Europa continua dependente dos EUA para se proteger – 17/02/2025 – João Pereira Coutinho

Duas setas que, nas placas de trânsito significam retorno, se encontram entrelaçadas como elos de uma corrente, uma em preto e a outra em vermelho. Ao redor delas orbita o círculo símbolo da União Europeia, só que ao invés de amarelas, metade com as cores de uma das setas, metade com as cores da outra.

Take 1

Os gringos vieram a Munique para avisar: a Ucrânia vai perder território, não terá acesso à Otan e os europeus que tratem da Rússia.

Essa conversa não tem novidade. Basta saber história. Em 1938, na mesma cidade, houve uma proposta igual: a Alemanha que ficasse com os sudetos e a Tchecoslováquia que se habituasse à ideia. Não que os tchecos estivessem de acordo. Mas nem sequer foram escutados.

Nesse quesito, Volodimir Zelenski não é muito diferente de Edvard Beneš, o presidente tcheco que o premiê britânico Neville Chamberlain vendeu aos nazistas.

A ideia era jogar um pedaço de território para Hitler na esperança de que o mastim ficasse saciado. Não ficou. Engoliu o resto da Tchecoslováquia e, como sobremesa, avançou para a Polônia.

Putin não ficará saciado, mesmo que aceite uma proposta temporária. Porque você pode olhar para as invasões russas da Ucrânia como a exceção ou a regra. Há quem acredite na exceção –foi coisa isolada, não voltará a acontecer etc.

Eu olho como a nova regra: a Rússia quer reconstruir o seu império perdido e a Ucrânia é apenas a primeira peça.

Se a Europa tivesse entendido as coisas desse jeito, teria apoiado a Ucrânia como se disso dependesse a sua existência. Com uma vantagem: enquanto fossem os ucranianos a combater, não seriam os poloneses, os tchecos, os alemães etc.

Mas a Europa não tem lideranças. Só isso explica que, depois de todas as ameaças e avisos, o continente permaneça desarmado e dependente dos Estados Unidos, que agora dizem bye-bye. Há exceções. A Polônia e os Estados bálticos investiram em defesa como se não houvesse amanhã. Talvez por saberem que pode não haver.

Munique em 1938, Munique em 2025: há semelhanças, mas também limites, avisa Keir Giles no Financial Times. Ele que escreveu um livro fundamental sobre o assunto, “Who Will Defend Europe?“. Em 1938, e apesar do “apaziguamento”, a Europa estava mais bem preparada para lidar com o Terceiro Reich do que a Europa medrosa e balofa de hoje.

E, além disso, as nações aliadas entenderam rapidamente a natureza da Alemanha nazista.

Agora, e segundo o mesmo Financial Times, há gosto para tudo. Mas ninguém bate os búlgaros e os húngaros nas suas paixões por Putin. Será nostalgia pelos tempos soviéticos?

Mistério. Uma coisa é certa: para grandes nostalgias, o futuro pode trazer grandes remédios.

Take 2

Um afegão de 24 anos, requerente de asilo, atropela uma multidão em Munique. Faz dois mortos e fere dezenas de pessoas.

Já perdi a conta do número de atentados terroristas que a Europa tem sofrido nos últimos anos. Disse Europa? Podemos ficar pela Alemanha.

Os métodos podem mudar: atropelamento, esfaqueamento. Mas os autores são quase sempre os mesmos: imigrantes ou refugiados muçulmanos que se radicalizaram na Europa. Haverá aqui um padrão?

Depende a quem você pergunta. Para a “intelligentsia” europeia, problema nenhum. A culpa é da extrema direita, que “explora” esses casos e fatura nas bilheterias eleitorais. No próximo domingo, a Alternativa para a Alemanha, que chafurda nessas águas, pode ter uma votação histórica.

A “intelligentsia” tem alguma razão. Alguma. Para voltar ao caso alemão, o último ano foi uma salada de frutas inspiradora: radicais muçulmanos, sim, mas também neonazistas. Até houve uma conspiração aristocrática para golpe de Estado, como nos tempos áureos da República de Weimar.

Mas a variedade da fruta não invalida parte do problema: abrir as portas sem critério, coisa que Angela Merkel fez em 2015, é uma receita para o desastre. Antes de “explorar” os casos, a extrema direita é criada pela cegueira de partidos responsáveis.

E o inverso também é verdadeiro: leio no Daily Telegraph que o governo da Dinamarca, liderado por uma mulher de esquerda, conseguiu reduzir a extrema direita nativa à sua diminuta relevância. Como?

Levando a sério o controle de fronteiras e a concessão de asilo. Como dizem os gringos, “it’s not rocket science”.

Take 3

Gostei de “Setembro 5“, o longa de Tim Fehlbaum sobre o massacre de Munique em 1972.

Relembro: os Jogos Olímpicos rolavam na cidade. E os terroristas palestinos do grupo Setembro Negro invadiram a Vila Olímpia, acabando por matar 11 atletas e técnicos israelenses.

O filme reconta a história sem nunca sair do estúdio de transmissão da ABC Sports, onde as decisões editoriais foram tomadas.

Filmamos tudo?

Ocultamos alguma coisa?

A transmissão ao vivo das operações policiais não será uma ajuda para os terroristas que assistem à emissão?

E que informações partilhar? E quando? E com que grau de certeza?

Uma aula prática de jornalismo, dominada até o fim pela busca humana, e sempre imperfeita, da verdade.



Fonte ==> Folha SP

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