Jonas Marques, CEO Pague Menos: funcionário feliz dá lucro – 01/08/2025 – Mercado

Jonas Marques, CEO Pague Menos: funcionário feliz dá lucro - 01/08/2025 - Mercado

“Em 95% dos casos clínicos que atendi no começo da carreira, o problema era sempre o mesmo: as pessoas sofrem pela vida que elas têm em comparação àquela que elas gostariam de ter. E muito do sofrimento vinha dos empregadores. Pensava: ‘Meu Deus! O que essas empresas têm que impedem essas pessoas de exercerem seu potencial, por que elas não se colocam na função de protagonistas em vez de assumirem o papel de vítimas?’.”

Marques prometeu a si mesmo que, se um dia fosse trabalhar em empresas e se tornasse líder, iria testar um modelo diferente, focado em diminuir a distância entre a vida corporativa ideal e a real. A oportunidade chegou em janeiro de 2024, quando assumiu o comando do grupo de varejo farmacêutico Pague Menos.

Terceira maior varejista do setor, depois de RD Saúde (Raia Drogasil) e DPSP (Drogarias São Paulo e Pacheco), a Pague Menos passava por um momento difícil. A rede havia amargado prejuízo em 2023 e atingido um nível total de endividamento de quase quatro vezes o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), depois da compra da Extrafarma, sua maior concorrente no Nordeste, uma aquisição se mostrou mais complexa que o esperado.

Ao final de 2024, porém, a Pague Menos reverteu o prejuízo de R$ 13,9 milhões para lucro de R$ 128,3 milhões. A venda média mensal por loja cresceu 17%, com alta de 13,5% na receita bruta anual, para R$ 13,6 bilhões. A alavancagem da companhia caiu para 2,8 vezes o Ebitda. Os bons resultados seguiram no primeiro trimestre deste ano, com aumento de 17% nas vendas mesmas lojas (pontos abertos há mais de 12 meses), um indicador que chamou a atenção dos analistas por superar o das demais empresas de capital aberto do setor: a líder RD Saúde (alta de 5,4% nas vendas mesmas lojas) e a Panvel (11,8%).

De acordo com a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias), em número de lojas, a Pague Menos superou este ano a DPSP e se tornou vice-líder nacional: 1.656 contra 1.650.

“Eu não entrei para fazer acionista feliz”, diz Marques, que acumulou uma carreira de 30 anos na indústria farmacêutica (passou por Roche, Stiefel, Isdin e Bayer) na América Latina, Europa e Oceania. “Mas posso dizer que, se você tem um diagnóstico muito claro de uma empresa, baseado na escuta das pessoas, na montagem de um time comprometido e na definição de prioridades, os resultados vão explodir. Se os funcionários estão felizes, os resultados vêm e os acionistas ficam felizes.”

Mas a Pague Menos trazia uma peculiaridade: com sede em Fortaleza, e 26 mil funcionários diretos em todos os estados do país e no Distrito Federal, era gente demais para escutar. Marques decidiu selecionar parte dos colaboradores para ouvi-los pessoalmente. Em uma plataforma online de sorteios, colocou o nome de todos e sorteou 350. “Dividi os 350 em 70 grupos de cinco pessoas. Com cada um dos 70 grupos, promovi reuniões presenciais de uma hora, na minha sala, e perguntei: ‘Existe algo que te incomoda? O que você mudaria se fosse eu?’.”

Descobriu coisas que dificilmente passam pelo radar de um CEO. Com mais de 60% dos pontos de venda no Nordeste, faltava ar-condicionado nas lojas. Os funcionários não tinham um puff para se recostarem na área reservada, onde as geladeiras estavam sujas e faltava micro-ondas para esquentar a marmita; às vezes, era preciso ir a um comércio vizinho para aquecer a comida. Bebedouros tinham água salobra ou com gosto de cloro. Levar a cesta básica, do CD (centro de distribuição) para casa, era sempre um problema, já que essas instalações costumam ficar afastadas dos centros urbanos e os funcionários não têm carro.

Mas o pior era o plano de saúde: não havia um teto para os descontos de coparticipação na folha de pagamento. Marques ouviu casos escabrosos, de funcionários que tiveram dois filhos internados de uma só vez e chegaram ao final do mês sem nada a receber, a conta do plano de saúde tinha “comido” todo o salário, apenas o adiantamento havia sido creditado.

“Aquilo me matou, sabe? Eu pensei em mim, na minha família. O que seria de mim se eu não recebesse o dinheiro no fim do mês?”, diz Marques, que só trocou a clínica pela iniciativa privada quando a mulher, também psicóloga, ficou grávida de gêmeos. “Dois psicólogos não dariam conta de uma família”, diz ele, que em 1994 começou a trabalhar como “propagandista” da Roche –como são chamados os representantes comerciais da indústria farmacêutica que apresentam produtos à classe médica.

A diretoria de recursos humanos da Pague Menos entrou em negociação com as operadoras de plano de saúde e ficou definido um limite mensal de desconto na coparticipação, de R$ 200.

SEM AUMENTO DE SALÁRIO

Em relação à cesta básica difícil de carregar, foi cogitada a adoção do vale-alimentação –mas os próprios funcionários descartaram a ideia, ao descobrirem que o valor da cesta cairia pela metade, porque a empresa consegue descontos com fornecedores. A Pague Menos decidiu criar uma logística própria, em que as cestas são entregues em terminais de ônibus, o que facilita o transporte.

Foram instalados ar-condicionado, micro-ondas e reorganizado o espaço reservado dentro das lojas. Mas não é tudo que dá para atender, admite Marques. “Teve quem pedisse para climatizar o centro de distribuição, o que é inviável, porque são milhares de metros para cobrir, o espaço já é ventilado e não é a nossa prioridade”, diz. Com o salário, a mesma coisa.

“Eu explico a todos que a empresa faz uma pesquisa salarial a cada seis meses em cada região onde atua, que as pessoas são pagas de acordo com a média do mercado e pela sua raridade. Quanto mais pessoas

fazem determinado trabalho, menor o salário”, afirma. “A gente diz claramente, porque não é criança, né? E adulto não engana adulto.”

Mas Marques faz questão de pontuar os benefícios, que incluem bônus anual, que atingiu 120% do salário em 2024. “Se determinada loja se sobressai na rede, a ponto dela atingir nota máxima no programa de cliente oculto [serviço contratado pela própria empresa para avaliar o seu atendimento], todos na loja obtêm reconhecimento, a gente promove um almoço, uma celebração”, diz.

No programa de cliente oculto, todas as 1.656 lojas da Pague Menos são avaliadas pelo menos uma vez a cada três meses. No ano passado, o grupo ganhou o prêmio Reclame Aqui como o melhor no atendimento e reputação do setor. Em 2025, voltou a ser indicado à premiação, que acontece em dezembro.

“Como primeiro CEO profissional, fora da família controladora, o Jonas Marques tem feito um trabalho de destravar valor da Pague Menos que, proporcionalmente, ainda é muito inferior ao da RD Saúde”, diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail. “Embora a distância entre as duas seja enorme, este ano a RD Saúde teve uma perda de valor de mercado e a Pague Menos está aumentando o seu valor, em uma época duríssima para o varejo na bolsa, principalmente por conta do cenário de juros altos, o que já mostra um reconhecimento do trabalho feito pela rede.”

Para Serrentino, a estratégia de valorizar as pessoas tem aderência no setor de varejo, que é “muito intensivo em gente”. “Farmácia é ainda mais, porque depende muito da qualidade do atendimento em loja, da qualidade dos farmacêuticos, de fazer a diferença no relacionamento com cliente”, diz.

Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer, diz que Marques traz uma perspectiva inovadora para uma empresa familiar que, como a maioria das brasileiras com este perfil, tem um modus operandi tradicional.

“Os últimos balanços mostram um desempenho bastante positivo do grupo, que foi o primeiro a montar uma rede nacional de varejo farmacêutico”, afirma. Para o consultor, a Pague Menos também já mostrou uma correção de rota. “Antes a ordem era marcar presença em uma cidade, mesmo só com uma loja, mas eles perceberam que é preciso estrear com mais relevância.”

Em 2024, foram abertas 30 novas lojas e encerrados 13 pontos de venda. Para este ano, a meta é abrir 50 lojas, boa parte delas no Nordeste, onde a empresa vem reforçando suas posições. Em pouco mais de 1.100 lojas, a Pague Menos instalou clínicas para prestação de serviços, como vacinação e exames médicos, boa parte deles prestados gratuitamente, como forma de fidelizar a clientela.

‘LÍDER DEVE SER AUTÊNTICO E VULNERÁVEL’

Assim que entrou no grupo, Marques pensou em fechar as lojas no Rio Grande do Sul, onde a rede conta com apenas sete unidades e enfrenta forte concorrência com a Panvel e a Farmácias São João. O fundador da Pague Menos, Deusmar de Queirós, pediu para ele não fazer isso. “O sonho dele era criar uma rede nacional e ele conseguiu, eu não poderia desfazer isso”, diz Marques, revelando que foi Queirós quem o convidou para o cargo, com a missão de perpetuar a Pague Menos. Sua primeira reação foi declinar.

“Eu tinha visitado umas dez lojas e não gostei do que eu vi: pessoal não me deu atenção, as fachadas estavam mal cuidadas e tinha até lojas com lâmpadas queimadas”, lembra. “Disse para Deusmar que aquele negócio não iria dar certo”, afirma Marques, que voltou para Sydney, onde comandava a divisão de medicamentos sem prescrição da Bayer na Oceania.

Mas a mulher de Marques, Margarete, percebeu que o convite tinha mexido com o marido, que teria a chance de voltar à terra natal, o Ceará, e impactar a vida de muito mais pessoas. “Já fui CEO de indústria farmacêutica, mas o varejo envolve uma complexidade enorme, é um organismo vivo”, diz. “Na indústria, as margens são altas e os ciclos são longos. Se algo não estiver funcionando bem, você pode se dar ao luxo de demorar seis meses para arrumar. No varejo, você tem seis minutos.”

Na sua página na rede social LinkedIn, Marques afirma “acreditar fortemente na sinergia entre autenticidade e vulnerabilidade como impulsionadora da liderança”. E expõe algumas das suas dores, como a perda do filho Pedro, aos 20 anos, em 2014, vítima de um acidente de carro.

Mas, para não assumir o papel de vítima do “triângulo do drama de Karpman”, o executivo decidiu pensar que, por 20 anos, foi pai de um jovem maravilhoso, que partiu sem que ele lhe devesse nada. “Eu amei, dei bronca, afeto, aproveitei todo o tempo que tivemos juntos, vivemos o hoje –algo que eu aprendi quando trabalhei com pacientes com câncer”, diz.


RAIO-X PAGUE MENOS

Fundação: 1981

Sede: Fortaleza (CE)

Funcionários: 26 mil

Presença: 1.656 lojas em 26 estados e no DF; 9 centros de distribuição (CE, PE, BA, PA, MA, GO, MG e SP)

Faturamento: R$ 13,6 bilhões (2024)

Principais rivais: RD Saúde, DPSP, Panvel, Farmácias São João



Fonte ==> Folha SP

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