O caos desta semana em São Paulo repete problemas de outros anos e de outras cidades brasileiras. Chuva, ventania (“ciclone”), árvores no chão, energia derrubada, falta d’água —e centenas de milhares de pessoas privadas de serviços básicos por dias.
Há anos, outro fenômeno também se repete. Depois do estrago, começa o jogo de empurra.
“Ricardo Nunes afirma que vai buscar agência nacional para se queixar de serviço da Enel em SP”, “Tarcísio diz que SP fica refém da Enel e volta pedir intervenção na empresa”, “Ministro de Minas e Energia diz que foco é acabar com apagão em SP e critica Tarcísio e Nunes por disputa política”. Entre um arranca-rabo e outro, “Enel diz que casos são de ‘alta complexidade’ e não dá mais previsão de volta da luz”.
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O leitor Thiago Molina, 45, fez uma observação sobre Tarcísio que vale para os demais: “Ele reclama do governo federal, do Ministério de Minas e Energia e da Enel. Fala em intervenção —logo ele, que defende as privatizações—, e sugere ações que devem ser feitas, sempre pelos outros. Ou seja, parece até que está de mãos amarradas”.
No caso do prefeito, o problema é agravado pelo fato de o município ser responsável pela poda das árvores e pela manutenção urbana. A prefeitura, porém, foi à Justiça contra a Enel em agosto e alegou que mais de um terço das árvores estariam em “área cuja manutenção é de responsabilidade da concessionária”.
Já o Ministério de Minas e Energia dizia “que acionou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para reforçar a fiscalização sobre a Enel e instalou uma sala de situação para monitoramento contínuo.”
Parte do contexto ficou escondida no material sobre os cinco dias que a Aneel dera à empresa para se explicar. “A cobrança é feita enquanto a Enel passa por dois processos com direções opostas na Aneel. Em um, enfrenta uma fiscalização que pode resultar na perda do contrato de concessão. Em outro, a equipe técnica da agência não viu infrações da empresa às regras estabelecidas pelo governo Lula (PT) para a renovação antecipada de concessões.”
No terceiro dia do apagão, a Enel apareceu para revidar, ainda contando mais de meio milhão de clientes sem serviço em São Paulo. O advogado da empresa afirmou à Folha que o prefeito agia como “marido traído que coloca a culpa no sofá” e o presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), no Valor, colocava 100% da culpa na falta de poda.
A briga tende ao infinito, e o leitor cobra, com razão: “Qual a diferença de responsabilidades entre a fiscalização da Arsesp (a agência estadual, cujo nome só aparece no último parágrafo, bem lateralmente) e da Aneel? O governador está certo em reclamar do governo federal? E as árvores, da prefeitura de SP? No final das contas, quais são as responsabilidades de cada um?”
As queixas de Molina foram enviadas à Redação. A resposta veio com a reportagem “Autoridades fazem jogo de empurra sobre apagão em SP; entenda responsabilidades”, mas há mais a fazer.
O jornal mostra sua força quando evidencia a encenação e ajuda a cobrar o restabelecimento de alguma normalidade. Para isso, precisa resistir à tentação de entrar no jogo —ou entender como sair dele. “Precisa estar vigilante para não ser acusado de marionete”, resume Molina.
ROUBO NA BIBLIOTECA
Numa semana cheia, o roubo de obras de Matisse e Candido Portinari em SP acabou ficando em segundo plano. Não deveria.
É mais um pepino para a gestão paulistana, em especial pela aparente facilidade com que os trabalhos foram levados da biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo, no último domingo (7).
Na cobertura, a Folha não menciona os nomes do diretor da biblioteca ou do secretário municipal da Cultura, diferentemente do que fez ao anunciar o início da mesma exposição e os R$ 37,5 milhões da Cultura para “desbancar o Natal de Gramado” —o que incluía o Papai Noel nocauteado pela ventania na Paulista.
É como se, de uma hora para outra, as entidades se autogerissem.
O prefeito também apareceu pouco. “Ricardo Nunes declarou, no domingo, que os criminosos foram identificados pelas câmeras de segurança e estão sendo procurados pela polícia”. Um suspeito foi pego na segunda (8). O outro, não. As obras, tampouco.
“Se fosse um prefeito enérgico, o administrador da biblioteca já teria sido despedido. Como é possível uma exposição, com peças de valor cultural inestimável, ser ‘guardada’ por uma segurança privada, sendo que viaturas da Guarda Civil Metropolitana estavam na Paulista, fazendo nada?”, questiona o advogado José Ronaldo Curi. “E a secretaria de Cultura e Economia Criativa vem esclarecer que as peças tinham seguro? Quanta insensatez”, comenta o leitor.
O crime só torna mais urgente voltar a questões pouco exploradas no texto da Folha sobre o centenário da Mário de Andrade, como as trocas sucessivas e mal explicadas na diretoria ou o que teria sido feito para adequar o espaço às atividades atuais.
Depois do roubo, o jornal foi atrás de especialistas e colheu comentários sobre como a gestão subestimou os riscos da exposição das obras. Mas ainda não parece convencido de que essa história, como qualquer outra, precisa de personagens.
Fonte ==> Folha SP

