juros altos, “tarifaço” dos EUA e risco fiscal em alta

juros altos, "tarifaço" dos EUA e risco fiscal em alta

Após um primeiro trimestre com um crescimento do PIB bem robusto, a economia brasileira dá sinais claros de desaceleração. O ritmo de crescimento, que animou o mercado no início do ano, agora entra em um ritmo mais lento, um reflexo direto do efeito prolongado dos juros elevados e de um cenário internacional cada vez mais complexo, especialmente após os Estados Unidos estabelecerem em julho um “tarifaço” em relação aos produtos importados do Brasil.

Os dados que serão divulgados nesta terça-feira (2) pelo IBGE devem confirmar essa tendência, com uma expansão modesta do PIB no segundo trimestre, estimada por instituições financeiras entre 0,2% e 0,5%, comparativamente ao primeiro.

O arrefecimento é disseminado: a indústria encolhe, os investimentos perdem força e até o setor de serviços, principal motor da atividade, demonstra cansaço. Some-se a isso a pressão externa, materializada no “tarifaço” americano, que alimenta a inflação global e limita a margem de manobra do Banco Central (BC) para reduzir a Selic, atualmente em 15% ao ano. O cenário exige paciência com um crescimento mais modesto e atenção redobrada aos riscos fiscais que se acumulam no horizonte.

O freio de mão no PIB: setores perdem tração

A perda de tração da economia é visível em praticamente todos os grandes setores. O consumo das famílias, embora sustentado por um mercado de trabalho aquecido — com desemprego em mínimas históricas de 5,8% e salários em alta, segundo o IBGE —, já não avança no mesmo ritmo. A política monetária restritiva afeta principalmente a compra de bens que dependem de crédito, como eletrodomésticos e veículos.

Nos investimentos, a cautela é ainda maior. Depois de crescerem 9,1% no primeiro trimestre, devem ter uma forte desaceleração. O movimento deve fazer a taxa de investimento cair de 19,3% para 18,7% do PIB, segundo o Monitor do PIB, uma prévia mensal da atividade econômica calculada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

A indústria de transformação, por sua vez, continua sendo o elo fraco, registrando o segundo trimestre consecutivo de queda, com recuo interanual de 0,6%, segundo projeções do Itaú. Em contrapartida, a indústria extrativa, impulsionada pelo petróleo, deve ter avançado 4,3% no trimestre, aponta a XP Investimentos. 

O setor de serviços, responsável por mais de 70% do PIB, ainda deve crescer, mas com sinais de fadiga. Por fim, a agropecuária, grande protagonista do início do ano, retorna a uma contribuição mais normalizada, embora ainda registre um crescimento robusto de 9,8% na base anual, de acordo com cálculos do Itaú.

Juliana Trece, coordenadora da pesquisa do Monitor do PIB no FGV Ibre, ressalta que a desaceleração no crescimento se deve à ausência da forte contribuição positiva da agropecuária e ao efeito defasado dos juros elevados na atividade econômica.

O dilema americano e o efeito cascata no Brasil

Enquanto a economia doméstica se acomoda, o cenário externo adiciona uma camada extra de complexidade. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (o banco central americano) enfrenta um dilema clássico: o mercado de trabalho dá sinais de enfraquecimento, enquanto a inflação se mostra persistente. Para agravar o quadro, a inflação ao produtor disparou 0,9% em julho de 2025, muito acima do esperado, em parte influenciada pelas tarifas de importação adotadas pelo presidente Donald Trump desde o início de seu mandato, no final de janeiro.

Com o núcleo do PCE — medida de inflação preferida pelo Fed e que mede as variações das despesas de consumo pessoal — projetado em um patamar elevado de 0,4% mensais, o banco central americano deve adotar um ciclo de corte de juros muito mais cauteloso do que o mercado gostaria. O primeiro corte, de 0,25 ponto percentual, pode acontecer agora em setembro.

Para o Brasil, as implicações são diretas. Juros mais altos nos EUA por mais tempo significam menor espaço para o Banco Central cortar a Selic de forma agressiva. O “tarifaço” americano, portanto, não é apenas um problema comercial, mas um fator inflacionário global que força outros bancos centrais a manterem uma postura mais dura.

A encruzilhada brasileira: juro alto e o fantasma do déficit fiscal

Diante desse quadro, o Comitê de Política Monetária (Copom) fica com as mãos atadas. Mesmo com a inflação interna dando sinais de arrefecimento, o ambiente externo exige cautela, e o Copom deve manter a taxa Selic em 15% nas próximas reuniões. A discussão sobre um corte de juros no Brasil deve ganhar força apenas no último trimestre de 2025.

Para agravar a situação, o Brasil enfrenta um desafio interno crescente: o “fantasma fiscal”. As projeções para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026 já indicam um déficit primário de R$ 30,9 bilhões, frustrando as expectativas de um resultado equilibrado no próximo ano. Um fator que pesa é o de que 2026 é um ano eleitoral.

Mesmo com o aumento da carga tributária, o Banco Inter estima que o déficit pode se aproximar de 0,7% do PIB em 2026. A economista-chefe da instituição, Rafaela Vitória, alerta que, diante de uma expectativa de inflação de 3,6% para 2027, “ainda haverá um longo período de cautela na política monetária”.

A combinação de crescimento baixo, juros elevados por mais tempo e déficits fiscais persistentes pressiona a trajetória da dívida pública. Com as contas públicas em estado delicado, o governo perde a capacidade de usar o orçamento para estimular a economia.

A economia brasileira fica em uma encruzilhada: dependente de uma política monetária que não pode ser flexibilizada e sem o suporte de uma política fiscal expansionista.



Fonte ==> Gazeta do Povo.com.br

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