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A convergência do Dia de Martin Luther King Jr. nos EUA com a posse de Donald Trump é uma ironia poderosa e dolorosa. Esse contraste coloca a visão de King de uma comunidade amada frente a políticas e discursos que alimentam a divisão e a opressão sistêmica. Este momento nos lembra da luta contínua por justiça e exige ação.
O trabalho de King abordava o racismo sistêmico, a desigualdade econômica e o militarismo —o que ele chamava de três males. Hoje, sua voz revolucionária foi cooptada, frequentemente reduzida a frases de efeito que apoiam a cegueira racial e o incrementalismo, ignorando suas críticas ao capitalismo, à pobreza e ao imperialismo.
Na Carta da Prisão de Birmingham, King criticou moderados brancos que priorizavam a ordem em detrimento da justiça. Essa crítica permanece relevante, já que seu legado agora é apropriado por indivíduos e instituições que sustentam desigualdades sistêmicas. Essa apropriação trai os marginalizados, por quem King lutou e morreu, reduzindo sua mensagem transformadora a um apelo por unidade passiva.
Hoje, a posse de Trump no Dia de Martin Luther King Jr. simboliza as contradições na busca americana por justiça. As políticas de Trump exacerbaram disparidades raciais e econômicas e fortaleceram o nacionalismo branco, contrastando fortemente com a visão de justiça e igualdade de King.
James H. Cone, pai da Teologia Negra da Libertação, articulou a necessidade de confrontar essas contradições de frente. Em “The Cross and the Lynching Tree”, ele escreve: “A cruz pode curar e ferir; pode ser empoderadora e libertadora, mas também escravizante e opressora”.
Da mesma forma, este 20 de janeiro de 2025 carrega um duplo significado, incorporando tanto a esperança da visão de King quanto a dolorosa realidade das promessas não cumpridas da América. Este momento exige uma resposta profética da igreja. Como declarou King: “A igreja deve ser lembrada de que não é a mestre nem a serva do Estado, mas sim a consciência do Estado.” Comemorar King não é suficiente; devemos incorporar seu legado por meio da resistência e da renovação.
Adam Clayton Powell Jr. uma vez perguntou: “O que há em suas mãos?”. Essa pergunta nos desafia a usar nossos recursos e influência para construir a comunidade amada. Na Igreja Batista Ebenezer, respondemos a esse chamado com iniciativas que combatem a insegurança alimentar, ampliam o acesso à água potável e promovem mudanças sistêmicas, refletindo a crença de King de que “todos podem ser grandes porque todos podem servir”. Honrar o legado de King exige resgatar sua voz radical e confrontar os sistemas que perpetuam injustiças.
A igreja protestante brasileira tem vínculos fortes com a herança escravagista. Temos relatos de missionários que se calaram diante da escravidão, membros de igrejas que eram senhores de escravizados e, quando lemos os relatos da época colonial, é indiscutível que a igreja se firmou a partir de privilégios da escravidão.
Uma igreja que é fundada imersa em um tempo tão obscuro da humanidade precisa olhar para o ministério e vida do pastor Martin Luther King Jr. com muita atenção e responsabilidade, porém o que temos percebido é uma tentativa de cooptação da imagem de King por forças da direita brasileira, que nos últimos anos tem negado bandeiras históricas da luta liderada por Martin quando perseguem dentro das igrejas e em seus discursos pessoas ligadas ao movimento negro brasileiro, ou no momento que negam a profundidade das injustiças raciais que são cometidas contra os afrodescendentes no país.
O dia de hoje marca o começo de uma era sombria nas Américas e no mundo, mas, como King, não devemos temer os dias maus, mas somente o silêncio dos bons.
Diante da ascensão política de Jair Bolsonaro, cuja consequência nefasta nas igrejas evangélicas foi a destruição da prática do amor ao próximo como nosso mestre Jesus nos ensinou, o que temos visto é o crescimento da violência nos discursos.
A mensagem do pastor King nos mantém de pé com os olhos fitos em uma terra de liberdade para todos os oprimidos. Lugar onde a igreja de Cristo seja instrumento de cura para todos os feridos pelo racismo e pelo colonialismo. Nós acreditamos que a esperança nos mantém firmes e de pé diante de toda a perseguição daqueles que pretendem manter escravizados aqueles que já deveriam estar livres.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP