Setor mais afetado pelas tarifas de 50% sobre produtos exportados para os Estados Unidos, o agronegócio brasileiro pode ser ainda mais prejudicado caso o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirme a ameaça de retaliar países que mantém negócios com a Rússia. O país de Vladimir Putin é o principal fornecedor de fertilizantes para a cadeia produtiva do Brasil, que depende fortemente do insumo importado.
A intenção de Trump é forçar parceiros comerciais de financiar a Rússia de modo a pressionar Putin a aceitar um cessar-fogo na guerra com a Ucrânia. O prazo dado pelos Estados Unidos para a formalização do acordo vence nesta sexta-feira (8).
O Brasil é altamente dependente de fertilizantes russos – 26% das importações provêm da região. Outro setor importante na relação de comércio bilateral é o de combustíveis, no qual 15% das compras externas brasileiras vêm da Rússia. Os dois grupos de mercadorias representam 84% do valor total das importações brasileiras do país.
As chamadas sanções secundárias deixaram de ser apenas bravata nesta semana, quando Trump anunciou a Índia como primeiro país a ser retaliado por manter negócios com a Rússia. Na terça (5), o mandatário americano afirmou que elevará as tarifas sobre produtos importados do país asiático “substancialmente” para além das atuais 25%, em razão de o governo indiano manter as compras de petróleo russo.
“A Índia não está apenas comprando grandes quantidades de petróleo russo, mas também está vendendo grande parte do petróleo comprado no mercado aberto para obter grandes lucros. Eles não se importam com quantas pessoas na Ucrânia estão sendo mortas pela máquina de guerra russa”, publicou Trump na rede Truth Social. “Por causa disso, aumentarei substancialmente a tarifa paga pela Índia aos EUA.”
O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte, já chegou a citar diretamente o Brasil, além da Índia e da China, entre os países que podem ser atingidos por sanções secundárias caso continuem negociando com a Rússia.
“Meu incentivo a esses três países, em particular, é que, se você mora em Pequim, ou em Nova Delhi, ou é o presidente do Brasil, talvez queira analisar isso, porque pode ser muito prejudicial”, disse Rutte durante uma reunião com senadores no Congresso dos Estados Unidos, no dia 15 de julho.
“Então, por favor, liguem para Vladimir Putin e digam a ele que ele precisa levar as negociações de paz a sério, porque, caso contrário, isso vai prejudicar o Brasil, a Índia e a China de forma massiva”, acrescentou.
Mesmo com plano nacional de fertilizantes, Brasil ainda não conseguiu reduzir dependência de importações
Desde a invasão da Ucrânia, em 2022, a Rússia tornou-se alvo de sanções internacionais. Na época, o risco de desabastecimento escancarou a dependência do agro brasileira do fertilizante russo.
No mesmo ano, o governo federal, então sob Jair Bolsonaro (PL), lançou um plano para ampliar a produção nacional dos insumos, reduzindo a participação dos importados no mercado de 85% para 45% até 2050.
Dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), no entanto, mostram um cenário de estagnação de lá para cá, com a importação ainda responsável por 85% do abastecimento do mercado interno. A oferta nacional do insumo, pelo contrário, teve redução desde 2022, quando foi lançado o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF).
Naquele ano, a produção nacional de fertilizantes intermediários foi de 7,7 milhões de toneladas. No ano seguinte, houve queda de 10% na produção nacional, que somou 6,9 milhões de toneladas. Em 2024, foram produzidos 7,2 milhões de toneladas, um aumento de 3,8%, mas ainda abaixo do patamar de 2022.
Aumento de custos de produção pressionariam competitividade do agro brasileiro
Analistas do Itaú BBA alertam que, caso as sanções sejam ampliadas ou novas barreiras sejam impostas ao comércio com a Rússia, os impactos sobre a produção agrícola nacional podem se intensificar, elevando os custos de produção e pressionando a competitividade do agronegócio brasileiro.
“O custo de produção agrícola pode subir significativamente, dada a dependência de fertilizantes russos como MAP, KCl e ureia”, destaca relatório do banco. “A substituição de fornecedores exigiria tempo, investimentos e negociações diplomáticas, com possíveis custos adicionais no curto prazo.”
Os economistas apontam ainda que exportações brasileiras também estão em risco diante do ultimato dado por Trump: 27% do amendoim, 22% da ervilha e 11% do amido exportados pelo Brasil têm a Rússia como destino.
Representantes de empresas do agro e parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já alertaram o Ministério de Relações Exteriores (MRE) sobre a possibilidade de a medida atingir o Brasil em razão das compras de fertilizantes, segundo apurou a “Folha de S.Paulo”.
A agência Reuters classificou a possível retaliação americana a países que importam fertilizantes russos como “caótica” para agricultores da América Latina. O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), Lucas Costa Beber, disse que novas sanções contra as importações russas de fertilizantes inviabilizariam a produção das commodities.
Sanção de Trump à Rússia provocaria quebra na cadeia global de fertilizantes não apenas no Brasil
“A Rússia é um dos principais fornecedores globais de fertilizantes, e sanções aos países que compram adubos russos poderiam provocar uma disrupção na cadeia de fornecimento não somente no Brasil, aumentando a competição global por outras origens, em um mercado com oferta restrita”, diz Bruno Castro, especialista em fertilizantes da consultoria Argus.
No caso dos fertilizantes fosfatados, fundamentais para o cultivo de soja, os russos foram os principais fornecedores do Brasil, com cerca de 2,3 milhões de toneladas, ou 27% do total, das importações brasileiras em 2024, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
O insumo tem fornecimento restrito globalmente, uma vez que a extração ocorre por meio da mineração de depósitos no solo.
Outro nutriente fundamental para a produção agrícola brasileira é o potássio, do qual o solo brasileiro é deficiente. No ano passado, o Brasil importou 5,4 milhões de toneladas do composto da Rússia, ou 38% do total de compras externas. O segundo maior fornecedor no período foi o Canadá, com 34%. No primeiro semestre deste ano, a fatia dos fertilizantes potássicos russos saltou para 54%.
No caso da ureia granulada, importante para o cultivo de milho, algodão, cana, café e celulose, a lista de países fornecedores é mais ampla porque sua produção é derivada da cadeia de exploração de petróleo e gás natural.
Em 2024, a Rússia foi a terceira maior exportadora de ureia para o mercado brasileiro, com cerca de 1,5 milhão de toneladas entregues (18% do total), atrás de Omã (19,3%) e Nigéria (19%). No primeiro semestre de 2025, os russos forneceram 13% da ureia importada pelo Brasil, ou 318 mil toneladas.
“Compradores brasileiros teriam dificuldades de encontrar outros fornecedores em substituição ao produto russo, especialmente para os a base de fósforo e potássio”, diz Castro.
Ele destaca que em uma eventual necessidade de suspensão da importação de fertilizantes russos, o Brasil teria de competir com outros grandes países consumidores, como Índia, China e Estados Unidos, por um mercado bem mais restrito, o que faria os preços dispararem. “Vale ressaltar que os custos de produção para os agricultores já estão mais altos do que em anos anteriores”, afirma.
Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br