Depois de dois anos de forte entrada de pessoas físicas, os fundos de debêntures incentivadas começaram a mostrar sinais de exaustão. A rentabilidade da indústria caiu para abaixo dos títulos públicos. Esse movimento já começa a se refletir nos fluxos, com os primeiros resgates líquidos do ano.
A captação, que até o fim de novembro estava positiva em R$ 94 bilhões, virou para o negativo nos últimos dias do mês. Em dezembro, até o dia 8 (últimos dados disponíveis), os fundos de infraestrutura acumulavam resgates líquidos de R$ 2 bilhões, segundo cálculos da Sparta Investimentos com base em dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De acordo com a Anbima, o patrimônio total da indústria soma cerca de R$ 200 bilhões.
O aumento dos resgates ocorre após um período prolongado de rentabilidade pressionada. Em outubro, a abertura dos spreads – diferença entre o retorno exigido pelo mercado e o dos títulos públicos – penalizou as cotas.
No mês, quase nenhum dos principais fundos conseguiu superar o CDI, enquanto alguns registraram rentabilidade negativa. O movimento também esfriou o mercado de emissões e diversas ofertas acabaram não saindo do papel.
Segundo Caio Palma, gestor de fundos de infraestrutura da Sparta, a correção foi consequência direta da distorção de preços criada nos meses anteriores.
“O movimento foi reflexo da MP 1303, que previa a taxação dos fundos incentivados a partir do próximo ano. Isso gerou uma corrida para aproveitar a janela de isenção, fechando ainda mais os spreads”, afirma Palma.
Com a caducidade da medida provisória, o incentivo para carregar os títulos àqueles níveis de preço desapareceu. “Os gestores passaram a vender, porque não fazia sentido manter esses papéis com spreads tão comprimidos”, diz o gestor da Sparta.
A venda no mercado secundário provocou a abertura dos spreads em outubro e, consequentemente, a queda da rentabilidade dos fundos após meses de valorização das cotas.
“Foi uma corrida do ouro que todos os fundos aproveitaram. Mas o momento tende a ser mais desafiador daqui para frente”, afirma Miguel Ferreira, CEO e fundador da Bocaina.
Com os spreads ainda em patamar negativo e 0,38 p.p. abaixo do nível observado há 12 meses, Ferreira vê pouco espaço para a indústria gerar retornos expressivos no curto prazo.
Considerando as taxas dos títulos atualmente em carteira e as taxas de administração cobradas pelos fundos, Ferreira estima que a indústria deverá entregar, em média, cerca de 80% do CDI ao longo do próximo ano.
“Isso se não houver nova abertura de spreads. Se houver, esse retorno pode cair para algo próximo de 60% do CDI”, afirma o CEO da Bocaina.
Na avaliação de Palma, a captação líquida dos fundos incentivados deve continuar negativa no curto prazo. Um dos fatores é o descasamento entre os pedidos de resgate e a saída efetiva dos recursos, em razão dos prazos de cotização e liquidação, que variam de um dia até 60 dias ou mais.
“Os fundos estão chegando ao terceiro mês seguido de rentabilidade abaixo do CDI, e isso tende a gerar mais resgates”, diz o gestor da Sparta.
Michelle Lauande, gestora de fundos de infraestrutura da Santander Asset Management, acredita que esse movimento deve se estender ao menos até janeiro.
“É um período que, historicamente, concentra mais resgates, por conta de férias e pagamento de décimo terceiro. Se a performance voltar a ser mais fraca em dezembro, esses fluxos podem se acelerar”, afirma Lauande.
Alguns fatores, no entanto, podem ajudar a limitar uma deterioração maior dos spreads. Um deles é a sazonalidade das emissões, que costumam diminuir no meio do ano.
“Com menos ofertas primárias, fundos que precisarem alocar recursos podem recorrer ao mercado secundário, o que ajuda a sustentar os níveis de spread”, diz Palma.
Outro elemento relevante é o enquadramento regulatório dos fundos mais novos, que precisam manter pelo menos 67% do patrimônio em debêntures incentivadas após seis meses de funcionamento e 85% após dois anos. “Há uma parcela relevante da indústria que precisa ser enquadrada no primeiro trimestre”, afirma Lauande.
Segundo a gestora, dos R$ 15 bilhões que administra em fundos de infraestrutura, entre 10% e 20% de seu portfólio precisarão ser enquadrados no início do próximo ano.
“Se os resgates não acelerarem, esse efeito pode gerar até uma compressão adicional dos spreads, especialmente se não houver muitas emissões primárias, que é o cenário mais provável”, diz a especialista do Santander.
Diante desse ambiente, as gestoras têm buscado ajustar suas estratégias. Na Sparta, a opção tem sido concentrar a maior parte do portfólio em títulos de menor duration, menos sensíveis a movimentos de abertura de spreads.
Fazer caixa não é uma alternativa tão viável quanto em fundos de crédito tradicional, já que os incentivados precisam manter um percentual mínimo elevado da carteira alocado em debêntures de infraestrutura.
Para Ferreira, da Bocaina, a capacidade de originação própria tende a se tornar ainda mais relevante em um cenário de spreads comprimidos. “Eu vou ao Pará visitar uma usina, estudar o projeto e fazer a originação do crédito. Isso permite trazer títulos com spreads superiores aos negociados no mercado secundário”, afirma.
Na sua avaliação, o nível atual dos spreads é o principal risco para o próximo ano. “Eles deveriam estar pelo menos 0,6 p.p. acima do que estão hoje para voltar a níveis mais saudáveis”, diz Ferreira.
Embora veja maior dificuldade para que os fundos atinjam, em 2026, os níveis de rentabilidade observados em anos anteriores, Ferreira enxerga uma janela mais favorável para os fundos de infraestrutura atrelados à inflação.
Esses produtos, que não são hedgeados pelo CDI, podem se beneficiar de um eventual fechamento das NTN-Bs, hoje próximas de IPCA +7,50%.
O gatilho para esse movimento, segundo ele, pode ser a esperada queda da taxa Selic a partir do próximo ano. Se confirmada, a valorização dos títulos públicos indexados à inflação tende a se refletir também nas cotas dos fundos. “Isso pode gerar uma migração dos fundos de infraestrutura atrelados ao CDI para os fundos de inflação”, afirma.
Esse movimento também é esperado por Palma. “Nos próximos seis a 12 meses, gestoras que possuem esse tipo de fundo devem se beneficiar. Mas o mais provável é que a migração só ocorra quando o investidor olhar para o histórico e enxergar a melhora na cota. Hoje, esses fundos ainda perdem de lavada para os produtos atrelados ao CDI.
Fonte ==> NEOFEED

