Em geral, o parceiro que não quer tornar o relacionamento público nas redes se coloca como “ser superior”: crítico da lógica mercadológica dos afetos, imune ao jogo do “capital cultural do amor”, em que cada gesto romântico vira espetáculo e moeda simbólica. Ao se posicionar assim, invalida seu incômodo, lendo-o como insegurança ou imaturidade.
Ele, que “te ama além das redes”, releva sua vaidade não sem antes apontá-la como algo a ser tratado em análise. Afinal, elas seriam apenas uma vitrine fake de autoafirmação. Mas será mesmo que é apenas você quem deve se deitar no divã? Ou há também algo de “podre no reino da Dinamarca”, para lembrar Hamlet, nesse silêncio digital?
A crítica dele encontra respaldo em Eva Illouz, por exemplo, que mostra como o amor se tornou produto cultural e se inscreve em narrativas midiáticas e de consumo. É verdade: há espetacularização. Mas entre a hiperexposição e a simples vontade de existir na vida digital do parceiro há muitas gradações frequentemente ignoradas por quem detém o poder simbólico do “privado”.
Te trago alguns argumentos para complexificar a conversa com seu amado discreto. Com eles, você sai da posição de carente ou demandante e pode convidá-lo a também reconhecer o ego inflado que sustenta sua suposta abnegação às redes.
Num país onde 7 em cada 10 brasileiros têm perfis sociais e passamos, em média, 3h46 por dia conectados (quase metade de um expediente de trabalho) não aparecer nas páginas do parceiro não é apenas uma questão de vaidade: é estar ausente da arena onde se joga grande parte do nosso reconhecimento simbólico.
As redes são hoje a nossa praça pública digital, onde também circula o vínculo amoroso. O argumento de que “quem importa já sabe” ignora que hoje o privado escapa ao privado. Empresas avaliam candidatos pelas redes; governos pedem identificadores digitais. E, no campo afetivo, o Instagram já superou o Tinder como território de flerte: Um estudo da Opinion Box revelou que 1 a cada 3 brasileiros utilizam ou já utilizaram redes sociais para procurar um parceiro e 61% consideram o Instagram a melhor plataforma para isso. E mesmo quem não paquera ativamente está ali para ver e ser visto; circular, se situar no mapa social.
Nesse contexto, invisibilizar o parceiro não soa como neutralidade, mas como uma escolha de permanecer com a “porta aberta” no mercado simbólico, sustentando a persona livre e potencialmente disponível. É também uma recusa da castração: evitar que a imagem social seja marcada pelo limite de um vínculo exclusivo. É como manter ações em alta na bolsa afetiva: não para vender, mas para testar o próprio valor.
Haverá aqueles que defenderão que suas redes sociais só tem sua persona profissional e que esta se beneficia ao fazer a linha “fotógrafo misterioso descolado” e que os lucros advindos desse ser que exala sex appeal no digital se convertem para experiências offline com os parceiros que entendem que o amor é mais nobre do que isso. Será mesmo que precisamos sacrificar as pessoas reais que estão em nossas vidas mas não necessariamente em nossa “mise en scéne de avatares pseudo flertantes”?
Narrativas afetivas, como o brasileiro traduz o amor nas redes, um estudo recente que realizei com a psicanalista Camila Holpert mostrou que 1 em cada 5 narrativas sobre o amor nas redes fala da importância de ser visto e reconhecido pelo círculo do outro. Relações conjugais são sempre sociais: queremos pertencer, estar incluídos nas histórias, viagens, álbuns digitais. É por meio dessa inscrição que o compromisso se fortalece.
A psicanálise já nos lembra: o sujeito se constrói no olhar do outro. Winnicott falava do “espelho” do rosto materno. Hoje, parte desse espelho é mediado pelas redes. Ser para o outro é também existir no território digital que ele nos reserva, ou não.
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Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Em tempos de “situationships”, relações sem nome nem contorno —e não se enganem achando que isso é coisa de jovem…. Atendo diariamente pessoas de 45, 65, 74 que passam por esse limbo do “estamos juntos”, “temos um relacionamento” mas nomear de namoro mesmo que é bom… nada. Conversar sobre quais são os acordos… nada. Muitos carinhos no privado mas posts públicos…nada! Cresce a ilusão de que definir ou tornar público sufoca. Mas é justamente o contrário: é o contorno que permite respirar. Nomear não aprisiona, dá chão. Dá forma. E todo amor precisa de um lugar para morar —hoje tanto no campo concreto como no virtual. Nossa vida e nossos trabalhos já são híbridos… Não faz mais sentido defender esse puritanismo offline se você se beneficia da sua persona nas redes.
Tornar público o vínculo não é ceder ao mercado dos afetos, mas aceitar a renúncia mínima que todo laço exige. Se o amor sem nome produz angústia é porque o desejo sem enquadre colapsa em seu próprio excesso.
E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.
Fonte ==> Folha SP