Trinta e oito dos 43 especialistas cortados no mês passado dos conselhos que revisam a ciência e a pesquisa que ocorrem nos laboratórios dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde) são mulheres, negros ou hispânicos, de acordo com uma análise feita pelos presidentes de uma dúzia desses conselhos.
Os cientistas, com especialização em áreas que incluem saúde mental, câncer e doenças infecciosas, normalmente cumprem mandatos de cinco anos e não receberam justificativa para as demissões.
Cerca de um quinto dos aproximadamente 200 membros dos conselhos —que fornecem uma camada independente e especializada de revisão para o vasto empreendimento de pesquisa dentro do NIH— foram demitidos.
Esses cientistas avaliam a qualidade da ciência no maior campus de pesquisa biomédica do país, onde 1.200 investigadores financiados pelos contribuintes lideram laboratórios focados em doença de Parkinson, doenças cardíacas, imunoterapia contra o câncer e outras doenças e tratamentos.
Seis por cento dos homens brancos que servem nos conselhos foram demitidos, em comparação com metade das mulheres negras e hispânicas e um quarto de todas as mulheres, segundo a análise.
Dos 36 membros negros e hispânicos dos conselhos, quase 40% foram demitidos, em comparação com 16% dos membros brancos.
A análise calculou a probabilidade de isso ter acontecido por acaso como 1 em 300.
“Nós os avaliamos [cientistas do NIH] pelo que fizeram —é boa ciência, você está publicando, está fazendo algo relevante para a missão do NIH?”, disse JoAnne L. Flynn, especialista em doenças infecciosas cujo trabalho se concentra na tuberculose.
Flynn foi demitida do conselho que revisa pesquisas no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID, na sigla em inglês). “Cada cientista no governo e na academia é avaliado, e as pessoas deveriam se sentir confortáveis com isso. Pessoas imparciais estão revisando a ciência.”
Flynn disse que falava em seu próprio nome, não pela Universidade de Pittsburgh, onde trabalha. Quatro mulheres e um homem negro foram desligados do conselho do NIAID, incluindo Flynn. Seu mandato iria até 2029. Ela já havia servido no conselho de 2016 a 2021, durante o primeiro governo Trump.
“Não consigo imaginar que eu não seja especialista em alguma coisa”, disse Flynn. “Então só posso presumir, com base na demografia, que parece que eles visaram mulheres e pessoas de cor.”
As breves cartas de demissão foram assinadas pelo então diretor interino do NIH, Matthew Memoli. Ele é agora o segundo no comando do NIH sob o diretor Jay Bhattacharya.
“Os membros deste comitê exercem a função por decisão discricionária do Diretor dos Institutos Nacionais de Saúde. Como tal, sua nomeação foi encerrada com efeito imediato”, escreveu Memoli em várias das cartas obtidas pelo The Washington Post.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos negou veementemente que raça ou gênero tenham desempenhado algum papel na escolha das pessoas visadas, mas não ofereceu uma explicação para o padrão encontrado na análise.
“A sugestão de que raça ou gênero desempenhou qualquer papel nas decisões relativas às filiações ao Conselho de Conselheiros Científicos (BSC) é categoricamente falsa e o Washington Post deveria se envergonhar por reportar isso”, dizia o comunicado. “Esta foi uma redefinição estratégica e é prática padrão substituir indivíduos em conselhos com uma nova administração —isso não é novidade.”
Várias pessoas familiarizadas com os conselhos de conselheiros científicos no NIH ao longo dos anos disseram que tal rotatividade não é rotineira.
Em seu relatório, que está sendo enviado ao Comitê do Senado sobre Saúde, Educação, Trabalho e Pensões e a Bhattacharya, os presidentes de 12 dos conselhos de conselheiros científicos expressaram preocupação com o padrão de demissões.
“O profundo desequilíbrio nas características demográficas daqueles que foram demitidos versus aqueles que não foram sugere que esses indivíduos podem ter sido escolhidos para demissão com base nessas mesmas características. Se for assim, isso levanta preocupações sobre como essas decisões de demissão estão sendo tomadas”, escreveram os presidentes dos conselhos no relatório.
O governo Trump dissolveu vários comitês consultivos em agências de saúde. Por exemplo, o Comitê Consultivo do Secretário sobre Proteções de Pesquisa Humana, que fornece aconselhamento especializado sobre estudos com participantes humanos, foi encerrado em 31 de março, de acordo com um e-mail interno obtido pelo Post. Mas neste caso, em cerca de duas dúzias de conselhos de conselheiros científicos, um punhado de indivíduos de 21 conselhos analisados pelos presidentes dos conselhos foram demitidos, segundo o relatório.
Robin Wagner, advogada de direitos civis e direito trabalhista do escritório Pitt McGehee Palmer Bonanni & Rivers em Michigan, disse que o grande número de pessoas demitidas oferece uma rara oportunidade de examinar cuidadosamente quem foi escolhido e quem não foi.
“Veja quantas pessoas são mulheres; veja quantas pessoas não são brancas. Há alguma maneira de atribuir isso a algo que não seja raça e gênero?”, disse Wagner. “Não há nenhum conjunto aleatório de outros tipos de razões que se correlacionariam tanto com esse padrão, como raça e gênero. Foi bastante convincente.”
Cientistas externos enfrentam revisão projeto por projeto quando escrevem propostas individuais de subsídios, buscando apoio financeiro para projetos específicos. Os conselhos, por outro lado, avaliam e revisam todo o trabalho de um cientista a cada quatro anos, incluindo uma visita aos seus laboratórios e entrevistas com os cientistas que trabalham em seus laboratórios.
Os procedimentos para selecionar membros do conselho estabelecem que os escolhidos devem ter “reconhecimento internacional como autoridade em um dos campos de pesquisa sob revisão” como critério principal. Mas também deve haver um esforço para estabelecer um “equilíbrio razoável” com base na diversidade de pontos de vista científicos, bem como em relação a gênero, etnia e geografia. Novos membros são indicados por membros atuais do conselho e líderes científicos dentro dos institutos, e pelo diretor do NIH.
Colaborou Alice Crites
Fonte ==> Folha SP