Take 1
Os gringos vieram a Munique para avisar: a Ucrânia vai perder território, não terá acesso à Otan e os europeus que tratem da Rússia.
Essa conversa não tem novidade. Basta saber história. Em 1938, na mesma cidade, houve uma proposta igual: a Alemanha que ficasse com os sudetos e a Tchecoslováquia que se habituasse à ideia. Não que os tchecos estivessem de acordo. Mas nem sequer foram escutados.
Nesse quesito, Volodimir Zelenski não é muito diferente de Edvard Beneš, o presidente tcheco que o premiê britânico Neville Chamberlain vendeu aos nazistas.
A ideia era jogar um pedaço de território para Hitler na esperança de que o mastim ficasse saciado. Não ficou. Engoliu o resto da Tchecoslováquia e, como sobremesa, avançou para a Polônia.
Putin não ficará saciado, mesmo que aceite uma proposta temporária. Porque você pode olhar para as invasões russas da Ucrânia como a exceção ou a regra. Há quem acredite na exceção –foi coisa isolada, não voltará a acontecer etc.
Eu olho como a nova regra: a Rússia quer reconstruir o seu império perdido e a Ucrânia é apenas a primeira peça.
Se a Europa tivesse entendido as coisas desse jeito, teria apoiado a Ucrânia como se disso dependesse a sua existência. Com uma vantagem: enquanto fossem os ucranianos a combater, não seriam os poloneses, os tchecos, os alemães etc.
Mas a Europa não tem lideranças. Só isso explica que, depois de todas as ameaças e avisos, o continente permaneça desarmado e dependente dos Estados Unidos, que agora dizem bye-bye. Há exceções. A Polônia e os Estados bálticos investiram em defesa como se não houvesse amanhã. Talvez por saberem que pode não haver.
Munique em 1938, Munique em 2025: há semelhanças, mas também limites, avisa Keir Giles no Financial Times. Ele que escreveu um livro fundamental sobre o assunto, “Who Will Defend Europe?“. Em 1938, e apesar do “apaziguamento”, a Europa estava mais bem preparada para lidar com o Terceiro Reich do que a Europa medrosa e balofa de hoje.
E, além disso, as nações aliadas entenderam rapidamente a natureza da Alemanha nazista.
Agora, e segundo o mesmo Financial Times, há gosto para tudo. Mas ninguém bate os búlgaros e os húngaros nas suas paixões por Putin. Será nostalgia pelos tempos soviéticos?
Mistério. Uma coisa é certa: para grandes nostalgias, o futuro pode trazer grandes remédios.
Take 2
Um afegão de 24 anos, requerente de asilo, atropela uma multidão em Munique. Faz dois mortos e fere dezenas de pessoas.
Já perdi a conta do número de atentados terroristas que a Europa tem sofrido nos últimos anos. Disse Europa? Podemos ficar pela Alemanha.
Os métodos podem mudar: atropelamento, esfaqueamento. Mas os autores são quase sempre os mesmos: imigrantes ou refugiados muçulmanos que se radicalizaram na Europa. Haverá aqui um padrão?
Depende a quem você pergunta. Para a “intelligentsia” europeia, problema nenhum. A culpa é da extrema direita, que “explora” esses casos e fatura nas bilheterias eleitorais. No próximo domingo, a Alternativa para a Alemanha, que chafurda nessas águas, pode ter uma votação histórica.
A “intelligentsia” tem alguma razão. Alguma. Para voltar ao caso alemão, o último ano foi uma salada de frutas inspiradora: radicais muçulmanos, sim, mas também neonazistas. Até houve uma conspiração aristocrática para golpe de Estado, como nos tempos áureos da República de Weimar.
Mas a variedade da fruta não invalida parte do problema: abrir as portas sem critério, coisa que Angela Merkel fez em 2015, é uma receita para o desastre. Antes de “explorar” os casos, a extrema direita é criada pela cegueira de partidos responsáveis.
E o inverso também é verdadeiro: leio no Daily Telegraph que o governo da Dinamarca, liderado por uma mulher de esquerda, conseguiu reduzir a extrema direita nativa à sua diminuta relevância. Como?
Levando a sério o controle de fronteiras e a concessão de asilo. Como dizem os gringos, “it’s not rocket science”.
Take 3
Gostei de “Setembro 5“, o longa de Tim Fehlbaum sobre o massacre de Munique em 1972.
Relembro: os Jogos Olímpicos rolavam na cidade. E os terroristas palestinos do grupo Setembro Negro invadiram a Vila Olímpia, acabando por matar 11 atletas e técnicos israelenses.
O filme reconta a história sem nunca sair do estúdio de transmissão da ABC Sports, onde as decisões editoriais foram tomadas.
Filmamos tudo?
Ocultamos alguma coisa?
A transmissão ao vivo das operações policiais não será uma ajuda para os terroristas que assistem à emissão?
E que informações partilhar? E quando? E com que grau de certeza?
Uma aula prática de jornalismo, dominada até o fim pela busca humana, e sempre imperfeita, da verdade.
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Fonte ==> Folha SP