Elas têm currículo, experiência e competência técnica. Muitas lideram equipes, sustentam famílias e tomam decisões complexas todos os dias. Ainda assim, quando o assunto é falar inglês em uma reunião, apresentação ou entrevista, o bloqueio aparece. Não por falta de capacidade, mas por um conjunto de fatores invisíveis que transformam o idioma em um obstáculo silencioso para a carreira de milhares de mulheres brasileiras.
Após os 30 anos, esse bloqueio tende a se intensificar. Pausas na trajetória profissional, jornadas duplas, responsabilidades familiares e um histórico educacional pouco acolhedor criam um terreno fértil para a autossabotagem. O inglês, que poderia ser uma ferramenta de ascensão econômica, passa a representar risco: medo de errar, de parecer menos competente ou de “não estar à altura”.
O impacto vai além da insegurança pessoal. Profissionais com domínio funcional do inglês têm acesso a melhores oportunidades, salários mais altos e maior mobilidade. Quando mulheres qualificadas deixam de se candidatar a vagas, promoções ou projetos internacionais por não se sentirem prontas no idioma, o custo não é apenas individual — é econômico, organizacional e social.
Um bloqueio que não é falta de inteligência
A dificuldade de aprender ou usar um novo idioma na vida adulta costuma ser explicada como “falta de tempo”, “falta de talento” ou “idade”. A neurociência da aprendizagem, no entanto, mostra outro cenário. O cérebro adulto aprende, sim — mas aprende de forma diferente.
Ao longo da vida, o cérebro constrói redes neurais altamente eficientes para aquilo que já domina. Em contrapartida, ele passa a reagir com mais cautela diante do erro, especialmente em contextos sociais. Para muitas mulheres, que historicamente foram mais cobradas por desempenho, correção e perfeição, errar em público ativa áreas do cérebro ligadas à ameaça, não à aprendizagem.
Isso ajuda a explicar por que tantas mulheres compreendem o inglês ao ler ou ouvir, mas travam ao falar. O problema não é cognitivo, é emocional-neurológico: o cérebro entra em modo de proteção. Em vez de experimentar, ele evita.
Métodos que ignoram a vida real
O ensino tradicional de idiomas raramente considera esse contexto. Aulas centradas em exposição, correção excessiva, comparações entre alunos e foco exclusivo na gramática reforçam a ideia de que errar é falhar. Para mulheres adultas, especialmente aquelas que já enfrentam cobranças profissionais e pessoais, esse modelo tende a amplificar bloqueios, não a resolvê-los.
Além disso, muitas chegam ao estudo do inglês depois de longos períodos afastadas da sala de aula. Retornam carregando experiências escolares pouco positivas e a sensação de estarem “atrasadas”. Sem uma abordagem adequada, o aprendizado se transforma em mais uma fonte de frustração — e acaba sendo abandonado.
O efeito direto na carreira e na renda
O resultado aparece de forma silenciosa, mas consistente. Mulheres deixam de participar de reuniões estratégicas, recusam convites para projetos internacionais ou sequer se candidatam a vagas que exigem inglês, mesmo quando têm competência técnica de sobra.
Em um mercado cada vez mais globalizado, essa autoexclusão tem impacto direto sobre renda, progressão de carreira e ocupação de espaços de liderança. Empresas perdem talentos. Profissionais perdem oportunidades. E a desigualdade se perpetua não por falta de capacidade, mas por barreiras mal compreendidas.
Mudar a abordagem é uma decisão econômica
Aprender inglês na vida adulta — especialmente para mulheres — exige mais do que disciplina. Exige métodos que respeitem o funcionamento do cérebro adulto, reduzam a ameaça do erro e reconstruam a confiança passo a passo. Ambientes seguros, progressão realista e foco em uso funcional do idioma fazem mais diferença do que horas de exposição passiva.
Tratar o inglês apenas como uma habilidade técnica é um erro. Ele é, na prática, um fator de acesso — ou de exclusão — no mercado de trabalho. Quando mulheres deixam de avançar por bloqueios que poderiam ser trabalhados, todos perdem: profissionais, empresas e a economia como um todo.
O que está em jogo
Aprender inglês depois dos 30 não é um atraso. Para muitas mulheres, é uma estratégia de retomada. Retomada da confiança, da mobilidade profissional e da possibilidade de escolha. Ignorar esse fenômeno é continuar tratando como individual um problema que é estrutural.
O inglês não deveria ser um filtro invisível que separa mulheres competentes das oportunidades que elas já estão prontas para ocupar. Quando entendemos como o cérebro aprende e como a vida adulta molda esse processo, fica claro: não se trata de incapacidade. Trata-se de acesso.
Carla Renata Fernandes é formada em Letras Inglês e pós graduada em neurociências da educação. Atua como professora de inglês sendo especialista em aprendizagem de adultos, com foco em neurociência aplicada à educação, comunicação e desenvolvimento profissional.

