As operações simultâneas do Ministério Público de São Paulo, da Receita Federal e da Polícia Federal que miravam o crime organizado expuseram esquemas responsáveis por imiscuir na economia formal dinheiro do crime organizado, notadamente da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Mesmo anestesiado pela presença criminosa no cotidiano, o país precisou respirar fundo diante do alcance das operações: “Negócios investigados envolvem porto, usina, refinaria, distribuidora, rede de postos, corretora, administradora de fundos e fintech”, enumerou a Folha. Não que fosse grande novidade: o próprio jornal havia mostrado, dois meses atrás, como a Faria Lima já estava preocupada com o “‘risco PCC’ em investimentos”. Seria bom se se mantivesse nessa dianteira depois de deflagrada a operação, mas a vasta quantidade de ramificações para investigação demanda investimento.
(Não custa lembrar das queimadas criminosas em canaviais do interior paulista ocorridas um ano atrás. Na ocasião, o Ministério Público de SP afirmava que “não existe qualquer fundamento nessa história de ligação do PCC com as queimadas, tampouco de envolvimento da facção com aquisição de usinas de álcool, embora essa notícia tenha circulado na mídia, não há nenhuma investigação no MP-SP sobre esse tema e nem mesmo na Polícia Federal.”)
O que o noticiário mostrou das operações e dos crimes, porém, parecem peças minúsculas e esparsas de um quebra-cabeças gigantesco.
Uma dessas pecinhas apareceu no mês passado, no final de uma mensagem enviada por um leitor com comentários sobre textos da Folha: “Na matéria sobre a saída do presidente da CMV [Comissão de Valores Mobiliários, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que tem como objetivo normatizar e fiscalizar o mercado de capitais], não tem nenhuma informação útil. Podia ter sido nota, porque o resto parece copia e cola de release. Também ninguém ‘analisou’ o legado do ex-presidente. Eu li achando que ia ter algo que sugerisse pressão de governo, do mercado. Nada. Mas fico feliz porque agora o ex-presidente vai seguir a vocação de ser professor dele. Obrigado à Folha por me informar”.
Ele se referia ao texto “Presidente da CVM anuncia saída do cargo após três anos”, de 18 de julho. Breve, o relato contava que João Pedro Nascimento renunciara ao cargo “por motivos pessoais”.
O caso ficou por aí mesmo. Nas semanas seguintes, a Folha mostrava a crise que a autarquia estaria vivendo: “Servidores da CVM pelem urgência em nomeação de novo presidente“, “CVM enfrenta crise com diretoria desfalcada, pressões políticas e casos polêmicos“.
Entre uma e outra, coube ao Globo, na coluna de Malu Gaspar, revelar que o ex-ocupante da presidência da autarquia havia relatado ameaças a integrantes do governo. Oficialmente, Nascimento nega que esse tenha sido o motivo do afastamento.
De todo modo, a fragilidade do órgão deveria ser tema central numa investigação como a que tomou as manchetes na semana. Neste sábado, o Valor mostrou que a CVM chegou a investigar operações com fundos citados na operação Carbono Oculto. Casos abertos em 2022 ainda não foram a julgamento.
Entre as muitas peças da investigação, os jornais reproduziram também a guerra por protagonismo nas operações travada entre governo federal (Lula) e governo paulista (Tarcísio), cujos mandatários se aquecem para disputa eleitoral.
Com tanta gente querendo assumir a paternidade da criança, será especialmente útil acompanhar de perto os desdobramentos e manter a cobrança em cima das autoridades. O Brasil não é pródigo em punir criminosos, sobretudo aqueles com boas conexões com o poder, e assim os vê se multiplicarem feito gremlins.
Ao relatar o deprimente crepitar da fogueira das vaidades, porém, os títulos da Folha pareciam extrapolar o que os próprios textos relatavam. “Lula turbina divulgação de operação contra PCC e tenta impedir saldo político positivo para Tarcísio” era um deles. Bastava atravessar algumas linhas para ler que “os governos Lula e Tarcísio disputam quem irá capitalizar politicamente os resultados da megaoperação”. O subtítulo já alertava: enquanto o “governo federal ressaltou a atuação da PF”, a “gestão estadual deixou Receita Federal em segundo plano”. Ou seja, era uma via de mão dupla muito mais do que apenas o presidente da República tentando “impedir” alguma coisa.
Entre mortos e feridos, o cidadão também se vê tentando catar peças desencontradas do quebra-cabeças. Consumidores ficam sem saber se há uma lista dos postos ou bandeiras que vendem combustível com a adulteração grotesca mencionada na apuração, se foram fechados ou se eles ainda continuam operando. Apareceu um nome no Valor e nada mais. E é crime para todo lado: a suspeita inicial era que a fraude atingisse 30% dos postos paulistas. Segundo a Folha, 20% da gasolina e do etanol vendidos em SP teriam passado pelo esquema.
Convido os leitores para um encontro no próximo dia 24, às 10h, no auditório do jornal. As instruções estão neste link.
Fonte ==> Folha SP