Energia elétrica de pequenas usinas vive “curto-circuito” na estratégia de obter grandes retornos

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A Copel (Companhia Paranaense de Energia), empresa de capital aberto que atua na geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, anunciou na terça-feira, 4 de novembro, a venda de quatro usinas fotovoltaicas de geração distribuída (GD) para a Thopen Energia, pelo valor de R$ 78 milhões.

O negócio chamou a atenção por dois motivos. Um deles por representar a saída da Copel dessa frente de negócio – um movimento surpreendente para uma gigante do setor de energia.

Atendendo diretamente mais de 5 milhões de unidades consumidoras, em 395 municípios, a Copel possui 49 usinas próprias (7 hidrelétricas e 42 eólicas) e detém participação em outros 11 empreendimentos de geração de energia (6 hidrelétricas, 4 parques eólicos e 1 solar), totalizando uma capacidade instalada de 6.227,2 megawatts (MWs).

Por outro lado, alimentada por subsídios e conhecida por abrigar usinas de menor porte, a GD cresceu nos últimos anos de forma descontrolada, graças às taxas de retorno acima de 40%.

Ao abrir mão da geração distribuída, a Copel acabou reforçando uma tendência de retração de negócios nessa área da GD, por causa do grande número de projetos criados com expectativa de retorno elevado e das dificuldades de execução.

Embora seja prematuro cravar o movimento da Copel como uma tendência do mercado de GD, o problema do curtailment – os cortes de geração de usinas centralizadas eólicas e solares, de grande porte, por parte do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), para evitar a sobreoferta de energia no sistema – reforça o desequilíbrio no setor elétrico causado pela GD.

Como atua sem controle do ONS, a GD aumenta mês a mês a injeção de energia na rede, sem restrições – enquanto os cortes só atingem as usinas centralizadas, que acumulam prejuízos.

Para Donato Filho, CEO da consultoria Volt Robotics, é necessário separar a crise da GD do problema do curtailment, apesar de os dois temas estarem interligados. A eventual saída de empresas, como a Copel, do segmento da geração distribuída reflete o que afirma ser uma dura constatação.

“É a diferença entre o esboço no PowerPoint de um parque solar e a realidade de viabilizá-lo”, diz Donato Filho, lembrando que o planejamento inicial prometia construção rápida, conexão ágil à distribuidora e preenchimento de assinantes, projetando retornos elevados. “Na prática, há atrasos de obras, dificuldades de conexão e alto custo de aquisição de clientes.”

O roteiro tem sido o mesmo: o empreendedor constrói o parque, pede conexão à distribuidora e sai em busca de clientes. Mas, por causa da grande procura, a distribuidora demora para fazer a conexão, pois precisa fazer obras, e quando o empreendedor consegue a conexão, o custo de equipamentos já está pesando pela demora para viabilizar a operação e fazer caixa.

Fechando o ciclo, a quantidade de empresas novas no setor dificulta a aquisição de clientes. Com isso, a promessa de retorno de 40% fica pelo caminho.

Fuga da GD

Essa lacuna entre projeções e execução, segundo ele, reduziu o apetite de diversas empresas, levando à venda de ativos ou saída do segmento. Em julho, a Raízen anunciou a venda de 55 usinas de geração distribuída por R$ 600 milhões – 44 delas para a Thopen Energia e 11 para Gera Holding Desenvolvedora.

No mês passado, a Matrix Energia vendeu 45 usinas solares fotovoltaicas, com 120 megawatt-pico (MWp) de capacidade instalada, por R$ 556 milhões, justamente para a Thopen. A Matrix justificou a venda como uma oportunidade de acelerar investimentos estratégicos em outras áreas, como sistemas de armazenagem de energia (BESS), mobilidade elétrica urbana e serviços digitais de gestão energética.

Para o executivo da Volt, a Thopen – lançada a partir da antiga RZK Energia no início do ano – representa o outro lado do mercado de GD, ampliando seu portfólio ao identificar preços atrativos e competências operacionais superiores.

“O movimento sugere consolidação: quem tem escala, capacidade de operar e manter com eficiência e captar clientes a custos menores vê valor em adquirir parques, enquanto outros saem diante da divergência entre expectativas e execução”, diz Donato.

Outros dois fatores ajudam a criar a “tempestade perfeita” no setor de GD. A perspectiva de menor desconto regulatório a novos clientes está reduzindo o preço de venda de energia em GD e tornando a margem de retorno uma miragem.

“Com a abertura de mercado, pode ser mais simples vender energia de outras formas, alterando o racional de GD; esse conjunto pressiona retornos, levando a decisões de desfazer-se de projetos”, diz o especialista da Volt.

Há, por fim, uma disputa interna no setor de GD, entre a micro e minigeração distribuída (MMGD) e as fazendas solares, de maior porte. Donato explica que os assinantes recebem desconto limitado (de 10% a 30% da conta mensal de luz em relação à fatura da distribuidora), enquanto o ganho adicional fica com o dono da fazenda solar.

“Com o tempo, esses clientes percebem que instalar seu próprio painel solar no telhado pode gerar descontos de 40%-60%, motivando saída da assinatura”, diz. “Essa migração eleva a taxa de desistência (churn) e coloca os painéis no telhado em competição direta com a GD de minigeração, afetando a estabilidade da base de clientes das fazendas solares.”

Segundo ele, muitos modelos não incorporaram churn elevado nem custos de reaquisição. “A saída de clientes após comparação com os painéis no telhado desorganiza receita recorrente e exige esforço comercial contínuo, piorando a relação custo-benefício dos projetos.”

O baque do ‘curtailment’

Enquanto o mercado GD se vê às voltas com sua própria crise, o agravamento do curtailment está causando um movimento semelhante nas usinas renováveis centralizadas.

De um lado, o aumento dos cortes de geração pelo ONS se deve ao crescimento da GD, que atingiu capacidade instalada de 43,4 gigawatts (GW). Esse volume já é próximo da capacidade somada das usinas eólicas (35 GW) e solares (14 GW) centralizadas, controladas pelo ONS.

Como o ONS não tem controle sobre a geração distribuída – que segue crescendo –, as usinas centralizadas veem os cortes aumentarem, causando um prejuízo estimado de R$ 1 bilhão por mês para os cerca de 1.500 empreendimentos centralizados monitorados pelo ONS.

As usinas centralizadas somam perda acumulada nos últimos dois anos de um terço da receita total, ameaçando causar uma quebradeira num segmento que movimenta cerca de R$ 37 bilhões por ano.

Nos últimos meses, grandes empresas como Enel, Auren e Shell solicitaram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a revogação de autorizações de projetos centralizados em diversos estados. O principal motivo é a inviabilidade econômica causada por gargalos na transmissão, excesso de oferta e dificuldade em negociar a energia gerada.

Em junho, a Enel pediu a revogação de outorgas que somavam quase 1.500 MW de capacidade instalada — volume comparável ao de uma usina hidrelétrica de grande porte. Os cortes obrigatórios na geração estavam postergando o retorno dos investimentos em até cinco anos.

Além da dificuldade de conexão à rede elétrica, a sobreoferta energética tornou os projetos menos atrativos, com uma geração real até 35% inferior ao previsto em algumas usinas.

A Auren Energia também solicitou à Aneel a revogação de cinco outorgas referentes à segunda fase do Complexo Eólico Tucano, totalizando 159,6 MW. A empresa alegou, entre outros fatores, os custos já desembolsados e a inviabilidade de negociar a energia gerada, tanto no mercado livre quanto em leilões.

A Shell Brasil também anunciou a interrupção de seus projetos de geração centralizada no País, que somavam cerca de 3 GW em energia solar. A empresa alega que sai mais barato comprar energia de terceiros do que continuar investindo em estrutura própria de geração.

Para Donato Filho, a repetição do cenário da GD nas usinas centralizadas é um indicativo das distorções do modelo de negócio vigente no sistema elétrico brasileiro.

“As alegações das grandes empresas para abrir mão das outorgas incluem custos já desembolsados, inviabilidade de negociar energia barata no Mercado Livre de Energia e em leilões”, diz. “Isso reflete mudanças de mercado e preço, tornando projetos menos atrativos.”

Donato destaca o longo tempo para conectar parques e a perspectiva de menor desconto a novos clientes como fatores que acabam reduzindo o preço de venda. “Segurar outorgas e revogá-las mais tarde pode ser custoso; por isso, alguns preferem abrir mão cedo, evitando passivos maiores.”



Fonte ==> NEOFEED

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