Depois de anos de silêncio, pouco a pouco Maurice Sendak vai voltando às livrarias brasileiras.
Primeiro, foi a vez dos clássicos “Onde Vivem os Monstros” e “Na Cozinha Noturna”, que em 2023 ganharam novas edições pela Companhia das Letrinhas, após quase uma década em que o escritor e ilustrador americano ficou fora de catálogo. Ambos foram acompanhados por “Lá Fora, Logo Aqui”, que até então era inédito no país. Agora, na terça-feira, dia 11, mais um livro inédito de Sendak chega às prateleiras: a obra póstuma “Dez Coelhinhos”.
Mas a narrativa ilustrada não é novidade apenas no Brasil. A história, sobre um jovem mágico rodeado de coelhos pululantes que se multiplicam e desaparecem, também era praticamente desconhecida nos Estados Unidos, onde ganhou a forma de livro comercial somente no ano passado, 12 anos após a morte de Sendak, em 2012.
Quase sem palavras, as páginas apresentam um personagem de fraque e cartola que move a sua varinha mágica e, com isso, faz um coelho aparecer. Em seguida, ele refaz o truque —e mais um coelho surge. E outro. E mais outro. E outro ainda.
Mais do que um livro que bebe na tradição das narrativas cumulativas e para contar, tão comuns entre leitores mais novos que ainda estão desbravando o universo dos números, o que Sendak produz em “Dez Coelhinhos” é uma sutil ironia para o público infantil.
Tudo começa bem na trama, e o menino mágico tem uma expressão feliz e confiante ao operar o milagre da multiplicação dos coelhos. Quando o quarto bicho aparece, ele boceja, talvez de tédio, talvez porque faça aquilo com os pés nas costas. Quando chegamos a seis coelhos, porém, eles sobem na cabeça do garoto e se empoleiram pela página, fazendo o personagem ganhar uma expressão de irritação. Logo vem o semblante de raiva. Com nove animais, ele já não sabe mais o que fazer. Até que, com dez, desaparece soterrado por um amontoado de orelhas e rabinhos.
“De volta pra cartola!”, ordena então o jovem mágico. A partir daí, um por um, os coelhos retornam ao chapéu e desaparecem gradativamente. À medida que somem de vista, a expressão do menino também vai se transformando. Aos poucos, a exaustão e a raiva cedem espaço para a alegria, que vai dominando as sutis variações em seu rosto.
Sendak pensou inicialmente em incluir a história numa coleção de livros dos anos 1960, mas depois mudou de ideia e engavetou a narrativa. Uma década depois, em 1970, transformou “Dez Coelhinhos” num folheto usado na arrecadação de fundos para o The Rosenbach, instituição que funciona como museu e biblioteca na Filadélfia, nos Estados Unidos. É só agora, mais de 50 anos depois, que a obra chegou às livrarias.
Em entrevista para a NPR, sigla da americana National Public Radio, Lynn Caponera, presidente da Fundação Maurice Sendak, disse acreditar que o escritor e ilustrador teria aprovado essa nova edição. O americano era conhecido por exigir padrões rígidos de impressão e edição para todos os seus títulos.
Aliás, esse foi um dos motivos para que o autor ficasse quase meio século desconhecido de crianças e adultos no Brasil. Nos anos 2000, a Companhia das Letras até tentou publicar por aqui os seus títulos, mas, segundo a editora, os requisitos técnicos exigidos por Sendak abortaram a iniciativa. Foi só a Cosac Naify que venceu todas as condições e lançou “Onde Vivem os Monstros” pela primeira vez no país, em 2009. A ideia era imprimir toda a obra autoral do ilustrador, mas o fechamento da casa, em 2015, interrompeu abruptamente o projeto.
Sendak é um dos mais reconhecidos e premiados autores de livros ilustrados de todo o mundo. Com histórias que mexem com o inconsciente e esfarelam os manuais do bom-mocismo, ele colecionou diversos troféus ao longo da vida, entre eles os dois mais importantes da literatura infantojuvenil: o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel para esse público, e o Alma, sigla do Astrid Lindgren Memorial Award. Em 2023, a BBC elegeu “Onde Vivem os Monstros” como o melhor livro infantil de todos os tempos.
É por isso que choca o fato de sua obra ter ficado tanto tempo longe dos leitores brasileiros. Depois do hiato gerado pelo fim da Cosac Naify, os livros de Sendak só voltaram a ficar disponíveis há cerca de um ano e meio, com as novas edições da Companhia das Letrinhas. “Dez Coelhinhos” é o quarto título a sair dessa fornada. Mas Sendak ilustrou mais de cem publicações, entre narrativas próprias e textos de outros escritores, sendo que há mais duas obras póstumas: “My Brother’s Book”, de 2013, e “Presto and Zesto in Limboland”, de 2018.
A Companhia das Letras afirma que não tem previsão de publicar nenhum outro livro do autor por enquanto. Para os leitores, fica a expectativa de que as histórias de Sendak no Brasil não parem por aí e sejam como os coelhos do pequeno mágico —que elas se multipliquem, mas não voltem (de novo) para dentro da cartola.
Fonte ==> Folha SP