MERCADO DE AÇÕES

O choque fiscal inevitável no próximo mandato

O choque fiscal inevitável no próximo mandato

As eleições de 2026 definirão quem terá a responsabilidade de aplicar uma “terapia de choque” nas contas públicas brasileiras. Independentemente do resultado, o próximo presidente enfrentará uma realidade inexorável: uma situação fiscal que beira a insustentabilidade e que não admite mais paliativos. O Brasil se encontra em uma encruzilhada fiscal, onde a estabilidade macroeconômica e a capacidade de reduzir os juros dependem de um choque de credibilidade. O alerta é de Solange Srour e Luciano Telo, respectivamente diretora de macroeconomia e diretor de investimentos para o Brasil do UBS Wealth Management, gestora de patrimônio para clientes de alta renda do grupo financeiro suíço UBS. Eles concederam entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. Quem assumir em 2027 herdará um país com dívida pública crescente, que atingiu 78,6% do PIB em outubro e chegará a 83,8% do PIB em 2026, segundo projeções do UBS — o que corresponde a um crescimento de mais de dez pontos percentuais em apenas quatro anos, ao longo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sem reformas estruturais ou sinalização clara de consolidação fiscal, o endividamento continuará crescendo de forma acelerada, podendo ultrapassar 100% do PIB após 2027, estima o grupo suíço. O fim do gradualismo econômico Os executivos apontam que o novo líder precisará promover, já a partir de 2027, uma terapia de choque nas contas públicas. A situação não é nova. O Brasil já experimentou crises fiscais antes. O que diferencia este momento é a velocidade da deterioração e a ausência de instrumentos tradicionais para contê-la. Historicamente, o país tentou contornar crises com ajustes graduais, mas essa estratégia se mostrou ineficaz. Para eles, o gradualismo — a estratégia de correções lentas e incrementais — é economicamente caro. Prolonga a incerteza, eleva o risco e desestimula o investimento. Um exemplo emblemático da história recente é o caso da Grécia após 2010. O país tentou um ajuste baseado no aumento de impostos e no retardo de cortes de despesas. O resultado foi desastroso: uma queda acumulada de mais de 25% do PIB, desemprego acima de 27% e, ironicamente, a dívida pública aumentou de 130% para 180% do PIB. O ajuste focado em impostos não funcionou. No caso brasileiro, o período pós-recessão de 2015-16 também serve de alerta: em tempos de profunda incerteza fiscal, o país não tem como encontrar uma saída para a crise sem um choque de credibilidade que rompa com essa dinâmica de incerteza. O câmbio como termômetro da crise que pode vir após as eleições 2026 Diante dessa urgência, o mercado já emite sinais de alerta. Sem esse choque de credibilidade, o Brasil enfrenta um risco estrutural: não apenas uma desaceleração cíclica, mas uma desaceleração aguda da atividade econômica. Segundo Solange Srour, o câmbio será o primeiro indicador a sofrer os impactos dessa dinâmica — e o último sinal antes de uma possível crise cambial. Um real mais fraco encarecerá importações, pressionará a inflação e forçará o Banco Central a manter juros reais elevados — exatamente o oposto do que a economia precisa. Esse cenário não é especulação. É matemática, apontam os especialistas do grupo financeiro. A taxa de juros que mantém a economia em equilíbrio (nem aquecida, nem desacelerada), que o UBS estima em torno de 6% ao ano, é o patamar ideal. Hoje, com juros reais (descontada a inflação) próximos de 10%, o Brasil está significativamente acima desse patamar. Essa diferença não é acidental. Ela reflete a falta de credibilidade fiscal. Para que a taxa de juros básica da economia (Selic) atinja um dígito (ou seja, juros abaixo de 10%), o Brasil precisa de uma taxa de juro real próxima de 4%. Segundo Srour, essa queda só ocorrerá se o país for para um mundo onde as contas públicas são sustentáveis. “Se houver uma sinalização clara da estabilidade da dívida pública, a taxa de juros que equilibra a economia cairá muito fortemente”, diz a economista. “Se, contudo, a dívida continuar em uma trajetória de alta, essa taxa pode ser muito maior do que 6%. Neste cenário, o ciclo de redução de juros seria curto ou pequeno, e a política monetária permaneceria restritiva por muito tempo.” A fragilidade da composição da dívida Historicamente, a convergência da inflação só foi bem-sucedida quando a política monetária foi combinada com uma consolidação fiscal eficaz. Foi o que se viu no ciclo de Ilan Goldfajn no Banco Central, de 2016 a 2019. A falta de estabilidade fiscal impede a queda do juro real. Segundo o Banco Central, à exceção de curtos períodos, o Brasil fecha as contas no vermelho desde novembro de 2014, considerando o resultado acumulado em 12 meses. A urgência da correção fiscal é amplificada pela situação macroeconômica corrente. Nesse contexto, o rombo total nas contas do governo (o resultado nominal, isto é, resultado primário mais pagamento de juros), que gira em torno de 8% do PIB, é o principal vetor de fragilidade fiscal, apontam os especialistas do grupo suíço. Os juros reais no Brasil continuam próximos de 10% ao ano, segunda maior taxa do mundo, atrás apenas da Turquia, de acordo com a consultoria financeira MoneYou. O volume elevado de pagamentos de juros afeta fortemente o resultado nominal. A composição da dívida pública federal tem piorado. O Tesouro Nacional não tem conseguido cumprir as metas de alongamento do prazo médio e de ampliação da parcela de títulos com juros fixos. O aumento de dívidas com juros que variam conforme a taxa básica fragiliza a capacidade do país de absorver choques e torna o custo do serviço da dívida extremamente sensível a juros em patamares mais elevados. Para meramente estabilizar o endividamento, o país precisará de um esforço primário da ordem de quase quatro pontos percentuais do PIB, explica Srour. Esse é um programa de austeridade monumental. Ela reconhece que nenhum governo consegue realizar um ajuste desta magnitude em apenas um ano. Ele precisaria ser implementado ao longo dos anos, mas exige uma sinalização clara e robusta logo no início do mandato, em 2027. Segundo Srour, o reequilíbrio das contas não é