Há três anos, em 5 de janeiro de 2022, estava sendo publicada a Lei Complementar 190, para regulamentar a cobrança do ICMS incidente nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.
Essa cobrança do ICMS corresponde ao Difal (diferencial de alíquotas), que é a diferença entre a alíquota interna do Estado de destino da mercadoria e a alíquota interestadual, com fundamento na Emenda Constitucional 87/2015. Ele passou a prever que, nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS, o imposto seria repartido entre as unidades federadas.
Após a publicação da EC 87/2015, o Confaz publicou o Convênio ICMS 93/2015, estabelecendo as diretrizes gerais sobre o Difal.
Em seguida, diversos Estados alteraram suas legislações para instituir o Difal, cobrando-o nas operações interestaduais destinando mercadorias a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em seus territórios.
Ocorre que, ainda não havia ocorrido a publicação de uma lei complementar nacional para instituir e regulamentar o Difal, violando a exigência contida no artigo 146, III, “a”, da Constituição.
Por essa razão, diversos contribuintes ajuizaram ações para reconhecer o direito de não recolher o Difal, o que culminou no julgamento da discussão pelo STF em sede de repercussão geral sob o Tema 1093 em fevereiro de 2021, quando foi firmada a tese: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
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Na mesma ocasião, o STF também modulou os efeitos de sua decisão para 1º de janeiro de 2022. Assim, para que o Difal pudesse continuar sendo cobrado a partir de 2022, caberia ao Congresso aprovar em 2021 uma lei complementar nacional para instituir o tributo, em respeito aos princípios constitucionais da anterioridade anual e nonagesimal.
Isso porque, conforme delineado pelo STF no Tema 1093, a EC 87/2015 criou nova relação jurídico-tributária entre o remetente da mercadoria (contribuinte) e o Estado de destino, sujeitando o Difal às anterioridades anual e nonagesimal. Essa é uma garantia do contribuinte de que a instituição e a majoração de tributos somente ocorram após 90 dias e no exercício seguinte ao da respectiva lei.
Foi nesse contexto que surgiu a LC 190/2022, instituindo um novo tributo ao criar a previsão de incidência do Difal na LC 87/1996, com o estabelecimento dos critérios material, espacial, temporal, quantitativo e, especialmente, o pessoal da regra matriz de incidência tributária, numa nova relação jurídica entre o contribuinte e o Estado de destino.
Em seu artigo 3º, a LC 190/2022 ainda previu a observância do “disposto na alínea ‘c’ do inciso III do caput do art. 150 da Constituição”, que veicula o princípio da anterioridade nonagesimal, mas com aplicação concomitante da anterioridade anual.
Nesse cenário, caberia aos Estados, observando o fundamento de validade do Difal, instituir o tributo em suas legislações internas ao longo de 2022.
Apesar disso, os Estados não se atentaram às condições de validade para tal tributação e, ora valendo-se de legislações estaduais editadas antes do julgamento do Tema 1093, ora valendo-se de legislações estaduais editadas após tal julgamento, mas ainda antes da edição da LC 190/2022, continuaram exigindo o Difal dos contribuintes em 2022.
As posturas foram diversas, mas sempre ignorando o texto constitucional. Houve Estado que manteve a tributação praticada, sem inovar sua legislação ou aplicar a noventena. Houve Estado que não inovou sua legislação, mas optou por cobrar o Difal 90 dias após a LC 190/2022. Ainda houve Estado que criou nova legislação com base no Convênio ICMS 236/2021, antes da LC 190/2022.
Assim, a partir de 2022, novamente os contribuintes ingressaram com ações judiciais, desta vez para o Judiciário reconhecer a inexigibilidade do Difal em 2022.
Isso porque, em primeiro lugar, as leis estaduais editadas para cobrar o Difal antes de o Tema 1093 ser julgado foram todas declaradas inconstitucionais por arrastamento naquele julgamento do STF, não podendo se cogitar de sua eficácia superveniente após a edição da LC 190/2022.
Afinal, embora o ministro Dias Toffoli, relator do Tema 1093, tenha inicialmente proposto a mesma solução do Tema 1094 (manutenção da legislação estadual, com eficácia limitada), ele alterou tal disposição para prever a declaração de inconstitucionalidade da lei distrital em análise no caso concreto do leading case e das demais leis estaduais.
Em segundo lugar, igualmente as leis estaduais editadas após o Tema 1093 ter sido julgado, mas antes da edição da LC 190/2022, também não se prestam para permitir a exigência do Difal em 2022, porque instituídas sem um fundamento de validade (lei complementar nacional) quando foram criadas.
E tal entendimento não se altera com o julgamento da ADI 7066 em 2023 pelo STF, pois nele só foi reconhecida “a constitucionalidade da cláusula de vigência prevista no art. 3º da Lei Complementar 190, no que estabeleceu que a lei complementar passasse a produzir efeitos noventa dias da data de sua publicação”, sem que isso importe na rejeição da tese firmada pelo STF no Tema 1093.
Isto é, tanto o entendimento firmado no Tema 1093 quanto o fixado na ADI 7066 devem ser interpretados conjunta e harmonicamente.
Importa considerar que, na ADI 7066, o que o STF fez foi decidir que, para fins de produção de efeitos da LC 190/2022, bastaria o atendimento à anterioridade nonagesimal prevista no artigo 3º, sem a necessidade de se exigir a aplicação da anterioridade anual. E nada mais além disso.
Ou seja, a partir da LC 190/2022, é suficiente para qualquer lei estadual a ela superveniente se atentar ao prazo de 90 dias da data em que foi publicada a LC 190/2022, sem precisar se submeter à anterioridade anual. Isso não afasta a necessidade de que qualquer lei estadual tendente a cobrar o Difal seja baseada na LC 190/2022.
Portanto, atendendo-se tanto à tese firmada no Tema 1093 quanto na ADI 7066, deve ser reconhecida como ilegítima a cobrança do Difal por qualquer Estado que ainda não tenha editado lei após a LC 190/2022.
Esse entendimento pode ser encontrado na jurisprudência, como se verifica do acórdão do TJDFT no julgamento da apelação 0700675-90.2023.8.07.0018, quando, já após o julgamento da ADI 7066, foi reconhecida a ilegitimidade da cobrança do Difal.
Desta forma, ainda que tenha sido reconhecida pelo STF a constitucionalidade do artigo 3º da LC 190/2022, isso não significa a validação de toda lei estadual anterior que exigia o Difal, mas, ao contrário, exige a edição de novas leis estaduais.
É importante ressaltar que ainda se encontra pendente no STF o Tema 1266, cuja repercussão geral foi reconhecida em 2023, no qual se decidirá a incidência das anterioridades anual e nonagesimal na cobrança do Difal após a LC 190/2022.
Espera-se que o STF confirme o entendimento de que se faz necessária a edição de lei estadual posterior a 5 de janeiro de 2022, que deverá se sujeitar às anterioridades anual e nonagesimal.
Fonte ==> Folha SP