você se apaixonou no rodopiar do ioiô.

Talvez mais do que esperar por uma definição desse enredo você esteja adiando a necessidade de lidar com o desmontar do ideal de amor. Estar enrolada com um quase, com uma promessa, é evitar a castração e ainda culpar o outro como grande interditor do afeto. A queixa tem uma função protetora pois mantém fora de nós uma solução que implica renúncia. Renúncia não só da sua história idealizada de amor como também de seus fantasmas fatalistas: A que drama da sua história pessoal você está respondendo ao viver essa relação?

Provavelmente essa construção da pessoa que está à margem do amor é muito anterior a seus vínculos românticos. Talvez, agora adulta, você tenha finalmente conseguido se distanciar da sua mãe como forma de se defender das falas que criticavam sua aparência, condenavam suas escolhas de amigos e amores, desmentiam seus incômodos e menosprezavam seus sentimentos. Foram anos de análise para se descolar dessa espécie de maldição de insuficiência e inadequação… até que você se cola exatamente num amor que é como sua mãe —ou que prova o ponto de sua mãe: que sua escolha afetiva te faz mal…

Pode ser também que você tenha se angustiado ao se sentir impotente ante à separação dos seus pais. Talvez culpada pelas brigas e afastamento dele… Tentar eternamente resgatar alguém que não quer ficar é de alguma forma querer reparar uma dor que vem de antes. Um homem que não é exatamente esse. O movimento do brinquedo infantil revela nossa compulsão à repetição apontada por Freud.

Enquanto você não se interrogar sobre quais são as fantasias que te determinam —sobre quem você é, qual é seu papel nas relações, o que você imagina ter que fazer ou não fazer para ser amada— você continuará repetindo rótulos emocionais, inclusive esse de “quero colocar um ponto final nisso tudo e não consigo”. Entenda que você não quer. Que há o tal ganho na queixa. E se arrisque a perder. Perder o todo idealizado, perder os papéis repetidos, perder o desejo e as certezas dos outros que te angustiam, mas te eximem da responsabilidade de desejar por você mesma.

Esse ponto me remete a uma dinâmica familiar: quando era adolescente e discutia com meu pai, o ouvia dizer “então… faz o que você quiser” como forma de encerrar qualquer embate em que nossas vontades se chocavam. Essa frase era sentida por mim menos como uma autorização e mais como uma espécie de retirada do vínculo; uma ameaça velada de desamparo. Passei anos interditando o meu desejo ou temendo as consequências dele. Anos tendo certeza de que fazia parte do time das últimas românticas sem me dar conta de que estava aliada aos muitos medrosos —não do amor, mas das direções e das consequências dos próprios desejos.

Cortar a corda do ioiô é deixar de interrogar o desejo do outro e começar, enfim, a investigar o seu. É se dar a chance de esvaziar os ideais. Deixar cair as certezas, os papéis, as maldições, os contornos que aprisionam. Que você possa se implicar no seu próprio enredo, não como quem pesa as tintas para reforçar a saga da eterna quase escolhida, mas como quem se permite mudar de lugar. “Faz o que você quiser!” Obviamente haverá consequências. Mas não se autorizar a encontrar uma potência em si que permita frustrar o desejo alheio e tenha coragem de investigar o que se quer talvez seja a pior delas.

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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