A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Cplp, está de liderança nova e desta vez é uma mulher: a embaixadora de Angola, Maria de Fátima Jardim. Ela tomou posse em julho, como secretária-executiva, para um mandato de dois anos, que pode ser renovado.
Diplomata e política experiente, ela foi deputada no Parlamento angolano, e já chefiou o Ministério do Ambiente e o Ministério das Pescas de seu país.
Comércio e diplomacia
Formada em Biologia, Maria de Fátima Jardim foi a negociadora de Angola na Conferência da ONU sobre Mudança Climática, em 2015, que resultou no Acordo de Paris.
Nesta primeira entrevista à ONU News, de Lisboa, a nova secretária-executiva afirmou que a modernização é um dos objetivos de seu mandato, e que ela pretende promover uma grande aliança social na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa utilizando a diplomacia comercial como plataforma para combater a pobreza e alavancar as economias do bloco.
“Temos que fazer, naturalmente, dos nossos produtos também um cartão de diplomacia? Portanto, vamos nos concentrar em tudo isso para modernizarmos, para estruturarmos, para fazer com que nossos Estados possam dar exemplo. Como estão a dar exemplos de paz, de estabilidade e ajudando na gestão de conflitos. Como sabe, muitos de nossos Estados passaram por conflitos e ainda continuamos com focos de conflitos. Mas sem estabilidade, não vamos ter nem estabilidade social sem paz, nem estabilidade econômica.”
Apoio de diversos países
Para a nova secretária-executiva da Cplp, a força do bloco está também no dividendo demográfico. A previsão é de que até o fim do século, o número de habitantes em países de língua portuguesa ultrapasse 500 milhões.
O que também deve favorecer o crescimento do português em fóruns internacionais. E para isso, ela conta com o apoio financeiro de pelo menos 32 Estados-observadores da Cplp. A lista inclui Estados Unidos, Reino Unido, França, Índia, Japão e outras dezenas de países.
“Agora queremos que, naturalmente, os parceiros se juntem ao plano. Nós, Estados-membros, não somos muitos. Mas os Estados-observadores já representam aquilo que é como força na nossa intenção. Somos 32 Estados-observadores. Está a aumentar, a cada dia. Eu estou aqui há dois meses e tenho que dizer que já recebi novas intenções. E temos o orgulho de dizermos que também temos um novo membro observador que é a Austrália. Veja onde estamos?”
ONU News/Alexandre Soares
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Cplp, completa 30 anos em 2026
Empoderamento feminino
Para a embaixadora Maria de Fátima Jardim, a autonomia da mulher é uma das prioridades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e para tal, é preciso promover educação, nutrição e saúde em todas as áreas da sociedade investindo na formação da mulher jovem.
“A jovem mulher só pode estar livre se estiver educada. Educação em primeiro lugar. É preciso definirmos as nossas décadas com realismo. A década anterior foi uma década em que a mulher deveria, naturalmente, ser educada para as novas tecnologias. O que é a nova tecnologia para o mundo? Quando temos um mundo ainda tão desigual? Nós temos falado com mulheres líderes e no quadro das mulheres líderes, verificamos que somos muito poucas.”
O número de mulheres na política tem subido em Parlamentos lusófonos, e em algumas nações nos mesmos patamares da média global que é de quase 25%, mas nenhuma nação de língua portuguesa, neste momento, tem uma mulher como primeira-ministra ou presidente.
Leia e íntegra da entrevista com Maria de Fátima Jardim no Podcast ONU News:
ONU News: Vamos começar falando do seu plano para esse mandato à frente da CPLP. O que muda?
Maria de Fátima Jardim: Em primeiro lugar, nós temos de facto um mandato que nos foi conferido pela Cimeira de Chefes de Estado na Guiné-Bissau. Como sabem, a Guiné-Bissau é a nível de chefia é um país que tem a Presidência. Assumimos com foco em algumas destas importantes questões. E a mais importante é modernizar e reestruturar a Cplp. Perante todo o contexto global que estamos a viver, temos que ter uma Cplp moderna, atuante, dinâmica, interventiva e fazer com que os desafios e o foco da nossa intervenção possa ser visível e possa ser a nossa atuação e sobretudo para com as agendas. A nossa agenda da Cplp tem, por princípio, um lema. O lema é soberania alimentar e caminho para o desenvolvimento sustentável. Nós temos dois quadros de estratégia: a estratégia de segurança alimentar e nutricional. Mas agora vamos cooperar e falarmos ao mundo o que representa a soberania alimentar no quadro da estratégia de segurança alimentar e nutricional. Para além disso, também temos, naturalmente, a área econômica. Queremos aqui enfatizar qual pode ser a nossa contribuição num quadro não só de crescimento produtivo, mas também de fazermos redução da pobreza e da desigualdade nos nossos respectivos países. Como sabem, nós somos economias novas, mas temos uma troca de experiências e uma diversidade de posicionamento na nossa Cplp. Queremos aqui referir que somos Estados jovens, mas temos também outros com uma história muito grande e a nossa língua está espalhada pelo mundo. Por que não podemos – e aqui peço desculpa – mas queremos dizer que estamos a defender que a língua portuguesa possa ser, de facto, ser uma das línguas que as Nações Unidas possam utilizar em todos os canais.
Centro de Língua Portuguesa
Em 2021, Dakar, comemoração do Dia da Língua Portuguesa. Número de estudantes de língua portuguesa aumento no Senegal
ON: Mas eu gostaria de saber: o que muda nesses 30 anos? O que se pode esperar dessa nova década? Já se falou em comércio, já se falou em sociedade civil. Qual é o eixo agora de 2026 a 2036, se pudermos falar assim?
MFJ: Uma aliança. Uma aliança social que possamos chamar uma aliança global focada naquilo que, hoje sob o ponta de vista de diagnóstico real, nós temos nas sociedades mundiais. Estamos com um desequilíbrio, estamos falando do comércio. Mas como é que o comércio não pode ser nossa prioridade? A questão dos preços dos produtos-base é uma questão alarmante. Como poderei dar o pão? Como poderei eu, com a soberania alimentar, assegurar o crescimento produtivo nacional conservando, naturalmente a minha cultura, e fazendo com que na minha zona rural, as nossas crianças possam ser nutridas e possa assegurar uma geração mais saudável. Comércio é para nós muito importante e está introduzido dentro do pilar nosso, da diplomacia econômica e do eixo para o desenvolvimento das nossas economias. Nós temos economias que estão em reestruturação, em modernização. São novas, mas temos economias que são vibrantes.
Temos agendas nacionais, temos uma agenda global, mas também queremos entrar nesse desafio. Por que não exportamos? Por que não produzirmos mais internamente. Por que não comer eu, em cada país da CPLP, uma banana CPLP? Por que não comer no mundo uma banana CPLP? Estamos a ver que aí é preciso também uma nova agenda para o mundo: comércio. Por que não os nossos empresários fazerem uma relação que não seja só de fóruns? Temos que fazer, naturalmente, dos nossos produtos também um cartão de diplomacia? Portanto, vamos nos concentrar em tudo isso para modernizarmos, para estruturarmos, para fazer com que nossos Estados possam dar exemplo. Como estão a dar exemplos de paz, de estabilidade e ajudando na gestão de conflitos. Como sabe, muitos de nossos Estados passaram por conflitos e ainda continuamos com focos de conflitos. Mas sem estabilidade, não vamos ter nem estabilidade social sem paz, nem estabilidade econômica. E não vamos ter, naturalmente, responsabilidade de crescermos. Só podemos crescer desde que nós todos trabalhemos para um mundo social mais justo. E isso não é só justiça social também é justiça comercial.
Nós estamos a festejar, em muitos nos nossos Estados, 50 anos de independência. Somo países jovens. Por que não pensarmos numa agenda 50 anos moderna junto com a Cplp?
ON: Dizem que os 50 são os novos 30. Então faz sentido: 50 dos países africanos e 30 anos da Cplp. Estamos na mesma página como se diz… Vamos falar aqui da língua portuguesa e a senhora acabou de dizer que o português tem que ser língua oficial das Nações Unidas. Este é um projeto de Portugal com o apoio do Brasil e de outros países de língua portuguesa. Como fazer com que essas resoluções, declarações saiam do papel e se tornem realidade. E se 2030 vai ser um tempo alcançável?
MFJ: Estou a ver aquilo que vai ser nos próximos 30 anos a Cplp. Seremos 500 milhões de falantes. Já por aí, pela população, estamos a ver pessoas. E num quadro de pessoas, estamos a ver 500 milhões de falantes portugueses. Para não dizermos, claramente, que a nível da CPLP, Estados-membros, estamos a ter muito desejo de alguns Estados associados virem a nós por causa da língua, da disseminação da língua, da sua história, do conhecimento das suas culturas, mas sobretudo de vermos o que é cada cidadão do mundo quer e faz. Liberdade, igualdade, e podermos ter naquilo que, hoje, é a visão moderna de migrações. Uma mobilidade mais justa.
Eu estou a falar desta forma porque estou livre porque estou a falar em português. Se estivesse a falar em inglês ou em francês, já não estaria a falar como estou a falar com a Monica. Portanto, é justo pensarmos que apesar de termos aqui falado no multilinguismo e falado na diversidade linguística, é justo pensarmos, que estes 500 milhões que seremos, já seja suficiente para adotarmos a língua portuguesa nos canais das Nações Unidas. Portanto, isto é um esforço que estamos a fazer. Temos algumas regiões que já deram este exemplo, como por exemplo, a própria região africana. Na região africana já se fala português dentro dos circuitos da União Africana. Vamos ter agora encontros entre a língua portuguesa e a língua espanhola, nós somos latinos também. Portanto, estamos a clamar idênticos direitos para podermos intervir com mais propriedade, com mais convicção naquilo que é a nossa obrigação de continuarmos com os diálogos a podermos reforçar as nossas agendas e também a agenda da CPLP, dos países falantes do português ou que querem incluir o português como língua também em tudo que são as nossas conversas.
© Pnud Angola/Cynthia R Matonho
Luanda, Angola. Até o fim do século a maior parte dos falantes de língua portuguesa estará na África
ON: E a senhora está certíssima quando a senhora diz que a língua tem legitimidade pelo número de 500 milhões. Já somos mais de 300 milhões de pessoas no espaço geográfico que usa o português como língua oficial. E como essa perspectiva de 500 milhões é para ser alcançada até 2100, mas pode-se chegar lá antes disso. Mas quando se discute essa questão aqui nas Nações Unidas e outros fóruns internacionais, se fala também do preço, e quem vai pagar por essa conta. Existe um plano sobre essa questão financeira?
MFJ: Existe. Sempre existiu. Agora queremos que, naturalmente, os parceiros se juntem ao plano. Nós, Estados-membros, não somos muitos. Mas os Estados-observadores já representam aquilo que é como força na nossa intenção. Somos 32 Estados-observadores. Está a aumentar, a cada dia. Eu estou aqui há dois meses e tenho que dizer que já recebi novas intenções. E temos o orgulho de dizermos que também temos um novo membro observador que é a Austrália. Veja onde estamos? A Austrália cuja entrada foi decidida agora na reunião de Bissau. Portanto, não queremos dizer que isso não possa ser planificado, mas estamos a falar num quadro de justiça. Então, todos os que queiram aderir a este projeto: Cplp-Lusófona têm que participar e pelo número de observadores que estão a ter acesso e querem ter acesso, e o número de membros e também os observadores constituintes que já estão a mais de uma centena e meia. Então, por favor, temos que concluir que isto é projeto para todos. Monica, é projeto para todos. Sem dúvida.
ON: Um trabalho para todos. E esta perspectiva que a senhora traz é nova e moderna. Eu não tinha escutado ainda dentre tantas conversas essa perspectiva de que os Estados-observadores também devem ajudar. E nos Estados-observadores há França, há Reino Unido, há Estados Unidos, há Japão, todos os membros do G7 à exceção da Alemanha. Essa perspectiva é muito interessante. A senhora traz a liderança feminina para a Cplp. Vamos imaginar que numa foto de família, a senhora é a única mulher. E alguns países da Cplp também têm aumentado o número de mulheres no Parlamento. O que a Cplp pode fazer para trazer mais mulheres para a política, e para que uma menina que vê a senhora agora possa pensar que ela um dia também pode ser secretária-executiva da Cplp?
MFJ: Em primeiro lugar, temos que dizer que a Cplp também considera a mulher uma questão também de desenvolvimento. Está dentro da agenda. Quando falamos de inclusividade, temos que ser claros: mulher e juventude. O último lema da Cplp foi juventude, foi presidido por São Tomé: juventude. Como fazendo parte do desenvolvimento sustentável. Mas estamos aqui a falar numa coisa que eu disse há bocado: participação de cidadania. O que representa a mulher num quadro daquilo que são as famílias saudáveis. Estamos e somos subscritores dos acordos (internacionais), sobretudo vamos relembrar Pequim. Vamos relembrar a grande conferência das Nações Unidas que reuniu as líderes mulheres aí nas Nações Unidas. E queremos dizer que hoje já somos exemplo daquilo que é a coparticipação da mulher no dinamismo para que as nossas sociedades possam ter no exemplo das mulheres, no nosso valor, porque somos também integrantes da transmissão dos valores da pequena unidade que é a família. Então queremos referir que precisamos de mais diálogo, mas também precisamos da formação de líderes. E não quer dizer que líderes só políticos porque também eu posso encontrar líderes no mundo rural, líderes mulheres na agricultura, no comércio, líderes mulheres que possam fazer desta década, que vai ser próxima década da juventude, uma aliança, de facto, daquilo que hoje representam as jovens mulheres. Temos que trabalhar para acabarmos com o analfabetismo na jovem mulher.
A jovem mulher só pode estar livre se estiver educada. Educação em primeiro lugar. É preciso definirmos as nossas décadas com realismo. A década anterior foi uma década em que a mulher deveria, naturalmente, ser educada para as novas tecnologias. O que é a nova tecnologia para o mundo? Quando temos um mundo ainda tão desigual? Nós temos falado com mulheres líderes e no quadro das mulheres líderes, verificamos que somos muito poucas. Os Parlamentos estão, de facto, a adotar isto. Mas vamos ver as nossas zonas em que há mais pobreza. As mulheres não têm a educação necessária para terminar a escola, e por outro lado, há muita desigualdade. Nós não podemos, de forma nenhuma, por ser mulher, termos o rótulo de mulher na cabeça, quando somos as especiais na natureza. Portanto, num quadro de família, num quadro de década, num quadro de desenvolvimento, num quadro de prioridade, a mulher tem que ser uma questão a priorizar. Jovem mulher com muito mais responsabilidade porque sem a jovem mulher, em alguns Estados, e já estamos a ver que a juventude hoje leva uma bandeira. E nós temos a bandeira da juventude na Cplp. Portanto, estamos aqui a ver a continuidade dos desafios de desenvolvimento sustentável com a mulher jovem como o principal desafio da inclusividade. O que estamos a assegurar? Vamos assegurar a ela saúde, educação, nutrição. Criança nutrida, criança educada, criança saudável, geração saudável. E o mundo já saber quais são os objetivos da próxima agenda. Então, eu estou aqui a dizer que se ponha aí, claramente, a mulher que tem que estar presente em tudo. Participação, cidadania, tudo isso tem que estar priorizado na próxima agenda.
Crianças estudam português em escola apoiada pelo Unicef
ON: Secretária-executiva, muito obrigada pela sua entrevista. Algo mais que gostaria de acrescentar?
MFJ: Gostaria de deixar a mensagem ao mundo através da Cplp. Não só a mensagem da maior promoção da língua portuguesa, mas fazermos também daquilo que é hoje a nossa intenção de modernizarmos e estruturamos. Mas termos mais falantes. E estamos com esperança para aquilo que são os próximos desafios. Mas deixar a todos os falantes em português e não só, a todos que ainda não falam português, a mensagem de que estamos aqui. E queremos mais escolas, queremos mais centros, onde possamos conviver em poesia, em arte, em cultura, em modelos que possam, de facto, fazer com que a língua portuguesa seja expressivamente aquela que nos possa unir em um mundo mais justo, de mais paz, maior equilíbrio e de menor desigualdade. Muito obrigada.
*Monica Grayley é editora-chefe da ONU News Português
Fonte ==> United Nations