Metanol: o que se sabe até agora? Pouco ou quase nada – 04/10/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Um copo em primeiro plano distorce a palavra

Os últimos dias mostraram a gravidade da crise das suspeitas de intoxicação por metanol, mas poucas são as certezas em torno dela. Mais raras ainda são as possibilidades tratadas com a devida prudência.

É preciso, de cara, um pouco mais de cuidado com o potencial alarmismo na divulgação das notificações. Parece apenas óbvio o dever de informar o crescimento dos casos, até mesmo na tentativa de evitar que aumentem ainda mais, mas os números carecem de contexto.

A sexta-feira terminou com 11 casos confirmados e 113 notificações em seis estados, segundo o Ministério da Saúde. Na segunda-feira, os dados eram apenas paulistas, com 6 confirmações (algumas reportagens incluíam um “desde junho“, o que já obrigaria a situá-los melhor no tempo) e dez investigados. A diferença entre a proporção no aumento dos confirmados e das suspeitas deveria motivar maior cuidado na divulgação das notificações galopantes, ao menos por enquanto. Fora isso, o leitor não fica sabendo quanto tempo leva a avaliação de um caso suspeito.

Por outro lado, leitores cobravam os nomes de bebidas, bares e distribuidoras, omitidos enquanto apareciam os primeiros casos. Custou até mesmo para o jornal explicar o motivo da ausência, que veio depois de alguns dias: “Segundo as autoridades, a divulgação dos nomes atrapalharia a investigação”. A essa altura, depois de uma operação em bairros ricos de São Paulo, ao menos alguns nomes de bares já não eram mistério.

A responsabilidade pela crise vai passando de mão em mão, e o que se vê de mais claro é a mídia no meio de um jogo de empurra que mistura política e interesses particulares, desconhecimento e distorção.

Começando do começo, o tarcisômetro apitou no início da semana. Mais uma vez o jornal soou condescendente demais com o governador, que aterrissou no metanol depois de uma visita à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Vale lembrar que até aquele momento a crise se localizava apenas em SP, ainda líder de casos.

Na Folha, “a crise das bebidas adulteradas abriu espaço para o governador deixar de lado a pauta política” (?!?!) e “mergulhar na gestão estadual”. “Tarcísio teve postura incisiva, segundo dois auxiliares,” e “cobrou respostas efetivas à população”.

A CBN já tinha apuração em outro sentido. O governador teria sido alertado de que estava pegando mal passear em Brasília e postar desafio de matemática enquanto a crise começava a crescer no estado que ele governa.

A Folha, depois, mudou o tom do texto para algo mais sóbrio, mas ainda no limite do surrealismo. “Com a crise das bebidas (…) em SP, o governador teve agenda voltada à gestão estadual”. E incluiu que ele estava “pressionado após relatos de intoxicações e mortes”. A pressão viria também da disputa de protagonismo com o governo federal, que entrava no caso de maneira ruidosa.

Em outra frente, o jornal avançou na discussão do descarte inadequado das garrafas. O problema é que se limitava à teoria da indústria do vidro de que bastaria fiscalizar o destino das garrafas para ter “evitado mortes”. Além disso, a linha de argumentação isentava as indústrias do vidro e da bebida da responsabilidade pela logística reversa, passando a bola para uma “fiscalização”.

O texto citava o bem-sucedido sistema alemão Pfand, mas sem informar que a indústria e o comércio participam dele. O sistema tampouco funcionaria se não tivesse adesão ampla da sociedade. E a adesão não vem por mágica: o consumidor é informado de que, se não retornar o vasilhame adequadamente, paga por ele.

Ao mesmo tempo, a garrafa de destilado é tratada como vidro comum, quando claramente tem “valor agregado” num ambiente de prosperidade para o crime como é o Brasil. Não à toa vira mercadoria nos sites de venda de produtos usados. Aí, sim, o poder público precisaria mostrar melhor onde e como tem gastado o dinheiro do contribuinte.

Um ponto positivo: outros veículos passavam recomendação de que os comerciantes quebrassem as garrafas para inutilizá-las. A Folha, pelo menos, falava do perigo da técnica sem equipamento e estrutura adequados.

Houve, ainda, a relação que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública estabeleceu entre a crise e o fim do sistema fiscal de controle de produção de bebidas. O outro lado, nesse caso, era bastante suavizado em relação ao que foi declarado pela Receita e pelo governo, que chamaram a informação de fake news. “O Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) foi descontinuado em 2016 e controlava principalmente cervejas e refrigerantes, mas não verificava qualidade de bebidas”, informou a gestão federal. O governador Tarcísio de Freitas fez a mesma acusação, mas esta ficou sem contraponto.

Também não faltaram os diagnósticos precoces sobre presença ou ausência da participação do crime organizado.

Como se fosse pouca confusão, um título oferecia “como identificar bebidas adulteradas com metanol”. A resposta? “O consumidor não consegue identificar.”



Fonte ==> Folha SP

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