Menopausa precoce: o que ninguém me contou – 12/07/2025 – Pintando um Clima

Ilustração do rosto de uma mulher com cabelos curtos e ondulados olhando para cima com curativos espalhados pela imagem. A imagem usa as cores rosa claro, preto e amarelo claro e o esquema de cores do lado esquerdo é invertido em relação ao do lado direito.

Quando entrei em menopausa aos 38 anos, lembro que fiquei até feliz.

Não menstruar! Adeus, minhas TPMs dubalacobaco! E: isso era um pormenor da vida, considerando que estava lutando contra um câncer de mama.

Pormenor… hahahaha.

Depois de pouco tempo, tudo desabou na minha cabeça: junto com os sintomas da quimioterapia – cansaço, náuseas, perda de cabelo, neuropatias –, vieram os calores. Os apagões mentais. A depressão. Insônia. Uma osteopenia galopante. Infecções urinárias recorrentes. Adeus, libido. Olá, barriga.

Já não sabia o que vinha do quê. Diante das queixas, minha oncologista da época veio com uma tentativa de consolo horrorosa: “fique contente por estar viva”. Não só minha menopausa era invisível como ainda me tiravam de ingrata.

Eu faço parte do 1% a 5% da humanidade que vive a menopausa cedo demais – e tem que arcar com as consequências.

MENOPAUSA PRECOCE X PREMATURA: QUAL É A DIFERENÇA?

Existem duas nomenclaturas para a menopausa antes-do-tempo: prematura e precoce.

A menopausa prematura (antes dos 40 anos) muitas vezes é chamada também de falência ou insuficiência ovariana prematura (IOP).

Geralmente está ligada a fatores genéticos, autoimunes, cirurgias que afetam os ovários ou, como no meu caso, tratamentos médicos como radioterapia ou quimioterapia. Ainda assim, é um tanto comum que a causa permaneça indeterminada.

É pouco comum (atinge cerca de 1% das mulheres), mas traz riscos importantes à saúde, como perda óssea e muscular precoce, maior risco de diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, demência, depressão clínica, disfunção sexual e impacto na fertilidade.

Já a menopausa precoce (que ocorre entre 40 e 45 anos) é um pouco mais frequente, atingindo até 5% das mulheres em todo o mundo. Os fatores podem ser parecidos com os da prematura.

Embora os sintomas imediatos de ambas sejam similares, antecipando problemas que normalmente só apareceriam mais tarde, como insônia, ondas de calor, secura vaginal e mudanças no humor, o impacto da menopausa antes dos 40 tende a ser mais severo.

A diferença de anos pode parecer pequena, mas implica em mais tempo sem progesterona e sobretudo estrogênio, com um tremendo impacto em nossa saúde como mulheres.

Ninguém, absolutamente nenhum dos 1847018 especialistas médicos pelos quais passei me explicou tudo isso nos últimos 8 anos que levo em menopausa pós-câncer — e muito menos me deu opções para meu caso.

ESTROGÊNIO, VILÃO E SALVADÔ

O estrogênio protege o coração, os ossos, os músculos, o cérebro, a pele e o sistema urogenital. Aliás, tudo. Tem receptor de estrogênio em todo canto do nosso corpo, do Oiapoque ao Chuí.

Cada ano sem ele (com pouco dele) representa um tempo maior de vulnerabilidade.

((( rá. ao mesmo tempo, toda paciente de câncer de mama hormônio-dependente passa a vida ouvindo o contrário: que o estrogênio é um vilão, o causador da parada, o lance é baixá-lo a todo custo, não deixá-lo livre, dando sopa pra nos causar uma recidiva etc. Sei que as sutilezas aqui são muitas, incluindo variações metabólicas e de biodisponibilidade entre os muitos tipos de estrogênio etc — mas, gente, viver entre a fábula do estrogênio salvador X vilão é en-lou-que-ce-dorrrr)))

Pra se ter uma ideia do impacto da falta do estrogênio em nossa saúde, somente no primeiro ano pós-menopausa, a perda de massa óssea pode chegar a 7 a 10% na coluna vertebral e até 5% no quadril, com consequente risco aumentado e acelerado de osteoporose, sarcopenia, fraturas e quedas.

Diante disso tudo: o que fazer?

A resposta uníssona mântrica do momento a esse problemão todo você já sabe, porque estará no seu feed, na capa do seu jornal, na boca dos especialistas e das suas amigas: re.po.si.ção hormonal.

REPOSIÇÃO HORMONAL: E SE NÃO POSSO?

A TRH (Terapia de Reposição Hormonal), sobretudo se realizada dentro de 10 anos depois da última menstruação, pode de fato reduzir vários riscos associados à menopausa precoce e prematura. Por exemplo, há estudos que indicam uma possível redução de 20 a 40% no risco de fraturas com certas terapias hormonais. É muchooow.

No entanto, não é pra todo mundo. Pra imensa maioria das sobreviventes de câncer de mama de origem hormonal, por exemplo, a Sociedade Brasileira de Mastologia e outras entidades internacionais desaconselham seu uso, devido à necessidade de mais estudos sobre sua segurança.

Em casos excepcionais como este e alguns outros (mulheres com elevado risco cardiovascular, problemas hepáticos, lúpus ou histórico de trombose), não tem jeito. Sem TRH, a tríade de cuidados universais TEM que contar ainda mais: dieta saudável, exercícios (incluindo fortalecimento muscular, exercício de impacto e cardio para a saúde metabólica) e saúde mental em dia.

E haja saúde mental, minha gente.

Eu aqui, sem direito à carteirinha do hormo-clube, me sinto cada vez mais deixada de fora de uma grande festa. Melhor dizendo: de um privilégio. Da arca de noé hormonal. Jogada na selva escura à mercê das intempéries, do futuro incerto, do maior risco disso ou daquilo.

Diante das crescentes hordas entusiasmadas de especialistas, porta-vozes da menopa e celebridades enaltecendo os benefícios da TRH (“meu corpo voltou a funcionar em harmonia!”, Bruna Lombardi; “me devolveu a energia e vitalidade! não me vejo mais sem!”, Cláudia Raia; “Mudou minha vida”, Michelle Obama — e por aí vai) ao mesmo tempo enumerando os riscos de não fazer (demência! osteoporose! AVC! apocalipse!), eu, que não tenho no momento acesso a esse elixir “milagroso” — assim como outras amigas climatéricas, que não podem ou não querem fazer reposição –, sofro.

Ei, investigadores, instituições, fundações e governos afora: precisamos de mais estudos, mais entendimento e mais opções terapêuticas não-hormonais eficazes para a menopausa.

Já começam a surgir algumas opções não-hormonais para sintomas principais, como o fezolinetant (Veozah) e parentes, recém-aprovados no mercado americano e em alguns países da Europa para o combate de ondas de calor (ainda não liberado no Brasil); mas precisamos de mais.

A tarefa é dura, eu sei. Mas nós que aqui estamos tentando ser exemplares, mais exemplares do que globelettes em capa de revista feminina, comendo nosso brócolis e meditando furiosamente enquanto lidamos com sintomas para os quais não parece haver mais alívio do que 8041270 pílulas coloridas (oi, estatinas, antidepressivos, ansiolíticos, antiinflamatórios, bifosfonatos, metforminas…), contamos em não ficar de fora. Estou contente por estar viva. Mas quero mais.

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Fonte ==> Folha SP

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