Mapeamento enumera desafios e boas práticas do afroturismo – 24/10/2025 – Denise Mota

Viajantes da comunidade Nomadness em Salvador

O momento atual do afroturismo no Brasil, com seus desafios e boas práticas, é o eixo central de um mapeamento de negócios geridos por empreendedores negros. O objetivo é não só preservar e transmitir tradições a todo tipo de viajante mas também levar desenvolvimento para suas comunidades e gerar oportunidades de trabalho local.

Afroturismo é um termo que passou a ser utilizado formalmente no mercado brasileiro em 2018, a partir de uma tendência observada ainda no início daquela década: a de oferecer roteiros não só relacionados à cultura negra mas também a partir de iniciativas administradas por pessoas que a vivem e a mantêm no dia a dia.

Nesse sentido —em uma perspectiva que ganha relevo no Brasil, mas que já é medular entre populações afro-norte-americanas, por exemplo—, um documento da Embratur desenvolvido com o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe) traça um panorama do estado desse tipo de turismo em território nacional e como ele deve ser feito.

Com base em literatura especializada, a participação de instituições que atuam junto ao setor e recomendações de profissionais que impulsionam o afroturismo, o guia destaca entre as boas práticas fundamentais: o protagonismo comunitário e negro nos negócios —entendido por propriedade, gestão e execução dos serviços prestados—, propostas com foco na cultura afro, agência com sede local e autenticidade dos produtos oferecidos que contribuam para a valorização do patrimônio e da memória negras.

Outros aspectos que fazem a excelência na área são letramento racial da equipe, acessibilidade, aproveitamento de recursos naturais de forma sustentável, utilização de mão de obra e matéria-prima locais, impacto do lucro na comunidade local, protocolo de atenção ao turista definido e valorização das manifestações culturais de forma contextualizada, “evitando sua transformação em commodity”, aponta o guia.

O material traz ainda uma análise de entrevistas feitas com empreendedores destacados de afroturismo no Brasil, na Colômbia, no Panamá, nos Estados Unidos e em Portugal.

Esses agentes apontam entre os principais desafios a falta de vias para acesso a lugares incluídos nos roteiros —localidades por vezes distantes dos grandes centros e onde se encontram projetos de afroturismo rural, quilombola e ecológico— e o baixo nível de capacitação profissional (incluindo a falta de idiomas), o que abre uma desvantagem imediata em relação a grandes agências que trabalham com turismo tradicional. Também mencionam a ausência de políticas públicas que regulem e estimulem a atividade. Tais fatores são essenciais para que “as comunidades locais se beneficiem diretamente do turismo”, como definiu um dos entrevistados.

Países como Estados Unidos e Colômbia —eleito o melhor destino de afroturismo em encontro internacional do setor no ano passado— são alguns dos lugares que se destacam nesse nicho. Outros, como Angola, começam a trabalhar para se tornar atrativos para viajantes que buscam vivenciar e conhecer melhor as raízes africanas que unem a diáspora negra pelo mundo.

Rio, Salvador e São Paulo são os preferidos nos EUA

Outro diagnóstico, voltado ao turismo centrado em empreendimentos afro e em viajantes negros, foi feito recentemente nos Estados Unidos. O país é pioneiro no chamado “turismo de raízes”, que busca conectar integrantes da diáspora africana a destinos na África que tenham relação com sua história ancestral.

No estudo Traveling in Color (turismo em cores), as autoras observam as principais preferências e mudanças no comportamento dos viajantes “Bipoc” (black, indigenous, and people of color), sigla que nos EUA se refere a pessoas negras, indígenas e “de cor” (pertencentes a outras etnias ou culturas minoritárias).

O documento ganhou versão atualizada depois de uma análise anterior (feita em 2020, em meio à pandemia de Covid-19), em razão do crescimento das políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), a partir da eclosão de movimentos como o Black Lives Matter, há uma década.

“Hoje os cinco principais destinos de viagem dos entrevistados são EUA, México, Gana, África do Sul e Tailândia. Embora o Brasil não tenha entrado no top 10 geral, ainda apareceu com 2% dos entrevistados, que o identificaram como um dos três principais destinos”, conta à Folha Evita Robinson, uma das pesquisadoras e fundadora da Nomadness Travel Tribe, comunidade com mais de 30 mil viajantes “Bipoc” ao redor do mundo. “Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo foram as cidades mais mencionadas, apontando para uma base sobre a qual se pode trabalhar”, afirma.

Com base em respostas de mais de 1.500 entrevistados maiores de 18 anos que fizeram pelo menos uma viagem de lazer no ano passado, o relatório aponta que 95% deles buscam “segurança física e emocional” acima de tudo quando saem de casa e 60% consideram o clima político atual nos Estados Unidos um fator que impacta significativamente suas decisões e experiências de turismo.

Com a “administração Trump e turbulência política permanente, o compromisso público parece refletir uma sensação ampla de desilusão e saturação do discurso relacionado com a diversidade”, uma “fadiga coletiva”, define Stefanie Benjamin, da Universidade do Tennessee em Knoxville, uma das autoras da pesquisa.

O relatório se concentra em cinco temas: razões para viajar; pertencimento e representação no campo do turismo; como emoções e intenções se conectam ao ato de viajar e à identidade; economia da inclusão; e futuro da viagem inclusiva.

Diversidade “em evolução”

“Embora muitas empresas tenham reduzido seus esforços públicos de DEI em resposta ao clima sociopolítico atual, o desejo por equidade e representação não desapareceu. Nossa pesquisa deixa isso bem claro: 90% dos entrevistados se identificaram como pessoas de cor, 88% como mulheres, 20% como LGBTQ+ e 32% como deficientes ou neurodivergentes. Essas vozes, muitas vezes sub-representadas nos dados de viagens tradicionais, têm a chance de moldar ativamente o futuro das viagens”, diz a também coautora Alana Dillette, da Universidade de San Diego, na Califórnia.

“Além da demografia, os números mostram um comprometimento real: os viajantes estão dispostos a gastar US$ 215 adicionais por semana quando um destino ou marca não apenas apoia a diversidade, a equidade e a inclusão, mas também destaca atrações culturais que refletem história e identidade autênticas. Isso nos diz que o movimento não está diminuindo, mas evoluindo”, analisa.

O estudo aponta ainda cenários quanto ao futuro das viagens inclusivas e recomendações feitas após conversas com líderes no setor. As chaves são “autenticidade, responsabilidade e mudanças sistêmicas reais, e não soluções superficiais”, afirma Dillette, em consonância com as boas práticas do documento brasileiro.

“Os viajantes desejam mudanças estruturais profundas, narrativas baseadas em experiências vividas e transparência em relação às tensões éticas no turismo. Segurança, representatividade e pertencimento são inegociáveis, e as organizações de marketing de destino devem passar das campanhas à ação com uma liderança diversificada. Por fim, investir em vozes marginalizadas significa não apenas convidá-las, mas deixá-las liderar.”



Fonte ==> Folha SP

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