Dra. Marcela Amaral, psicóloga/neuropsicóloga, entrevista o surfista profissional André Pássaro: saúde mental e performance no surf de ondas gigantes.

Psicologia, medo e tomada de decisão em ambientes extremos a partir da experiência de um dos nomes do surf de Big Waves

Um dos nomes do surf de ondas gigantes, André Pássaro construiu sua trajetória em um esporte onde preparo mental, disciplina e tomada de decisão são tão determinantes quanto a técnica. Ao longo dessa caminhada, contou com o apoio de patrocinadores:  RED NOSE EYEWEAR  e CRISTAL CRISTAL GRAFITTI que sustentam carreiras baseadas em consistência e responsabilidade no alto rendimento.

Esta entrevista, realizada pessoalmente pela psicóloga Marcela Amaral propõe um olhar além da performance: a mente por trás do atleta, os limites do corpo e os momentos em que a superação deixou de ser discurso para se tornar sobrevivência.

ANDRÉ PÁSSAROTRAJETÓRIA E IDENTIDADE

André, em que momento você percebeu que o Big Waves não era apenas um esporte, mas uma escolha de vida que exigiria preparo emocional extremo?

O que diferencia, emocionalmente, um surfista de ondas gigantes e outros atletas do surf?

Eu venho de Rio das Ostras, na Região dos Lagos, onde as ondas são pequenas.

Mesmo assim, a adrenalina sempre correu nas minhas veias. Comecei muito novo, com uma prancha quebrada, e o surf sempre foi um desafio na minha vida. O momento em que percebi que as Ondas Gigantes eram uma escolha de vida foi quando fui pela primeira vez ao Hawaii. Ali entendi que não bastava estar preparado fisicamente; o preparo emocional era fundamental. Em Maui, conhecendo a onda de Peʻahi – Jaws, percebi que estava em outro universo: ondas gigantes, fundo de coral, os melhores surfistas do mundo em uma ilha pequena.

Foi ali que vi que, para estar naquele ambiente, a mente precisava estar muito forte. Você sai completamente da zona de conforto.

O que diferencia, emocionalmente, um surfista de ondas grandes de outros atletas do surf?

A principal diferença está no psicológico. Lidar com esse tipo de ambiente não é para todos. O surf tradicional envolve prazer, conexão com o mar e aquele momento único. No Surf de ondas gigantes, somos testados o tempo inteiro. Lidamos diretamente com a força e a fúria da natureza, o que exige controle emocional constante.

Você sente que esse tipo de surf moldou sua identidade como homem e como ser humano fora do mar? De que forma?

Com certeza. Da mesma forma que me desafio a buscar ondas grandes, corro atrás dos meus ideais fora do mar. Sempre buscando evoluir, melhorar e ir além.Acredito que o mundo é de quem se arrisca e sonha. Eu sou uma dessas pessoas.

2. MEDO REAL E CONVIVÊNCIA COM O RISCO

O medo aparece antes de entrar no mar ou ele surge principalmente durante a experiência da onda?

 O medo se manifesta em dois momentos distintos. Segundo André Pássaro, a chegada de um grande swell nunca é uma surpresa para quem vive o mar. Os sinais aparecem com antecedência: a leitura das cartas oceânicas, a mudança no período das ondas e uma percepção quase coletiva de que o oceano está prestes a entregar algo maior. Nesse estágio, o medo já existe, ele se instala antes mesmo de entrar na água.

Mas é dentro do mar que essa sensação se intensifica. Ao sentir de perto a força do oceano, o medo ganha outra dimensão. No seu caso, porém, não é um sentimento paralisante. Pelo contrário: ele afirma que o medo o alimenta. É essa sensação que o mantém alerta, presente e em estado máximo de atenção, funcionando como um teste constante de limites físicos e mentais.

Depois de tantas situações extremas, o medo muda de forma ou apenas se torna mais consciente?

Acredito que ele se torna mais consciente. Muitas pessoas ainda me acham louco por continuar me colocando nessas situações, mas eu amo o que faço. Com o tempo e a maturidade, talvez eu esteja um pouco menos impulsivo. O medo muda de forma porque aprendemos a lidar melhor com esse tipo de situação.

Existe um limite claro entre o medo que protege e o medo que paralisa? Como você identifica isso no mar?

Existe, sim. Esse limite vem da experiência e do autoconhecimento. Mesmo enfrentando situações extremas, conheço meus limites. Às vezes, percebo que uma onda pode trazer um risco maior, então opto por não ir nela e escolho outra. É uma análise constante de risco.

3. CORPO, LESÕES E IMPACTO PSICOLÓGICO

Lesões fazem parte da sua trajetória. O que uma lesão grave ensina sobre os limites do corpo e da mente?

As lesões ensinam que não somos máquinas, somos humanos. Em alguns momentos, é preciso parar, refletir, entender onde erramos e recomeçar. Acredito que cada lesão me deixou mais forte e mais preparado para seguir em frente.

Em algum momento a recuperação psicológica foi mais desafiadora do que a física?

Com certeza. Na última lesão, um médico me disse que eu só voltaria a surfar em um ano e meio. Isso afetou muito o meu psicológico, trazendo ansiedade e medo. Com muita fisioterapia, treino e dedicação, consegui voltar ao mar em cinco meses.

Como é voltar ao mar depois de uma situação traumática ou próxima da morte?

É maravilhoso. É a sensação de ter superado algo que estava te travando e de estar novamente no lugar que você mais ama.

4. CONTROLE EMOCIONAL EM SITUAÇÕES EXTREMAS

Durante uma onda gigante, quando tudo acontece em segundos, o que se passa na sua mente? Existe pensamento ou apenas presença?

Tudo acontece muito rápido. No meu caso, sinto prazer e medo ao mesmo tempo. Existe mais presença do que pensamento. Se você pensa demais, dificilmente consegue descer uma onda grande

Você treina sua mente com a mesma seriedade com que treina o corpo? Como isso acontece na prática?

Hoje sim. No começo, não. Atualmente, procuro sempre manter pensamentos positivos e focar na minha missão.
Na minha opinião, encarar ondas gigantes é 80% psicológico. O preparo físico é essencial, mas sem a mente equilibrada, você trava na hora decisiva.

Em situações de risco extremo, o autocontrole emocional pode ser o fator decisivo entre sobreviver ou não?

Com certeza. Já passei por situações em que quase morri. Nesses momentos, manter a calma é fundamental.
Em Nazaré – Portugal, na minha primeira vez lá, fui engolido por uma onda gigante e vivi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Acredito que, sem autocontrole, o desfecho poderia ter sido outro. Graças a Deus, tudo deu certo.

5. SAÚDE MENTAL NO ESPORTE DE ALTO RISCO

Ainda existe resistência no esporte de alto rendimento quando o assunto é saúde mental?

Existe, sim. Muitos atletas acreditam que não precisam de acompanhamento psicológico. Eu mesmo pensava assim. Hoje vejo de forma diferente. A mente precisa estar bem para lidar com situações extremas.

Você acredita que muitos atletas sofrem emocionalmente em silêncio por não se sentirem autorizados a demonstrar fragilidade?

Acredito que sim. É um esporte que lida diretamente com o ego, o que dificulta a exposição das fragilidades.

Em algum momento você precisou reconhecer que era necessário desacelerar ou cuidar mais da mente do que do corpo?

Com certeza, em vários momentos, no início, eu não sabia lidar com certas situações. Com o tempo, percebi que minhas próprias experiências foram meus maiores professores.

6. SUPERAÇÃO E VIDA FORA DO MAR

O que te faz continuar entrando no mar mesmo depois de tantas experiências extremas?

Dentro d’água, seja em um mar grande ou pequeno, eu me sinto mais vivo. Preciso de adrenalina, tenho sede de água salgada e amo o mar desde criança. Sou muito grato por tudo o que conquistei através dele.

Hoje, o que representa vitória para você: vencer a onda, voltar para casa ou manter o equilíbrio emocional?

Manter o equilíbrio emocional. Sem ele, não consigo fazer nada disso.

Quais aprendizados do Big Waves você leva para a vida cotidiana, fora do esporte?

Correr atrás dos meus sonhos, me dedicar 100% a tudo o que faço e entender que a vida não é fácil para ninguém.Mesmo assim, acredito que tudo é possível. Somos do tamanho dos nossos sonhos.

Qual a conquista que ainda deseja profundamente?

Ainda tenho muitos sonhos. Um deles é ter uma casa no Hawaii, de frente para o mar.

7. MENSAGEM FINAL

Para quem enfrenta medo, trauma ou desafios que parecem intransponíveis, o que o mar te ensinou que pode servir como mensagem de vida?

Tudo passa. As ondas gigantes representam as dificuldades da vida. Cabe a nós enfrentá-las ou não.
Depois das grandes ondulações, o mar sempre se acalma. A vida é assim: feita de altos e baixos. Ainda estou aprendendo e sou muito grato por tudo.

Se você pudesse definir sua relação com o medo em uma frase hoje, qual seria?

Perto do medo eu me sinto mais vivo. A vida é sobre isso, arriscar.”

Mais do que a imagem do atleta que enfrenta ondas gigantes, a trajetória de André Pássaro revela o peso das decisões tomadas em segundos, o convívio constante com o medo e a necessidade de um equilíbrio emocional que sustente o corpo em situações-limite. No esporte extremo, a força mental deixa de ser diferencial e passa a ser condição de sobrevivência.

Ao encerrar esta entrevista, fica evidente que a performance nasce muito antes da onda: ela se constrói na forma como o atleta organiza o risco, respeita seus limites e preserva a própria vida. Um campo onde a psicologia não atua para eliminar o medo, mas para torná-lo funcional.

Marcela Amaral

Instagram: @dramarcelaamaral

Contato: 21997347773

Instagram: @andrepassaroo

Contato: 22998072957

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