O recuo inevitável das debêntures: governo sofre pressão para isentar papéis do agronegócio

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Num intervalo de três meses, o governo federal descobriu que a iniciativa de elevar a arrecadação aumentando a taxação de papéis do mercado financeiro, em especial as debêntures incentivadas – cujas emissões se transformaram na maior fonte de financiamento de longo prazo para concessões e obras de infraestrutura -, não só foi equivocada, como corre o risco de ser obrigado a rever a taxação extra dos outros títulos incluídos na Medida Provisória (MP).

Essa é a percepção do mercado na quarta-feira, 10 de setembro, diante da reviravolta ocorrida após o governo baixar a Medida Provisória 1.303/2025, em 11 de junho, elevando a tributação imposta às debêntures incentivadas e de outros papéis, como as LCAs (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letra de Crédito Imobiliário), os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio ), além de fundos de investimento como FIIs, Fi-Infra e Fiagros.

A MP foi editada no contexto das negociações em torno do decreto que aumentou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), editado em maio deste ano. Inicialmente o governo previa uma arrecadação de R$ 20 bilhões no ano que vem com a medida provisória.

Desde que a MP foi publicada, por orientação do Ministério da Fazenda, porém, choveram críticas de outras pastas setoriais dentro do governo Lula e do mercado de infraestrutura, que advertiram que o BNDES não tem capacidade de, sozinho, financiar toda a demanda do setor, especialmente com o crescimento das concessões.

Antes da MP, a emissão de debêntures já respondia por cerca de 60% do aporte de capital para concessões e outras obras de infraestrutura, bem acima de recursos do BNDES e de outros bancos de fomento.

O uso desse papel, criado em 2011, atingiu R$ 135 bilhões em 2024 – o maior volume da série histórica -, sendo que o setor privado foi responsável por 80% do total.

A MP prevê que, a partir de 2026, debêntures incentivadas não oferecerão mais isenção de imposto de renda ao investidor pessoa física, que passará a ser tributado em 5% – mesma regra prevista para os outros títulos hoje isentos (LCA, LCI e os CRAs). Já a alíquota de Imposto de Renda para empresas que investem em debêntures incentivadas – que emitem 90% desses papéis – passa de 15% para 25%.

Um estudo da consultoria Pezco Economics estima que a manutenção da MP como está vai gerar uma queda de 50% nas emissões de debêntures já a partir do ano que vem. De acordo com o estudo, o Tesouro Nacional teria de aportar R$ 335 bilhões no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) até 2030 para suprir a perda de recursos privados no setor de infraestrutura.

Na semana passada, depois que a superintendente da área de estruturação de projetos do BNDES, Luciene Machado, alertou que a tributação das debêntures incentivadas afetaria três frentes de atuação do banco de fomento – a estruturação de modelagens de concessão, o financiamento do setor e a atividade de coordenação de ofertas públicas de debêntures que a instituição promove -, a revisão da tributação do papel passou a ser dada como certa.

Nova pressão

Essa pressão convenceu o relator da MP, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que nesta semana admitiu o recuo em relação à taxação das debêntures incentivadas. O próprio Zarattini, no entanto, admite que esse movimento deverá levar a fortíssima bancada do agronegócio a pressionar pela revisão da taxação extra nos outros papéis ligados ao setor.

Para Letícia Queiroz, sócia do escritório Queiroz Maluf Reis Advogados, que auxilia empresas que investem em debêntures, o eventual recuo do governo em taxar esse papel é inevitável.

“Os números mostram que retirar investimento do programa de concessões de infraestrutura, que está no auge, seria um grande erro”, afirma Queiroz, que participou na semana passada, como especialista no tema, da reunião da Comissão Mista da Câmara dos Deputados que discutiu as mudanças na MP.

Segundo ela, resta ao governo federal negociar com a bancada do agronegócio uma redução das alíquotas previstas na MP que devem afetar papéis ligados ao setor, como CRA, CLA, CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) e Fiagro (Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais).

Octaciano Neto, sócio da consultoria Zera Ag e ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo, porém, adverte que a taxação desses títulos ligados ao agronegócio prevista pela MP representa um erro tão grande por parte do governo quanto o de taxar as debêntures incentivadas.

“Essa MP representa, na prática, quebrar a espinha dorsal do financiamento do agro, que vale lembrar é privada”, assegura Neto. Segundo ele, apenas 3,3% da receita do produtor brasileiro é subsidiada: “O produtor rural brasileiro recebe, via subsídio, apenas um quarto do que a média dos produtores dos países da OCDE.”

Ele diz que, todos os subsídios do governo, o agro detém cerca de 16%, mas a maior parte, o equivalente a R$ 77 bilhões, é usada para desonerar a cesta básica. “Também são beneficiados os Fundos Constitucionais (R$ 11,8 bilhões) e agricultura familiar (R$ 11,3 bilhões), e o restante – R$ 10,6 bilhões – vem dos títulos do agro que o governo quer taxar.”

Neto afirma que o discurso do governo de querer acabar com alíquota zero dos papéis e criar patamar único com a MP e ver o agro como alvo por ter “benefícios fiscais” precisa ser combatido.

Ele cita projeção da ABSIA (Associação Brasileira das Securitizadoras Imobiliárias e do Agronegócio) com a Tendências Consultoria que estimou a receita oriunda da eventual tributação dos CRAs e LCAs nos próximos 3 anos com a MP em R$ 7,3 bilhões.

“O problema estrutural do País é gastar mais do que recebe”, diz. “O governo tenta compensar déficit aumentando tributação em vez de resolver a despesa.”

Segundo ele, a Frente Parlamentar da Agricultora vai lutar pela derrubada da taxação dos papéis ligados ao agronegócio. Uma fonte do mercado financeiro ouvida pelo NeoFeed, que não quis se manifestar, prevê uma negociação difícil para o governo.

“As pastas ligadas às áreas de infraestrutura sabem da força do agro no Congresso e temem que uma taxação menor das debêntures incentivadas seja colocada na mesa de negociação”, diz ele. “Por outro lado, o governo deve  tentar manter a taxação ao menos das LCAs e LCIs, que têm maior potencial de arrecadação.”



Fonte ==> NEOFEED

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