Por que a direita é fascinada pela literatura fantástica? – 28/06/2025 – Ilustrada

Por que a direita é fascinada pela literatura fantástica? - 28/06/2025 - Ilustrada

A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni fundou uma conferência política conservadora com o nome de um herói de um romance de fantasia best-seller de 1979, costumava fazer cosplay de hobbit e, em 2023, encomendou uma exposição de museu sobre J.R.R. Tolkien.

Peter Thiel, o bilionário da tecnologia apoiador de Trump e cético da democracia, lidera uma tendência no Vale do Silício de nomes de empresas derivados de “O Senhor dos Anéis”, desde seu próprio grupo de inteligência de dados Palantir (pedras mágicas encontradas na Terra-média) até a fabricante de armas Anduril (uma espada de Tolkien).

O vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, disse que seu conservadorismo foi influenciado tanto por Tolkien quanto por C.S. Lewis, autor dos livros de “Nárnia”.

Em outras palavras, um fascínio pela literatura fantástica une conservadores nacionalistas europeus, os “tech bros” de Trump e o movimento Maga. Isso é coincidência? Ou há algo na fantasia que se encaixa excepcionalmente bem na mentalidade de direita?

No caso italiano, o fanatismo pela fantasia tem sido “mais psicológico do que político”, diz Salvatore Vassallo, professor de ciência política da Universidade de Bolonha. Foi importante quando Meloni e seu séquito eram jovens e sua seção da direita estava excluída do mainstream político devido à sua bagagem de “referências culturais fascistas que não podiam expressar” em público.

Fantasia como uma filosofia reacionária substituta publicamente palatável, então? Com certeza, muitos temas desse cânone literário parecem se encaixar nesse perfil.

Por exemplo, é fácil ver como a hierarquia social medieval e a categorização racial essencialista, ambas comuns aos mundos de fantasia, poderiam atrair visões de mundo reacionárias. Também é fácil ver a atração pelo tradicional e pelo ritualístico para aqueles que recuam da modernidade. (Vassallo diz que o amor de Meloni e outros por Tolkien era “congruente com algo que pensavam sobre si mesmos: pessoas ‘puras’ lutando por valores que apreciavam, mas que eram subvalorizados por outros ao seu redor”.)

Mas algumas dessas observações são golpes baixos. Afinal, muita fantasia pode ser interpretada de outra forma: heróis desafiam suas hierarquias sociais; alianças entre raças diferentes derrotam o mal. Uma suposta aversão estética à modernidade não tem lugar no tecno-otimismo do Vale do Silício.

A pista, eu acho, está mais em como a fantasia tende ao heroico. São histórias de persistência pessoal diante da adversidade maniqueísta. São histórias onde a virtude vence; onde indivíduos —se puderem fazer as escolhas certas, adotar os valores certos, seguir os instintos certos— vencem o sistema. São, pode-se dizer, histórias do triunfo da vontade.

Isso se alinha bem com o populismo. Apoia a ideia de que os problemas na vida das pessoas são causados por forças malignas e que certos indivíduos especiais podem enfrentar esses inimigos e vencer. Ambas as noções sustentam a retórica oferecida pelos populistas sobre por que as pessoas (“o” povo, nada menos) deveriam votar neles. “Eu sou sua retribuição”, como Donald Trump disse.

O populismo pode ser de direita ou de esquerda. Mas de outra forma, o triunfo da vontade do gênero fantástico é (como convém ao termo) mais fácil para os populistas de direita adotarem. Ele sublima um pavor de ser determinado pelas estruturas impessoais da sociedade e um desejo de que nossas próprias escolhas e valores moldem o mundo ao nosso redor. Reflete um desejo de controle, poder e um mecanismo transparente da escolha individual para o efeito social —um desejo, em suma, por um mundo épico em vez do moderno.

A fantasia representa menos um retorno a um idílio pré-moderno, então, do que um cumprimento da liberdade que o Iluminismo prometeu, mas que a complexidade social tirou. Isso é mais difícil para a esquerda aceitar, pois a estrutura social é o que define a esquerda.

No nível pessoal, existencialistas de esquerda podem querer romper o domínio das expectativas sociais. Mas politicamente, a esquerda abraça a importância primária da estrutura social e se propõe a moldá-la, enquanto a direita visa deixá-la no lugar (em versões reacionárias) ou destruí-la (em versões mais libertárias).

Esses sonhos puramente de direita estão destinados a falhar. Vivemos na modernidade, quer gostemos ou não; a sociedade inevitavelmente estrutura nossas escolhas. Mas é surpreendente se a frustração resultante alimenta um anseio por anéis e amuletos mágicos —ou tecnologias poderosas, mas difíceis de compreender?

Há, no entanto, outra lição a ser encontrada na literatura fantástica. Uma estrutura profunda une pessoas e natureza na série “Terramar” de Ursula Le Guin, por exemplo. São obras sobre os limites do que o poder individual pode alcançar e como ele deve ser usado para restaurar o equilíbrio e reforçar estruturas, em vez de destruí-las. Talvez Giorgia, Peter, J.D. e seus amigos devessem ler mais fantasia, não menos.



Fonte ==> Folha SP

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