Lembro-me bem do meu avô Rui reclamando das filas no banco. Toda semana, ele ia até a agência para pagar contas, verificar saldos, falar com o gerente e voltava para casa com a sensação de dever cumprido. A visita ao banco fazia parte da rotina, como ir ao supermercado ou ao cabeleireiro.
Os bancos brasileiros, com sua enorme capacidade de adaptação, sobreviveram a crises de dívida e surtos de hiperinflação. Ainda assim, o modo como nos relacionamos com eles mudou profundamente.
Em agosto de 2018, quando fui convidado a contribuir na elaboração de um plano de governo com o ministro Paulo Guedes e colegas economistas liberais, decidi adotar um olhar diferente. Reuni-me frequentemente com líderes de grandes projetos de tecnologia no Vale do Silício e, ao mesmo tempo, mantinha conversas semanais com agentes do mercado financeiro brasileiro.
A pergunta que nos guiava era simples, mas desafiadora: como será a intermediação financeira do futuro e como garantir que o Brasil esteja na fronteira desse processo? Uma segunda questão logo se impôs: seria possível conduzir esse movimento para gerar crescimento sustentável e inclusivo?
Foi nesse contexto que nasceu a Agenda BC#, posteriormente implementada pelo Banco Central do Brasil (BC). O objetivo era construir um sistema financeiro mais competitivo e sustentável, com maior inclusão e digitalização, e abrir um caminho consistente para ampliar a educação financeira.
Nosso ponto de partida foi escutar os usuários do futuro. Perguntamos a jovens quais características esperavam de um sistema de pagamentos e por que viam nas criptomoedas uma alternativa viável. As respostas convergiram em cinco atributos: o sistema deveria ser rápido, barato, seguro, transparente e aberto.
Naquele momento, criptomoedas e mineração digital ganhavam espaço, alimentando a ideia de independência em relação a sistemas monetários centrais —muitas vezes fragilizados por governos que abusaram da emissão de moeda para financiar gastos.
Dessa reflexão surgiram os quatro grandes blocos fundamentais da Agenda BC#: Pix, internacionalização da moeda, Open Finance e Drex. Juntos, eles estruturam uma transformação que pode colocar o Brasil como referência mundial em modernização financeira.
Nos próximos artigos, aprofundarei a capacidade de cada um desses blocos; por ora, vale explicar por que são tão importantes e como se articulam em um plano mais ambicioso.
Começamos pelo que teria impacto imediato e perceptível no cotidiano: os pagamentos. Assim nasceu o Pix, com o objetivo de modernizar e baratear transações financeiras, ampliar a inclusão e estimular a concorrência.
Três anos depois, tornou-se um dos maiores casos de inclusão financeira recente: o Pix incorporou 72 milhões de novos usuários ao sistema financeiro. O nome —Pix— foi sugerido por um diretor do BC e remete a pagamentos instantâneos, com o “X” simbolizando aceleração exponencial.
Com um sistema de pagamentos consolidado, o segundo passo era a internacionalização da moeda e a conexão entre sistemas de pagamentos. O Brasil iniciou um processo de desburocratização cambial que resultou no novo marco legal (lei 14.286/2021 e regulamentação). A tecnologia já permite conexões internacionais mais eficientes, mas ainda falta consenso global sobre o modelo de governança que sustentará essa integração.
O terceiro bloco —o Open Finance— talvez seja o mais transformador, embora também o mais complexo e de adoção gradual. Ele visa resolver um problema central das finanças: a assimetria de informação.
Vamos a um exemplo prático para explicar o problema ao leitor. Imagine que você tenha a opção de emprestar dinheiro a um amigo conhecido ou a um desconhecido, ambos com a mesma capacidade de pagamento. Como você tem mais incerteza em relação ao desconhecido, vai exigir um prêmio (preço) maior para compensar essa falta de informação. Agora imagine ter acesso a dados confiáveis de ambos, em um ambiente seguro: a taxa seria a mesma.
O Open Finance parte da premissa de que os dados pertencem ao usuário, não aos bancos, permitindo que sejam compartilhados para obter preços melhores e serviços personalizados. O resultado esperado é um ambiente de comparabilidade e portabilidade imediata para todos os produtos financeiros.
Folha Mercado
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O quarto e último bloco é o mais inovador: o Drex. A economia caminha para a tokenização, ou seja, a representação digital de ativos físicos e financeiros. Esse processo aumenta a eficiência na medição de riscos, na securitização de ativos e fluxos financeiros, na captação de recursos e na negociação de ativos.
O Drex, versão digital do real lastreada em depósitos bancários com garantia do BC, foi concebido para evitar a desintermediação bancária e criar um modelo inovador que já inspira outros bancos centrais. É uma forma de acelerar a transição para uma economia tokenizada e trazer funcionalidades de finanças descentralizadas para o ambiente regulado do BC.
Mas para onde tudo isso nos leva? A um futuro em que cada pessoa terá, em um único aplicativo, acesso a todas as suas informações financeiras, produtos e serviços. Inteligências artificiais integradas a esse ecossistema poderão recomendar escolhas, dar alertas e ajudar cada usuário a extrair mais valor de seus ativos, de forma rápida e eficiente.
Parece um sonho distante, mas grande parte dessa realidade já está em nossas mãos. Quanto mais compartilharmos dados de forma segura, maior será a competição entre bancos e melhor será a oferta de produtos.
Estamos, assim, à beira de uma grande revolução. O Brasil mostrou que está na fronteira da inovação financeira, e os quadros do Banco Central comprovaram sua capacidade de liderar um sistema moderno que hoje serve de exemplo em diversas partes do mundo.
Fonte ==> Folha SP